Num país onde o número das cabeças de gado é quatro vezes maior do que o de habitantes, são exatamente as vacas que estão no centro de um dos maiores escândalos recentes da história da economia local. Mas não por culpa delas, até porque, aparentemente, nunca existiram.
No Uruguai, o episódio das “vacas fantasmas”, que veio a público na última semana, gerou uma investigação policial que já envolve três empresas, mais de seis mil investidores e um prejuízo de cerca de 308 milhões de euros.
De acordo com uma reportagem publicada pela agência Reuters, a crise foi desencadeada com o suicídio de Gustavo Basso, sócio-proprietário de uma das empresas envolvidas no caso, a Conexión Ganadera, em novembro de 2024. Segundo a agência, a empresa que era gerida por Basso, é conhecida por atrair pequenos e médios investidores no ramo do gado, sendo das que mais cresceram neste século.
A promessa da Ganadera era de que, posteriormente, o gado seria criado e vendido com lucro por empresas do setor, com retornos fixos em dólares para quem tivesse investido. Esta oferta, no entanto, nunca se traduziu numa realidade.
Sandra Palleiro é uma das investidoras apresentadas pela reportagem. A uruguaia afirma ter investido cerca de 50 mil dólares (44 mil euros) em títulos de gado na Conexión Ganadera. Palleiro conta ter sido atraída pela empresa em março de 2024, quando lhe prometeram retornos fixos de 7% a 10%, um investimento que nunca voltou para as suas mãos.
“Juntaram 60 vacas para uma foto, com mais três pessoas, gente pobre”, disse à reportagem, relembrando o anúncio de quando fechou o negócio.
“É horrível, desolador. Eu achava que vivia num país, onde, sim, algumas pessoas eram desonestas, mas que na maioria das vezes era um país sério. E acabei vendo que não, que os sérios são de fachada”, complementou Palleiro, que foi até Artigas, no norte do país, clamar pelas 61 cabeças de gado que, no papel, lhe pertencem.
A investigação uruguaia realizada até ao momento estima que a Conexión Ganadera detenha de 70 mil a 80 mil animais. A empresa, no entanto, alegava administrar mais de 800 mil cabeças de bovinos. Pouco depois da morte de Gustavo Passo, os investidores começaram a reclamar dos atrasos nos pagamentos e, em janeiro deste ano, a empresa já admitia estar com um buraco financeiro de aproximadamente 250 milhões de dólares.
Além da Conexión Ganadera, outras duas empresas estão sob investigação, a República Ganadera e o Grupo Larrarte, que tem um dos seus executivos, Jairo Larrarte, preso desde abril. Já a República Ganadera tentou entrar com um processo de insolvência em novembro, mas teve o pedido negado pela Justiça devido à investigação.
Pablo Carrasco, Ana Iewdiukow e a viúva de Basso, Daniela Cabral, sócios da Conexión Ganadera, estão a ser investigados por fraude e desvio de fundos e tiveram os respetivos passaportes apreendidos, estando impossibilitados de deixar o país.
As vítimas do esquema questionam como é que aquilo que está a ser tratado como um dos maiores escândalos da História recente do país passou desapercebido por tanto tempo. De acordo com a Reuters, o Ministério da Pecuária, responsável pelo registo nacional do gado, recusou-se a falar com a reportagem.
O Uruguai tem uma população de 3,4 milhões de habitantes e mais de 12 milhões de cabeças de gado.
Uma reportagem publicada em março deste ano no Diário de Notícias, que vale a pena destacar, conta a história de dois uruguaios que encontraram, justamente em Portugal, uma missão de vida na conservação de animais de raça nacional.
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