Fruto de grandes acordos políticos —como o que uniu peronistas e radicais na Argentina—, de um racha entre aliados no Equador ou sendo o estopim de uma crise na Bolívia, o instrumento da reeleição sofreu diversas modificações nas últimas décadas, com a volta da democracia na maior parte da América do Sul.
Atualmente, quatro países, incluindo o Brasil, permitem que o presidente emende um novo mandato logo após o fim do primeiro, mas impede mais de dois consecutivos; outros três liberam a volta ao cargo somente depois de transcorrido um novo governo; em dois, a reeleição é totalmente proibida; e, em um deles, ela não só é permitida como não tem limite —mas a idoneidade das eleições em si é questionada.
O que parece aproximar os vizinhos do continente é que a mudança das regras está sempre em debate, assim como ocorre agora no Brasil.
No último dia 21, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado aprovou proposta de emenda à Constituição que acaba com a reeleição e unifica futuramente as disputas em intervalos de cinco anos. A proposta, que ainda precisaria passar pelo plenário e pela Câmara, sofre resistência nas duas Casas do Congresso Nacional, o que torna sua aprovação final incerta.
A possibilidade de reeleição foi aprovada no Brasil em 1997, durante o governo FHC (PSDB), em meio a escândalo de compra de votos para a aprovação da emenda constitucional, em caso revelado pela Folha.
Na Argentina, o instrumento que permitiu que o presidente se apresente novamente nas urnas após cumprir seu mandato é fruto do chamado Pacto de Olivos, o acordo firmado entre dois adversários históricos: os radicais, representados pelo primeiro mandatário após a volta da democracia, Raúl Alfonsín, e os peronistas, com o então ocupante da Casa Rosada, Carlos Menem.
Desde a reforma da Constituição de 1994, o mandato deixou de ser de seis anos, e o presidente pode ser reeleito imediatamente para um novo período de quatro anos. Menem, que na época desfrutava da popularidade que a paridade entre o dólar e o peso argentino dava ao seu governo, foi o primeiro político do país a ser beneficiado pelo sistema.
Os bolivianos podem reconduzir o chefe de governo por mais um mandato consecutivo de cinco anos. Tentar estender seu tempo no poder levou a uma crise que acabou com a renúncia do ex-presidente Evo Morales. Ele assumiu em 2006 e, no ano seguinte, convocou uma Assembleia Constituinte para criar uma nova Carta, que permitia apenas uma reeleição consecutiva.
A Justiça entendeu que essa regra se aplicava a eleitos após a nova Constituição. Assim, Morales foi eleito novamente em 2009 e pôde se reeleger em 2014, completando três mandatos consecutivos. Em 2017, o Tribunal Constitucional do país considerou a reeleição “um direito humano” e ele se candidatou a um quarto mandato, em 2019, mas teve de renunciar logo em seguida.
Em 2009, o chavismo conseguiu passar um referendo que modificaria a história recente do país, aprovando uma emenda constitucional que acabou com o limite de reeleição para cargos públicos na Venezuela.
Com isso, Hugo Chávez pôde disputar um terceiro mandato em 2012. Sua morte em 2013 inauguraria a chegada de Nicolás Maduro ao poder. Maduro acaba de iniciar, em janeiro deste ano, seu terceiro mandato, após ser declarado vencedor em um processo eleitoral com claras evidências de fraude.
A população do Equador escolheu abolir o sistema de reeleição por tempo indeterminado, deixando para trás a era de Rafael Correa.
O retorno sem limite do presidente ao cargo havia sido aprovado no governo Correa, em 2015, para valer seis anos depois, não o beneficiando em um primeiro momento.
Três anos depois, Lenin Moreno, filho do correísmo que rompeu com o padrinho político, convocou um referendo para mudar a regra. Atualmente é possível governar por quatro anos e, em seguida, por mais quatro.
Chile, Peru e Uruguai têm um curioso tipo de reeleição. Suas constituições estabelecem que um presidente não pode voltar a ser mandatário imediatamente após o fim do período para o qual foi eleito. Entretanto, pode esperar que um novo mandato se complete e se candidatar novamente. É a chamada reeleição não consecutiva.
Após a volta à democracia, tanto o líder chilena Michelle Bachelet (2006-2010 e 2014-2018) quanto o direitista Sebastián Piñera (2010-2014 e 2018-2022) tiveram um segundo período à frente do Palácio de la Moneda. No Uruguai, isso também aconteceu com o médico esquerdista Tabaré Vázquez, que foi o 39º (2005-2010) e o 41º (2015-2020) presidente da República Oriental.
Em 2015, o Congresso da Colômbia eliminou a possibilidade de reeleição presidencial da Constituição do país. O instrumento havia sido criado em 2004 para beneficiar o então presidente Álvaro Uribe e permitiu que ele governasse por dois períodos de quatro anos (2002-2010).
Os colombianos foram mais longe nas restrições: a volta da reeleição só pode ocorrer por meio de um referendo ou de uma Assembleia Constituinte e não pode ser eleito presidente quem tiver ocupado cargos no topo do poder, como procurador-geral e comandante das Forças Armadas.
O mesmo impedimento está presente na Carta Magna do Paraguai, onde não há reeleição e os presidentes se alternam em mandatos de cinco anos. No entanto, o Partido Colorado domina o Executivo e só não esteve na Presidência nas últimas décadas durante o mandato de Fernando Lugo e Federico Franco (2008-2013).
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