Romão Lopes tem 85 anos e carrega no corpo e na memória as marcas de uma luta que ajudou a mudar o rumo da Guiné-Bissau. Combatente da luta armada que levou à independência do país, em 1973, Romão é hoje um cidadão entristecido, que se sente deixado para trás pela pátria que ajudou a erguer. “Sinto-me esquecido por este país”, afirma com a voz pausada, mas carregada de desilusão.
Em conversa com a BANTUMEN, pelas ruas de Bissau, o antigo engenheiro mecânico e técnico em metrologia recorda os dias em que sonhava com uma Guiné-Bissau livre, justa e próspera. Romão Lopes trabalhou lado a lado com Victor Saúde Maria, primeiro-chefe de governo da Guiné-Bissau independente. Mas, mais de quatro décadas depois, sente que os ideais pelos quais lutou foram abandonados. “Esta situação não começou hoje. Vem de longe. O país virou as costas a quem o ergueu”, afirma.
A mágoa de Romão não é apenas individual, é coletiva e simbólica. O antigo combatente lamenta a forma como os pilares do país – como a agricultura e a cultura – foram deixados ao abandono pelas sucessivas lideranças. “A grandeza de um país está na agricultura. Mas a terra está ao abandono”, critica, destacando que um país sem produção agrícola está condenado a depender do exterior. “A terra está fértil, mas desprezada. Um país sem agricultura é um país sem futuro”.
Romão aponta também o dedo à crescente desvalorização da identidade cultural guineense. Para ele, a Guiné-Bissau está a perder os seus traços mais autênticos ao adotar modelos estrangeiros, em detrimento dos seus próprios saberes, línguas e símbolos. “Como é que um povo pode crescer se não reconhece a sua cultura? Os nossos símbolos, os nossos saberes, as nossas línguas estão a desaparecer das escolas, dos programas, da consciência coletiva”, denuncia.
Apesar da frustração, Romão mantém viva a esperança num futuro diferente. A sua mensagem é clara: é preciso resgatar o compromisso com a pátria e romper com o ciclo de desinteresse e desmemória que marca a elite política guineense desde a independência. “Eu já não tenho tempo. Mas os jovens ainda têm. E é a eles que deixo esse apelo”.
Num país onde a memória dos que lutaram pela liberdade muitas vezes se apaga com o tempo, Romão Lopes continua a lembrar que o passado não deve ser ignorado. As suas palavras são um testemunho vivo de quem sonhou com um país melhor e ainda acredita que é possível reconstruí-lo, desde que não se perca a ligação à terra, à cultura e à verdade.
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