O retrato do turismo em Portugal

O turismo é, cada vez mais, um setor altamente estratégico e de elevado peso na economia portuguesa. Como vemos no gráfico, a trajetória tem sido ascendente e é evidente a recuperação do setor no período pós-pandémico.

Em 2023, registaram-se máximos históricos. O consumo turístico, que inclui as despesas em turismo feitas por estrangeiros mas também portugueses, atingiu então 43,7 mil milhões de euros. Isto corresponde a 16,5% do PIB português.

Mas há outros indicadores que corroboram a importância crescente do setor – por exemplo, o valor acrescentado bruto (VAB). Este indicador corresponde ao valor criado pelo setor do turismo, depois de subtraído o valor dos bens e serviços que são utilizados na atividade. Em 2022, o VAB, que tem estado em franco crescimento nos últimos anos, foi de 21 mil milhões de euros, isto é, 9,1% do total do VAB nacional.

É importante mencionar que, tanto num como noutro indicador, o setor tem apresentado taxas de crescimento superiores ao total nacional. Isto quer dizer que o turismo apresenta um maior dinamismo face a outras atividades da nossa economia e tem sido uma alavanca de crescimento.

É indiscutível a importância do turismo para a economia. Neste aspeto, Portugal é um caso à parte dos restantes países da União Europeia?

É, sem dúvida, um dos países da UE que mais depende do turismo. Acima de Portugal, só a Croácia e a Espanha. A Comissão Europeia estima que o contributo do turismo para o PIB português tenha sido, em 2023, de 9,5%, bastante acima da média da UE que se situou nos 5,1%.

A verdade é que o desempenho positivo do setor tem fortalecido a visibilidade internacional do país e, com isso, atraído não apenas turistas, mas também potenciais investidores.

Por outro lado, há riscos de dependência económica excessiva do turismo. Neste momento, o nosso país é vulnerável a fatores externos – desde crises globais, como foi o caso da pandemia covid-19, a flutuações na procura turística, decorrentes da situação sócio-económica dos países dos quais são originários aqueles que nos procuram.

Além disso, se o turismo dinamiza a economia, também coloca pressão sobre as infraestruturas (serviços públicos, estradas e aeroportos) e os recursos dos países. Portugal não é exceção e tem de ter em conta estas fragilidades. Por estes motivos, é importante diversificar a economia portuguesa.

O que explica o sucesso de Portugal, enquanto destino turístico, num cenário internacional tão competitivo?

O sol, a gastronomia e a hospitalidade

São várias as razões que catapultaram Portugal no plano internacional, tornando-o um destino turístico de excelência e referência, especialmente a partir de 2015.

Desde logo, o clima ameno, o sol e as paisagens naturais. A gastronomia singular e a hospitalidade dos portugueses são também fatores muito valorizados por quem nos visita.

Por outro lado, Portugal é um país seguro, como nos dizem todos os rankings internacionais. Estamos, atualmente, em sétimo lugar no Global Peace Index – esta segurança é muito convidativa.

Preços baixos e políticas de atração

Além disso, conseguimos oferecer excelentes serviços turísticos a preços muito razoáveis e competitivos. Com algumas consequências negativas.

As políticas públicas de atração de estrangeiros, sejam turistas ou residentes não habituais, também contribuíram para destacar o nosso país face aos competidores.

Por último, foi empreendida uma estratégia de promoção de Portugal nos mercados internacionais, que permitiu evidenciar tudo aquilo que referi agora mesmo, e que já existia, mas não era notado. Esta estratégia rendeu a Portugal amplo reconhecimento internacional – contabilizam-se 120 prémios entre 2017 e 2023.

Por todas estas razões, chegam muitos, cada vez mais, turistas ao nosso país. Quantos são, de onde vêm e como é que estes números têm evoluído?

Em 2023, Portugal recebeu 18,2 milhões de turistas, e estamos a falar apenas dos estrangeiros. Isto significa um aumento de 19% face a 2022 e de 11% face ao registado em 2019. Quer dizer que não só recuperámos como ultrapassámos os valores pré-pandemia.

De onde chegam os turistas

Destes não residentes, quase 10 milhões vêm de países da União Europeia, em particular de Espanha, França e Alemanha. Um grande número vem também do Reino Unido (ex-UE). Fora do continente europeu, destaca-se a América do Norte, em especial os Estados Unidos, com mais de dois milhões de visitantes, em 2023.

O saldo da balança turística não só é positivo, como é dos mais elevados da Europa – atrás apenas de Espanha e de Itália. O que é que isto significa? Que as despesas que os turistas estrangeiros fazem no nosso país são muito superiores à que os turistas portugueses fazem lá fora. Concretamente, em 2024, este saldo foi superior a 20 mil milhões de euros.

Chegam muitos turistas, mas concentram-se em determinadas zonas. As receitas turísticas vêm essencialmente de quatro regiões.

Há quatro zonas que se destacam: Algarve, Lisboa, Madeira e Porto. Cerca de 70% das dormidas ocorrem nestas zonas, como podemos ver no mapa.

São zonas com maior acessibilidade aérea, rodoviária e mais infraestruturas – de hotéis a hospitais. Por esse motivo, estes quatro destinos concentram a maior parte das receitas e enfrentam sobrecarga turística. Isto quer dizer que o custo de vida para as populações tem aumentado, mas também que há uma progressiva descaracterização cultural e ambiental dos lugares.

Já todos sentimos que algumas ruas das principais cidades portuguesas começam a ficar demasiado semelhantes entre si, com lojas em tudo idênticas e cenários indistinguíveis.

Pelo contrário, o interior do país continua, em grande medida, por explorar. Estas zonas enfrentam desafios de desenvolvimento e atratividade turística, apresentando valores inferiores tanto ao nível da procura como da oferta, excetuando a modalidade de alojamento de Turismo em Espaço Rural.

As áreas do interior representam apenas 16% das dormidas totais, o que demonstra o fraco desempenho do turismo nestas zonas, destacando-se, não obstante, algumas áreas estratégicas como o Douro e Alqueva.

O que é que resulta do subaproveitamento do potencial turístico do interior? Menos emprego, menos desenvolvimento local e menos atenção às características únicas da nossa cultura.

Os empregos do turismo

O turismo tem sido fundamental na criação de emprego em Portugal. De que tipo de emprego estamos a falar?

Em 2023, havia cerca de 425 mil pessoas dedicadas às diferentes atividades do setor do turismo, como o alojamento e a restauração. Estas pessoas representam cerca de 8% do total da população empregada.

Como vemos no gráfico, os salários médios no setor estão abaixo do total da economia – 1075 euros contra 1658 euros.

Apesar de alguns avanços nos últimos anos, no indicador do salário médio continuamos cerca de 40% abaixo da média europeia para o setor – dados de 2023. Esta realidade dificulta muito a retenção de talento que, sendo um problema nacional, é neste setor particularmente evidente.

As causas são múltiplas.

Desde logo, a sazonalidade. Sendo uma característica intrínseca do turismo, agrava a instabilidade laboral, fazendo com que haja muita rotatividade de pessoas e muito trabalho a tempo parcial, o chamado part-time. Além disso, as condições contratuais dominantes — trabalho por conta de outrem, contratos temporários e jornadas de trabalho extensas — reforçam a desvalorização da força de trabalho.

Desigualdade de género persiste

Em Portugal, o setor tem procurado diferenciar-se por via dos preços baixos, o que se reflete, naturalmente, nas condições salariais praticadas.

E há que ver que este é um setor bastante feminizado, um dos mais feminizados da economia nacional, aliás.

Ainda assim, a desigualdade de género persiste. Enquanto as mulheres desempenham maioritariamente funções de base, como empregadas de limpeza, rececionistas e assistentes de cozinha, os homens assumem a maioria dos cargos técnicos e de direção.

Atualmente, estima-se que 70% dos contratos temporários no turismo estejam estabelecidos com mulheres. Por tudo isto, neste setor, as mulheres recebem 15% menos do que os homens, uma disparidade 4 pontos percentuais acima da discrepância nacional (e que abordámos na primeira temporada do programa).

Baixos salários estão normalmente associados a baixas qualificações. Como é que estamos neste aspeto?

Embora se tenha registado uma evolução positiva nos últimos anos, o setor turístico português caracteriza-se por uma força de trabalho com baixos níveis de escolaridade. Em 2024, apenas 55% dos trabalhadores possuíam o ensino secundário ou superior, abaixo do total da economia, 66%. Estamos aquém do necessário, sobretudo na comparação com os outros países da UE.

Há aqui um dado muito importante: apesar de termos atualmente 119 cursos no país, entre ensino superior e profissional, apenas ¼ dos trabalhadores do setor tinham formação específica em turismo, em 2023.

Naturalmente, este défice de qualificações reflete-se na produtividade do setor, na qualidade dos serviços e na capacidade de inovar, limitando o seu potencial competitivo em mercados globais exigentes.

A qualificação contínua dos trabalhadores é essencial para aumentar a produtividade e a inovação no setor, permitindo que Portugal se afirme como um destino competitivo e sustentável.

O impacto do turismo no setor do imobiliário

Na última década, as transformações no setor do turismo foram profundas. A profusão do alojamento local mudou o setor, mas também as cidades. Quais têm sido os impactos no setor imobiliário?

Recentemente, não só o setor cresceu, como também mudou muito. O surgimento e sucesso das plataformas de alojamento local, como a Airbnb, é um marco incontornável.

Este fenómeno teve vantagens como a requalificação de zonas centrais das cidades que se encontravam muito degradadas.

Mas há desafios.

Segundo dados do INE, entre 2015 e 2023, o número de registos de alojamento local em Portugal cresceu 300%, com destaque para os centros históricos de Lisboa e Porto. Hoje, são mais de 120 mil estabelecimentos em todo o país, representando 42% do total de dormidas.

Ao mesmo tempo, entre 2015 e 2023, os preços de venda e arrendamento em zonas turísticas aumentaram mais de 50%, criando desafios no acesso à habitação e mudanças na demografia das cidades. Hoje, há bairros históricos, em Alfama, na Graça, ou na Ribeira do Porto, profundamente alterados como resposta à procura turística.

Por isso mesmo, e à semelhança de outras cidades europeias, estão a ser aplicadas medidas, nomeadamente áreas de contenção ao alojamento local.

Lisboa foi a primeira cidade a fazê-lo. Em 2019, zonas de contenção para novos registos de alojamento local, limitando a conversão de imóveis residenciais em turísticos.

Há neste momento freguesias onde há contenção absoluta – os casos em que o AL corresponde a mais de 5% do total de habitações – e outras onde ainda é possível registar novos alojamentos até esse limite percentual.

Mais tarde, o Porto seguiu uma abordagem semelhante, impondo limites ao alojamento local nas áreas mais turísticas, como a Baixa e a Ribeira.

O turismo e a tecnologia

O turismo tem sido fundamental na criação de emprego em Portugal. No entanto, algumas profissões ligadas ao setor, como os empregados de mesa, podem estar ameaçadas pela digitalização. O setor tem sido capaz de se modernizar?

Sim, mas mais devagar do que o resto da economia, como vemos no gráfico. A digitalização no setor do turismo apresenta um elevado potencial para melhorar a experiência do visitante e aumentar a eficiência das empresas. Trata-se de ir ao local onde as pessoas estão e falar a sua linguagem.

Contudo, Portugal ainda enfrenta um gap digital significativo, bastante acima da média da UE, onde 6 em cada 10 empresas turísticas utilizam tecnologias avançadas.

De acordo com o inquérito do INE à utilização de TIC nas empresas, que, em 2020, inquiriu empresas com 10 ou mais trabalhadores, o setor está, em média, aquém dos outros setores de atividade.

Porquê?

Enquanto grandes grupos investem em tecnologia disruptiva, 70% das empresas deste setor são PMEs, não possuindo, por isso, recursos suficientes para investir em tecnologia. Curiosamente, a pandemia obrigou as empresas a focarem-se na sua sobrevivência financeira e não permitiu grandes transformações tecnológicas na forma como operam.

Assim, adia-se a inteligência artificial e a realidade virtual que pode atrair visitantes, e permanecem soluções mais simples, que incluem as reservas online e a análise básica de dados de interação digital. Essas soluções procuram atrair e fidelizar clientes, mas não promovem a transformação digital mais profunda indispensável aos ganhos de eficiência.

Pouco investimento em formação tecnológica

As empresas também pouco investem na formação tecnológica dos seus profissionais – menos de 10% o fazem.

Além disso, em áreas rurais ou menos desenvolvidas turisticamente, a infraestrutura tecnológica, como a ligação à internet de alta velocidade, ainda é frequentemente inadequada, o que compromete a digitalização das empresas locais.

Há outro grande desafio para o país e para o turismo: as alterações climáticas. Como é que um país conhecido pelo seu clima, praias e paisagens, pode enfrentar esta nova realidade?

Alterações climáticas e as razões para alarme

As alterações climáticas trazem o aumento das temperaturas, a subida do nível do mar e os fenómenos climáticos extremos, como as ondas de calor. Na realidade, já estão a comprometer a atratividade turística de Portugal, especialmente nos destinos de praia e natureza. À escassez de água, junta-se o problema da erosão costeira.

Há razões para alarme. Entre 1958 e 2023, Portugal continental já perdeu 13,5 km2 de território costeiro. No futuro, 45% do litoral baixo e arenoso de Portugal continental (cerca de 415 km de comprimento de um total de 987 km) apresenta tendência erosiva. Estamos perante um fenómeno difícil de contornar: a redução das praias e da sua qualidade.

É urgente implementar mecanismos de adaptação às alterações climáticas, como a alimentação artificial das praias, para preservarmos a nossa costa.

Temos ainda de considerar a alteração dos padrões de sazonalidade, com maior procura turística em épocas intermédias (em meses como abril, maio ou outubro) e menor em períodos de muito calor, seca e ventos fortes.

Finalmente, precisamos de encarar seriamente um futuro deslocamento de turistas para outros destinos europeus com climas mais amenos e menos afetados pelas alterações climáticas.

Por todas estas razões, Portugal deve pôr em prática um modelo de turismo sustentável que não comprometa os recursos naturais, a vida das populações locais e, em última análise, a viabilidade do próprio setor num futuro que não já é longínquo.

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