O que seriam os Estados ocidentais hoje sem os longos períodos de concentração de poder, baseados em monarquias absolutistas e impérios que expandiram globalmente a influência do Ocidente por meio do colonialismo e estabeleceram as bases da actual hegemonia da civilização ocidental?
A ideia da alternância política oculta muitos processos e padrões referenciais ao poder político que não são facilmente equacionados na realidade, como se faz crer. Porquanto existem diversos elementos que influenciam o poder político, como estruturas de poder, interesses económicos, alianças políticas e histórico-culturais de um determinado país.
A alternância do poder pode, por isso, ser entendida como um cálice envenenado para outros contextos em diferentes estádios de desenvolvimento em relação ao Ocidente e que são mais propensos a conflitos, como é o caso de África. Como observou Andre Gunder Frank, um dos criadores da teoria da dependência: “A nossa ignorância da história dos países subdesenvolvidos leva-nos a assumir que o seu passado, e mesmo o seu presente, se assemelha às etapas iniciais da história dos países hoje desenvolvidos.”
Durante muito tempo, a democracia e o capitalismo liberal foram considerados dogmas, sendo vistos como as únicas soluções para alcançar os objetivos teleológicos dos Estados. No entanto, a realidade tem contrariado essa visão.
A República Popular da China tem sido a principal fonte de “desdogmatização” da ideia de que a democracia liberal (que tem como um dos principais pressupostos a alternância do poder) e o capitalismo representam a única alternativa viável para o progresso das nações, como foi pregado por Fukuyama na sua magnus opus de 1992, O Fim da História e o Último Homem. Nas últimas cinco décadas, o país tem-se potencializado sob a liderança do Partido Comunista Chinês. A China possui um sistema político estável, demonstra governabilidade, com instituições fortes, eficientes e eficazes que garantem exemplarmente a materialização dos serviços essenciais para a satisfação das necessidades do povo chinês, e tornou-se um actor competitivo que desafia a ordem internacional estabelecida pelo Ocidente.
O desenvolvimento da China ocorre sem a alternância de poder, assim como em outros países como Turquia, Ruanda, Rússia, entre outros, que não são usualmente considerados democracias.
Na Turquia, sob a liderança de Recep Tayyip Erdogan e do seu partido, o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), o país tem implementado políticas de modernização económica, investimentos em infraestruturas e fortalecimento do papel do Estado desde 2003. Hoje a Turquia é um ator relevante no sistema internacional, mostrando que a alternância de poder não é necessariamente um requisito para o desenvolvimento nacional.
O Ruanda destaca-se como um caso interessante de desenvolvimento em África. Após o genocídio de 1994, Paul Kagame assumiu o poder e liderou o país numa notável recuperação económica, investimentos em infraestruturas, melhorias nos indicadores sociais e redução da pobreza. O Governo de Kagame implementou políticas de longo prazo e priorizou o desenvolvimento sustentável do país.
Estes exemplos evidenciam que a ênfase excessiva na alternância do poder, um dos princípios da democracia, como condição essencial para o desenvolvimento dos Estados e projeção de poder internacional, é romantizada. Isto porque, por um lado, distorce os três principais fatores de crescimento – capital, trabalho e produtividade – porquanto, em vez de se concentrar na alternância do poder, os Estados subdesenvolvidos devem priorizar o fortalecimento dos fatores de crescimento económico, como o aumento do investimento em capital físico, o desenvolvimento de habilidades e a melhoria da produtividade. Pois a estabilidade política e a governabilidade são os únicos elementos necessários para alcançar o desenvolvimento económico, independentemente do regime político adotado.
Por outro, destaca uma visão ingénua da luta pelo poder político e a sua manutenção, especialmente no contexto do sistema internacional. Na arena internacional, como escreve John Mearsheimer, “os Estados estão destinados a colidir numa competição pela superioridade” (2001:11). Isto significa que (2001:28) “os cálculos de poder estão no cerne da forma como os Estados pensam sobre o mundo que os rodeia”, diz o autor no seu bestseller A Tragédia Política das Grandes Potências. Portanto, esta competição não se baseia em princípios, normas e valores ideológicos relacionados com os regimes políticos nacionais.
De acordo com a teoria realista das relações internacionais, os Estados competem pelo poder porque ele oferece maior segurança em um ambiente anárquico, ou seja, a capacidade de autopreservação. Embora a segurança seja principalmente de natureza militar, como defendido por Max Weber (apud Mearsheimer, 2001: 148), “a autopreservação nacional e o crescimento económico são duas faces da mesma moeda”. Portanto, o crescimento económico está intrinsecamente ligado à razão fundamental da competição entre Estados.
Por conseguinte, o argumento de Dambisa Moyo, intelectual zambiana, no seu renomado livro Edge of Chaos (2018), é assertivo ao afirmar que a democracia liberal e o capitalismo de mercado não são pré-requisitos para o crescimento económico dos Estados.
Os Estados africanos ainda não adotaram amplamente a “dessacralização” da ideia da alternância de poder como condição sine qua non para o desenvolvimento. Pelo contrário, implementam-na como um colete-de-forças para as suas realidades.
No entanto, a manutenção do statu quo nos países africanos e em outros contextos subdesenvolvidos deve representar, acima de tudo, um compromisso real com a definição e implementação de estratégias que promovam o desenvolvimento e a projeção internacional destes países. Líderes como o falecido Deng Xiaoping e Xi Jinping, da China, Erdogan, da Turquia, e Kagame, do Ruanda, são bons exemplos disso, pois demonstraram um compromisso em fortalecer os seus países, tornando-os mais competitivos e poderosos internacionalmente, ao mesmo tempo que beneficiam as suas populações com o progresso e desenvolvimento nacional.
A busca pela manutenção do poder apenas pelo poder, sem um compromisso real com o desenvolvimento, é insignificante, como evidenciado por diversos países, tais como a Coreia do Norte, a Guiné Equatorial e o Sudão de Omar Al-Bashir.
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico
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