Expansão da China na América do Sul avança, endividando nações

Em vários países da América do Sul, o Banco de Desenvolvimento da China (CDB) ganhou presença, por meio de investimentos em setores-chave, como energia e transporte. No entanto, esses investimentos suscitam preocupações por seu impacto ambiental, falta de transparência nos acordos e influência que possam ter sobre as decisões soberanas das nações democráticas.

O CDB, estreitamente vinculado ao Partido Comunista Chinês (PCC), é um dos principais instrumentos financeiros de Pequim para expandir sua influência global. Sua carteira de empréstimos inclui projetos de infraestrutura, energia, transporte e desenvolvimento urbano, tanto dentro quanto fora da estrutura da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI).

Juntamente com o Banco de Exportação e Importação (CHEXIM) e outros bancos estatais chineses, o CDB canaliza recursos públicos para megaprojetos internacionais. Esses investimentos são complementados por capital privado e estatal de empresas chinesas, que operam no exterior com o apoio do PCC, fortalecendo sua presença em várias regiões, de acordo com um relatório do think tank Instituto das Américas, dos EUA.

Na América Latina e no Caribe, os investimentos chineses financiaram projetos de grande escala, desde a exploração de petróleo e gás até a geração de energia e exploração de minas, ligadas à transição energética. Entre 2019 e 2023, a região recebeu uma média de US$ 1,3 bilhão por ano do CDB e do CHEXIM, de acordo com a plataforma de jornalismo investigativo Dialogue Earth.

Orientação política

“Os bancos e instituições financeiras chinesas operam sob a orientação política do Partido Comunista Chinês”, disse à Diálogo Sergio Cesarin, coordenador do Centro de Estudos sobre Ásia-Pacífico e Índia, da Universidade Nacional de Tres de Febrero, na Argentina. “Embora se apresentem como instituições de crédito e investimento, suas ações respondem às diretrizes do Estado.”

Cesarin enfatizou que, por meio de empréstimos, financiamentos e até mesmo pacotes de cooperação técnica, esses grandes bancos (como o CDB) atuam como instrumentos de política externa projetados para promover os interesses estratégicos da China no mundo. “Nesse sentido, eles são os principais credores da China na arena internacional e do plano de orientação da BRI.”

Segundo Cesarin, o CDB é um dos principais bancos chineses com operações na América Latina, juntamente com o Banco Industrial e Comercial da China, o maior do mundo. “Eles fazem parte de uma arquitetura estatal de financiamento estrangeiro, que responde a objetivos geopolíticos e econômicos, além da lógica bancária comercial tradicional.”

Incumprimento e controvérsias

A pegada do CDB pode ser vista em projetos como o Complexo Hidrelétrico Santa Cruz, na Argentina; o aeroporto internacional El Dorado, na Colômbia; a mina de minério de ferro Shougang, no Peru; a mina de cobre Mirador, no Equador; e a mina de ouro Las Cristinas, na Venezuela, de acordo com o relatório Banco de Desenvolvimento da China: financiamento, governança e desafios socioambientais para a América Latina e o Caribe, da ONG equatoriana Latinoamérica Sustentable (LAS).

O mesmo relatório alerta sobre deficiências na governança do CDB na região. De acordo com LAS, em muitos dos projetos financiados não se aplicam padrões consistentes de avaliação ambiental e social, nem existem mecanismos institucionais dentro do banco, para lidar com reclamações ou estabelecer comunicações com localidades afetadas.

Um dos casos mais controversos é o complexo hidrelétrico na província argentina de Santa Cruz, cujo projeto, liderado pela empresa chinesa Gezhouba, está sendo criticado por seu impacto negativo sobre a geleira Perito Moreno, declarada Patrimônio Natural da Humanidade. Em 2023, a obra foi suspensa, devido à falta de financiamento informou a mídia argentina Infobae.

Outros projetos financiados pelo CDB tampouco foram concluídos. Na Venezuela, a linha ferroviária Tinaco-Anaco e a fábrica de processamento de arroz da PDVSA Agrícola, no estado de Delta Amacuro, ficaram inacabadas, segundo LAS. De acordo com o mesmo relatório, Venezuela, Equador e Brasil concentram 85 por cento do portfólio de crédito do banco chinês na América Latina.

No Peru, o CDB está financiando a construção da Central Hidrelétrica San Gabán III um projeto que, após atrasos, espera-se que entre em operação em 2026, de acordo com o jornal peruano Gestión. Na Colômbia, a autoestrada Mar 2, financiada pelo CDB e executada por China Harbour Engineering Company, causou deslizamentos de terra e sepultou pequenas comunidades de Dabeiba, afetando mais de 300 famílias, relatou a plataforma alemã DW.

Condições e dependência econômica

De acordo com o Instituto das Américas, os acordos de financiamento do CDB costumam incluir condições que privilegiam o uso exclusivo de insumos, tecnologia e pessoal chineses. Essas práticas geram tensões com os setores locais e levantam questões sobre o nível de autonomia com que os países receptores podem tomar decisões estratégicas, ao aceitar esse tipo de financiamento.

“Na América Latina, há uma crença persistente de que a China fornece financiamento sem exigir concessões”, declarou Cesarin. “No entanto, essa percepção é equivocada. Por trás do discurso de ‘lucro certo’, costumam estabelecer condições que implicam a cessão de controle sobre recursos estratégicos, ou participação majoritária no pacote acionário de projetos-chave, ou exclusividade.”

Federico Rabino, especialista em relações internacionais e geopolíticas e diretor do Instituto Fernando de la Mora, no Paraguai, explicou à Diálogo os riscos da dependência econômica decorrente dos empréstimos chineses. Segundo Rabino, “quando a China concede financiamento por meio de seus bancos estatais, não é efetuada uma análise exaustiva do risco nem da capacidade de pagamento dos países”.

Para Rabino, o que realmente interessa à China é o posicionamento desses empréstimos, “que acaba colocando os países em uma armadilha de dívidas”. Esse endividamento limita a capacidade de negociação das nações, deixando-as em desvantagem para discutir condições favoráveis no futuro.

“Ao negociar com instituições financeiras ou empresas chinesas, em última instância, está negociando com o Partido Comunista Chinês. Isso limita a capacidade de retaliação dos países, pois não se trata de um ator privado”, concluiu Cesarin. “A grande assimetria nas negociações coloca os países em desvantagem em relação às exigências chinesas, um aspecto fundamental que deve ser ponderado nas decisões de caráter soberano.”

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