Em meio à densa floresta amazônica, a França avança com um projeto polêmico que promete transformar a dinâmica carcerária de seu território ultramarino. Anunciada em maio de 2025, a construção de uma prisão de segurança máxima na Guiana Francesa, no município de Saint-Laurent-du-Maroni, tem como meta isolar traficantes de drogas e condenados por radicalismo islâmico. O empreendimento, orçado em € 400 milhões, equivalente a cerca de R$ 2,5 bilhões, está previsto para ser inaugurado em 2028, mas já enfrenta forte resistência de moradores e autoridades locais. A decisão reacende memórias de um passado colonial, quando a região serviu como colônia penal.
O projeto, inicialmente concebido em 2017, visava aliviar a superlotação da prisão de Rémire-Montjoly, próxima à capital Caiena. No entanto, a inclusão de uma ala de segurança máxima para abrigar criminosos de alta periculosidade vindos da França continental mudou o escopo original, gerando críticas. A localização estratégica de Saint-Laurent-du-Maroni, próxima às fronteiras com Suriname e Brasil, é apontada como fator determinante para a escolha do local. A Guiana Francesa, conhecida por sua alta taxa de criminalidade, registrou 20,6 homicídios por 100 mil habitantes em 2023, quase 14 vezes a média nacional francesa.
A proposta do governo francês inclui medidas rigorosas inspiradas no regime antimáfia italiano, com o objetivo de cortar laços entre chefes do crime organizado e suas redes externas. O ministro da Justiça, Gérald Darmanin, destacou a necessidade de isolar permanentemente os líderes do narcotráfico. A seguir, alguns pontos centrais do projeto:
- Capacidade total para 500 detentos, com uma ala exclusiva de 60 vagas para alta segurança.
- 15 vagas reservadas para condenados por radicalismo islâmico.
- Investimento de € 400 milhões, com inauguração prevista para 2028.
- Localização em área isolada da selva amazônica, em Saint-Laurent-du-Maroni.
Reações locais à decisão francesa
A notícia pegou a população da Guiana Francesa de surpresa, especialmente porque o plano foi detalhado pela imprensa nacional francesa, sem consulta prévia às autoridades locais. Jean-Paul Fereira, presidente interino da Coletividade Territorial da Guiana Francesa, expressou indignação em uma nota publicada nas redes sociais. Ele argumentou que o acordo de 2017 previa apenas a construção de uma prisão para aliviar a superlotação local, sem menção a uma ala de segurança máxima. A ausência de diálogo com representantes regionais foi classificada como desrespeitosa.
O deputado franco-guianense Jean-Victor Castor foi ainda mais contundente em suas críticas. Em uma carta enviada ao primeiro-ministro francês, ele pediu a suspensão imediata do projeto, chamando-o de provocação política e retrocesso colonial. Castor destacou que a Guiana Francesa não deve se tornar um depósito de criminosos vindos da metrópole. A memória histórica da região, marcada pela infame colônia penal da Ilha do Diabo, intensifica a rejeição local. A Ilha do Diabo, que operou entre 1852 e 1954, abrigou cerca de 70 mil prisioneiros, incluindo figuras como o capitão Alfred Dreyfus, condenado injustamente por traição.
A resistência não se limita aos representantes políticos. Moradores de Saint-Laurent-du-Maroni organizaram protestos nas ruas, temendo que a chegada de detentos de alta periculosidade piore a segurança local. A Guiana Francesa já enfrenta desafios significativos, com uma taxa de homicídios que a coloca como o território francês mais violento proporcionalmente à população. A proximidade com rotas de tráfico de drogas, especialmente vindas do Brasil e do Suriname, torna a região um ponto estratégico, mas também vulnerável.
Histórico carcerário da Guiana Francesa
Saint-Laurent-du-Maroni carrega um peso histórico que amplifica as tensões atuais. No século XIX, a cidade foi o principal ponto de entrada para a colônia penal da Guiana Francesa, que incluía a temida Ilha do Diabo. O Campo Penal de Saint-Laurent-du-Maroni, desativado na década de 1950, tornou-se símbolo de um passado colonial opressivo. O local foi retratado no best-seller “Papillon”, de Henri Charrière, que narra as duras condições enfrentadas pelos prisioneiros. A obra, adaptada para o cinema em 1973 e 2017, mantém viva a memória das práticas punitivas francesas na região.
Durante seu funcionamento, a colônia penal abrigou prisioneiros políticos, espiões e criminosos comuns, muitos submetidos a trabalhos forçados. A Ilha do Diabo, em particular, era reservada para os detentos mais perigosos ou dissidentes, como Alfred Dreyfus, cuja prisão gerou um dos maiores escândalos judiciais da história francesa. A reativação de Saint-Laurent-du-Maroni como destino para criminosos de alta periculosidade é vista por muitos como uma volta ao passado colonial, mesmo que o governo francês negue intenções de deportação semelhantes às do século XIX.
O sistema carcerário atual da Guiana Francesa enfrenta problemas crônicos. A prisão de Rémire-Montjoly, projetada para 600 detentos, abriga mais de 1.100, com uma densidade de ocupação de 134,7%, segundo dados do Ministério da Justiça francês. A superlotação, aliada ao aumento do crime organizado, levou o governo a planejar a nova unidade. No entanto, a decisão de incluir uma ala de segurança máxima para presos da França continental mudou a percepção local sobre o projeto, que inicialmente era visto como uma solução para questões regionais.
Medidas de segurança do novo presídio
O regime da nova prisão será um dos mais rigorosos já implementados pela França, inspirado nas leis antimáfia italianas. A ala de segurança máxima, com 60 vagas, terá vigilância eletrônica 24 horas, buscas constantes e visitas extremamente limitadas. O objetivo é garantir que os detentos, especialmente os líderes do narcotráfico, não mantenham contato com suas redes criminosas. O Ministério da Justiça francês divulgou imagens em 3D do projeto, que mostram um complexo moderno equipado com tecnologia de ponta.
Entre as medidas de segurança planejadas, destacam-se:
- Bloqueadores de sinal de celulares para impedir comunicações externas.
- Uso de drones para monitoramento aéreo do perímetro.
- Isolamento rigoroso, com celas individuais e controle estrito de movimentação.
- Vigilância contínua por câmeras e sensores eletrônicos.
- Protocolos antimáfia, incluindo restrições severas a correspondências e interações.
A localização na selva amazônica foi escolhida estrategicamente para dificultar fugas e reduzir a influência externa sobre os detentos. Gérald Darmanin, ministro da Justiça, afirmou que o isolamento geográfico é essencial para “incapacitar os traficantes mais perigosos”. A proximidade com as fronteiras do Brasil e do Suriname, no entanto, levanta preocupações sobre a logística de transporte de detentos e a segurança do entorno.
Motivações estratégicas da França
A escolha da Guiana Francesa para abrigar a prisão reflete preocupações crescentes com o crime organizado na França continental. Nos últimos anos, o sistema prisional francês enfrentou uma escalada de violência, incluindo ataques a penitenciárias e funcionários. Em Toulon, a prisão de La Farlède foi alvo de disparos, enquanto veículos foram incendiados próximo a outros centros de detenção. Gérald Darmanin classificou esses episódios como “incidentes terroristas”, atribuindo-os a gangues que se autoproclamam defensoras dos direitos dos prisioneiros.
A Guiana Francesa, por sua vez, é considerada uma encruzilhada estratégica para o tráfico de drogas, especialmente cocaína, que chega à Europa através de rotas partindo do Brasil e do Suriname. Saint-Laurent-du-Maroni, localizada na fronteira com o Suriname, é um ponto frequente de embarque de “mulas” que transportam drogas para o aeroporto de Orly, em Paris. Dados da polícia francesa indicam que a região registrou um aumento de 30% nas apreensões de cocaína entre 2020 e 2023. A nova prisão visa não apenas isolar os líderes dessas redes, mas também deter criminosos no início da cadeia de fornecimento.
Além da prisão, o governo francês anunciou medidas complementares para combater o crime organizado. Essas incluem:
- Criação de um braço específico do Ministério Público para crimes organizados.
- Ampliação dos poderes de investigadores, com acesso a escutas e dados financeiros.
- Proteção especial para informantes que colaborem com as autoridades.
- Construção de outras prisões de segurança máxima com regras rígidas de comunicação.
Críticas ao projeto
A oposição ao presídio não se limita às questões históricas ou à falta de consulta. Autoridades locais temem que a presença de detentos de alta periculosidade agrave os problemas de segurança na Guiana Francesa. A taxa de criminalidade na região, que inclui assaltos, tráfico e homicídios, já é significativamente superior à média francesa. Moradores de Saint-Laurent-du-Maroni expressaram preocupação com o impacto do presídio em suas comunidades, especialmente em áreas próximas ao complexo.
Jean-Paul Fereira destacou que, embora a Guiana Francesa precise de medidas para conter o crime organizado, a região não deve ser transformada em um depósito de criminosos da metrópole. Ele lembrou que o acordo de 2017 tinha como único objetivo melhorar as condições do sistema carcerário local, que enfrenta superlotação e infraestrutura precária. A inclusão de uma ala de segurança máxima, segundo Fereira, desrespeita a população local e ignora as demandas por investimentos em segurança pública e desenvolvimento econômico.
O deputado Jean-Victor Castor reforçou as críticas, apontando que a decisão reflete uma mentalidade colonial. Ele argumentou que a Guiana Francesa, como território ultramarino, tem direito a ser consultada sobre projetos que afetam sua população. A falta de diálogo com os 51 parlamentares da Coletividade Territorial foi vista como um sinal de desrespeito. Castor também pediu que o governo francês reconsiderasse a localização do presídio, sugerindo que outras regiões da França continental poderiam abrigar a unidade.
Aspectos técnicos do projeto
O presídio de Saint-Laurent-du-Maroni será construído em um terreno de dezenas de hectares, cercado pela floresta amazônica. As imagens em 3D divulgadas pelo Ministério da Justiça mostram um complexo com design moderno, dividido em alas para diferentes níveis de segurança. A ala de segurança máxima, com 60 vagas, será equipada com celas individuais reforçadas e sistemas de monitoramento avançados. O restante da unidade, com capacidade para 440 detentos, atenderá presos locais e regionais, mantendo o objetivo original de aliviar a superlotação em Rémire-Montjoly.
A construção enfrentará desafios logísticos devido à localização remota. O transporte de materiais e trabalhadores para a selva amazônica demandará planejamento detalhado, especialmente considerando as chuvas intensas e a infraestrutura limitada da região. O governo francês contratou empresas especializadas em projetos de grande escala, mas ainda não divulgou um cronograma detalhado das obras. A inauguração, prevista para 2028, dependerá da conclusão de etapas como terraplanagem, fundação e instalação de sistemas de segurança.
O orçamento de € 400 milhões cobre não apenas a construção, mas também a aquisição de tecnologias como bloqueadores de sinal e drones. O Ministério da Justiça francês afirmou que o investimento reflete a prioridade do governo em combater o narcotráfico e o radicalismo islâmico. No entanto, críticos questionam se os recursos poderiam ser melhor aplicados em programas de prevenção ao crime ou no fortalecimento da segurança pública na Guiana Francesa.
Repercussão internacional
O anúncio da prisão gerou debates além das fronteiras da Guiana Francesa. Países vizinhos, como Brasil e Suriname, acompanham o projeto com atenção, devido à proximidade geográfica e ao impacto potencial no tráfico de drogas. Autoridades brasileiras expressaram preocupação com a possibilidade de o presídio atrair maior atenção de redes criminosas para a região amazônica, que já enfrenta desafios com o narcotráfico e crimes ambientais. O governo do Suriname, por sua vez, solicitou esclarecimentos à França sobre as medidas de segurança para evitar fugas ou incidentes na fronteira.
Organizações de direitos humanos também se manifestaram. Grupos como a Anistia Internacional questionaram o regime de isolamento rigoroso planejado para a ala de segurança máxima, argumentando que ele pode violar padrões internacionais de tratamento de prisioneiros. A inspiração nas leis antimáfia italianas, embora eficaz contra o crime organizado, é vista por alguns como excessivamente punitiva, especialmente para detentos condenados por radicalismo islâmico. Essas organizações pediram que o governo francês garanta condições humanas e supervisão independente do presídio.
A imprensa internacional, incluindo veículos como a BBC e a AFP, destacou o simbolismo histórico do projeto. A escolha de Saint-Laurent-du-Maroni, com seu passado ligado à Ilha do Diabo, foi comparada a uma tentativa de “modernizar” práticas coloniais. Artigos publicados em maio de 2025 enfatizaram a tensão entre as metas de segurança do governo francês e as demandas por respeito à autonomia da Guiana Francesa.
Papel da Guiana Francesa no tráfico de drogas
A Guiana Francesa ocupa uma posição estratégica no tráfico internacional de drogas, especialmente cocaína. Sua localização na costa nordeste da América do Sul facilita o transporte de entorpecentes para a Europa, com Paris como principal destino. A polícia francesa intensificou operações em Saint-Laurent-du-Maroni, onde apreensões de cocaína aumentaram significativamente nos últimos anos. Passageiros que tentam embarcar no aeroporto de Caiena com drogas escondidas na bagagem ou no corpo são uma preocupação constante.
Os desafios locais incluem:
- Proximidade com Brasil e Suriname, fontes de grandes quantidades de cocaína.
- Infraestrutura limitada para patrulhamento de fronteiras.
- Alta taxa de criminalidade, com 20,6 homicídios por 100 mil habitantes em 2023.
- Crescimento de gangues locais que colaboram com redes internacionais.
- Falta de recursos para programas de prevenção ao crime.
O governo francês espera que a nova prisão contribua para desmantelar essas redes, isolando os líderes e interrompendo a comunicação com suas organizações. No entanto, especialistas apontam que o combate ao tráfico exige medidas além do encarceramento, como investimentos em educação, emprego e segurança pública na região.
Memória da Ilha do Diabo
A referência à Ilha do Diabo permeia o debate sobre o novo presídio. A colônia penal, que operou por um século, tornou-se símbolo de injustiça e sofrimento. Prisioneiros como Alfred Dreyfus e Henri Charrière, autor de “Papillon”, enfrentaram condições desumanas, incluindo isolamento, fome e doenças. A Ilha do Diabo, localizada na costa da Guiana Francesa, era reservada para os casos mais extremos, enquanto Saint-Laurent-du-Maroni servia como ponto de triagem e trabalho forçado.
O legado da colônia penal ainda influencia a identidade cultural da Guiana Francesa. Museus e memoriais em Saint-Laurent-du-Maroni preservam a história dos prisioneiros, atraindo turistas e pesquisadores. A decisão de construir um presídio de segurança máxima na mesma região é vista como uma afronta a esse passado, especialmente por aqueles que lutam para superar o estigma colonial. Autoridades locais temem que o projeto reforce a imagem da Guiana Francesa como um “depósito” de criminosos, em vez de um território com potencial para desenvolvimento econômico e social.

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