Diálogo entre mercado de tecnologia e universidades está falhando, avaliam especialistas

As carências educacionais são velhas conhecidas da realidade brasileira. Nos últimos anos, as estatísticas mostram avanço, na força de trabalho, da parcela dos grupos com maior instrução, mas os números mais positivos escondem uma fatia de quase 20% sem ensino fundamental completo e questões sobre qualidade e adequação da formação.

As transformações tecnológicas recentes, especialmente no campo da inteligência artificial (IA), renovam a preocupação com o tema, diante da quantidade e complexidade de conhecimento exigido, apontam especialistas que participaram do Caminhos do Brasil sobre O futuro do mercado de trabalho, realizado na última terça-feira, no Rio de Janeiro.

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— A transformação da educação é fundamental para o novo mundo do trabalho. Iniciativas individuais de empresas não são suficientes. É preciso um trabalho colaborativo de governo, empresa e setor de educação — afirma o diretor executivo da Schneider Electric América do Sul, Rafael Segrera.

As dificuldades na educação não se restringem a uma ou outra etapa do ensino e aparecem nos ensinos fundamental e médio; nos cursos técnicos e profissionalizantes; nos cursos universitários de graduação, e também no ensino profissional. As transformações tecnológicas, dizem especialistas, aumentam a importância da requalificação (reskilling) e do aprimoramento (upskilling).

— Há um grande percentual de jovens que está no quinto ou sexto anos e não sabe fazer uma operação de subtração, multiplicação ou adição. No fim do dia, estamos criando o que se chama de analfabetos digitais. Há várias etapas do conhecimento básico que são necessárias para desenvolver alguns skills (habilidades) necessários hoje — diz o presidente da Qualcomm na América Latina, Luiz Tonisi.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, mostram que a parcela de pessoas com ensino superior completo na força de trabalho subiu de 13,5% no primeiro trimestre de 2012 para 23,9% em igual período de 2025.

Já a fatia de quem tinha ensino médio completo foi de 30,5% para 38,7%, em igual base de comparação. De outro lado, a proporção de pessoas sem instrução ou com ensino fundamental incompleto caiu de 32,7% para 18%.

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O avanço no grau de instrução da força de trabalho, no entanto, não acabou com o descompasso entre o que é ensinado e o que é a demanda do setor produtivo, descrito como um “divórcio” pelo diretor geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), Marcelo Viana. Ele alerta para as consequências dessa distância entre perfil dos profissionais e a necessidade das empresas:

— Quatro cursos de graduação reúnem 27% dos alunos matriculados. E nenhum desses cursos foi citado aqui. É um diálogo de surdos, com o mercado buscando profissionais com um perfil e a universidade formando profissionais com taxa de empregabilidade baixíssima.

Para contornar o problema, defende Viana, as empresas devem participar da formatação dos cursos para profissionais de tecnologia e de outras áreas. Este conceito está na origem do Impa Tech, curso de graduação em Matemática da Tecnologia e Inovação.

‘O software precisa do hardware’

Segrera destaca a demanda por conhecimento em tecnologia em diferentes ocupações nos setores de indústria e de serviços. Para ele, é preciso atrair as novas gerações para vagas necessárias, mas que hoje têm menos apelo. O executivo cita o exemplo de uma indústria francesa que produz um componente usado em motores elétricos.

— Imagina a importância dessa fábrica. Mas os jovens não querem trabalhar na parte mecânica, querem estar em empregos mais sexy, no setor financeiro, no digital. Todo mundo quer ser chefe, mas não precisamos só de chefes. O software precisa do hardware, e a eletricidade precisa do hardware também.

Uma habilidade fundamental para os profissionais atuais é saber lidar com as diferentes formas de IA, seja como assistente em determinadas tarefas ou como sistemas autônomos, aponta o vice-presidente da IBM Consulting América Latina, Carlos Augusto Lopes.

— Não faz sentido colocar IA e pessoas para fazer a mesma atividade, é um erro — diz.

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Os assistentes podem ser “superespecialistas” em determinados assuntos, segundo ele, e seu uso permite um trabalho mais assertivo, que aumente a inteligência das pessoas. Isso ocorre principalmente, avalia, com profissionais em estágio inicial de aprendizado, o que permite uma maturidade mais cedo.

Nos agentes autônomos de IA, Lopes defende um acompanhamento constante para garantir o melhor resultado:

— (O profissional) passa a executar menos e monitorar mais.

Caminhos do Brasil é uma iniciativa dos jornais O GLOBO e Valor Econômico e da rádio CBN, e conta com patrocínio do Sistema Comércio, através da CNC, do Sesc, do Senac e de suas federações.

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