Os idosos e as crianças são sempre os principais focos de políticas públicas de saúde. E não é para menos, afinal, do ponto de vista fisiológico, eles são mesmo os mais sensíveis aos microrganismos e às mudanças ambientais. Isso não quer dizer, no entanto, que outras populações etárias não merecem atenção. De acordo com um estudo publicado nesta terça-feira, 20, os adolescentes estão entre os grupos mais vulneráveis aos impactos do estilo de vida.
O levantamento foi publicado no periódico científico The Lancet e aponta que, nas últimas décadas, os ganhos para a população entre 10 e 24 anos foram dúbios. Enquanto tabagismo e alcoolismo diminuíram, uma conquista a ser celebrada, a obesidade e a saúde mental pioraram drasticamente – e isso deve se agravar até 2030, com o peso crescente da crise climática e da transição digital.
“A saúde e o bem-estar dos adolescentes em todo o mundo estão em um ponto crítico”, disse a copresidenta da comissão que redigiu o documento, Sarah Baird, em comunicado. De acordo com ela, além dos maiores investimentos, “o engajamento e o ativismo dos adolescentes devem ser centrais para criar as mudanças sociais e comunitárias necessárias para construir uma sociedade mais justa e um planeta mais saudável, com mais oportunidades para todos.”
Os dados realmente preocupam. Se a tendência se mantiver, em meia década mais de 1,1 bilhão de adolescentes estarão vivendo em países assolados por problemas de saúde preveníveis como sexo desprotegido, gravidêz precoce, HIV, depressão e má nutrição .
Para lidar com essa questão, a África é destacada no documento com um foco especial. Isso acontece porque, hoje, cerca de um quarto dos adolescentes do mundo vivem no continente, mas até o fim do século metade dos jovens de 10 a 24 anos serão africanos – o que significa que ações nesses países são essenciais para melhorar os indicadores.
Qual o impacto do estilo de vida na adolescência saudável?
Os principais problemas que atingem essa população estão relacionados à dificuldades socioeconômicas, em especial àquelas que levam a um estilo de vida desregrado. De acordo com o documento, a obesidade é o principal deles e teve aumento em todas as regiões, com um crescimento de mais de oito vezes em regiões como África e Ásia.
Isso também tem sido observado por aqui. “Esse cenário é urgente. Os cálculos apontam que cerca de 30% dos adolescentes brasileiros têm sobrepeso e 15% têm obesidade”, diz Margaret Boguszewski, diretora do Departamento de Endocrinologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
Isso, de acordo com ela, está relacionado ao tempo de tela elevado, visto que essa é a primeira geração nativa digital, ao tempo insuficiente de atividades físicas e à má nutrição – não apenas com falta de alimentos saudáveis, mas também com um alto consumo de ultraprocessados, ricos em calorias e pobres em nutrientes.
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Esse aspecto, além de levar à obesidade, também se reflete em outros problemas destacados pelo documento – até 2030, estima-se que um terço das meninas adolescentes terão anemia, condição que prejudica o crescimento e o desenvolvimento cognitivo e, em casos extremos, leva a danos nos órgãos.
Sonir Roberto Antonini, endocrinologista pediátrico da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e da SBEM, destaca ainda que o sobrepeso e a obesidade, problemas que atingirão cerca de 464 milhões de adolescentes em 2030, pode causar outras doenças, inclusive crônicas, como síndrome da apneia obstrutiva do sono, hipertensão, diabetes, problemas cardiovasculares e ortopédicos.
Isso é grave porque esses problemas todos geram consequências a longo prazo que, não apenas afetam o bem-estar durante toda a vida, como oneram os sistemas de saúde e reduzem a capacidade produtiva.
Quão grave está a saúde mental entre os adolescentes?
O documento também aponta a saúde mental como um problema emergente, potencializado durante a pandemia da Covid-19. As projeções apontam que apenas em 2030, se nada for feito, cerca de 42 milhões de vidas serão perdidas por meio de disturbios mentais e suicídio entre adolescentes, um número 2 milhões maior do que o registrado em 2015.
“Os jovens estão cada vez mais confusos e desamparados para suportar a angústia e o não saber dos processos de amadurecimento”, disse a psicóloga de família e professora da Universidade Federal da Bahia, Manuela Moura.
Hoje, um número crescente de questões podem afetar esse aspecto da saúde. De acordo com o documento, além dos problemas convencionais enfrentados pelos jovens, desastres associados às mudanças climáticas como furacões e insegurança alimentar podem gerar transtornos que agravam o sofrimento mental, como estresse pós-traumático, ansiedade e depressão.
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A transição digital também é um fator importante. “São diversos os conflitos que os jovens enfrentam na vida e que aparecem na clínica”, afirma Moura. “Com as redes sociais, a figura de admiração que antes era representada por pais ou professores, agora está nos influenciadores. Eles têm acesso fácil a uma vida que não é a deles e muitas vezes nem é uma vida real. Isso tem afetado muito a autoestima.”
O documento aponta para a necessidade de melhor investigação dos mecanismos envolvidos nessa relação entre saúde mental e uso de mídias sociais, mas apontam para a necessidade de medidas equilibradas que potencializam os benefícios dessas tecnologias e mitiguem os prejuízos – em especial com a emergência da Inteligência Artificial Generativa, afeita a exacerbar os efeitos já observados até agora.
Qual a solução?
Melhorar esse cenário é um desafio, em especial se considerados as maneiras desiguais com que eles afetam regiões diferentes do mundo. Apesar disso, o documento destaca algumas medidas importantes:
Com base nas informações fornecidas nos fontes, as principais soluções e medidas apontadas para melhorar a saúde e bem-estar dos adolescentes, destacadas em tópicos brevíssimos, incluem:
- Aumentar o investimento financeiro para a saúde e bem-estar dos adolescentes
- Garantir o engajamento dos jovens na tomada de decisões;
- Implementar ações multissetoriais que envolvam saúde, educação, e entes privado;
- Adotar legislação e políticas protetoras baseadas em evidências, tanto online, quanto offline;
- Limitar o impacto negativo dos algoritmos online;
- Promover o uso saudável das mídias sociais e espaços online;
- Integrar e fortalecer a saúde mental em escolas, comunidades e cidades;
- Proteger adolescentes contra violência e encarceramento;
- Empreender ações de emergência contra a crise planetária;
- Fortalecer sistemas de saúde às necessidades dos adolescentes;
- Utilizar a tecnologia digital como amplificadora para comunicação de saúde e acesso a serviços;
- Estabelecer metas claras, indicadores aprimorados e mecanismos de responsabilidade para acompanhar o progresso;
- Investir em educação e desenvolvimento de habilidades para oportunidades futuras.
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