A Federação Internacional de Vôlei (FIVB) deu passo importante para diminuir a desigualdade de gênero no âmbito de treinadores das seleções adultas. Determinou que a partir da Liga das Nações de 2026, todas as seleções femininas adultas tenham pelo menos uma treinadora listada na comissão técnica — a mesma regra vale para a base. Ou seja, José Roberto Guimarães terá de escolher uma parceira para trabalhar a seu lado já no ciclo Los Angeles-2028.
— Temos de preparar essas mulheres para o futuro. Em todas as comissões técnicas das nossas categorias de base temos pelo menos uma mulher assistente. Começa assim, como eu comecei, como assistente — comenta o treinador e coordenador de seleções femininas do Brasil.
Zé Roberto não descarta ter Fofão, campeã olímpica em Pequim-2028, a seu lado. Em outubro, a ex-levantadora deixou o comando da seleção feminina sub-17, após um ano e oito meses como treinadora principal, a conquista da medalha de prata no Sul-Americano e o quinto lugar no Campeonato Mundial. Foi a pioneira da modalidade, a primeira mulher a assumir o comando de uma seleção de vôlei.
— Ela achou que a carga é muito grande em termos de renúncia da família, da casa, dos amigos. Quem sabe como assistente? A gente não pode de maneira nenhuma dar por encerrada esta história — afirma Zé Roberto, para quem há poucas treinadoras do adulto em âmbito internacional, mas que essa virada “é uma questão de tempo”.
E para isso acontecer tem sido necessárias iniciativas que pressionem toda uma engrenagem. Segundo a FIVB, a porcentagem de treinadoras no Campeonato Mundial Feminino de 2022 foi de 9%.
— Tive o privilégio de treinar homens e mulheres, vi que algumas das mentes mais brilhantes e taticamente astutas do vôlei são das mulheres. Não podemos nos dar ao luxo de perdê-las quando suas carreiras terminarem — declarou Hugh McCutcheon, secretário-geral da FIVB, ex-treinador das seleções feminina e masculina dos Estados Unidos.
A realidade para estas profissionais ainda é muito desfavorável, mas vem mudando. Em Paris-2024, que foi a Olimpíada da equidade de gênero para atletas, com 50% das vagas para homens e 50% para as mulheres, apenas 13% dos treinadores e assistentes eram mulheres. Essa porcentagem global foi de 11% em Tóquio-2020.
No caso do Brasil, em Tóquio-2020 o Time Brasil teve 6,7% de treinadoras. Foram sete dentre 105 treinadores, com destaque para a seleção feminina de futebol de Pia Sundhage. Além dela, tinha duas assistentes. Quase a metade do total do país.
Para Paris-2024, o crescimento foi tímido: 11 mulheres entre 84 treinadores (13%). Nesse caso, a ginástica bombou a estatística. Levou cinco treinadoras, quase a metade: três na ginástica rítmica, uma na artística e outra no trampolim.
— As mudanças são lentas e é possível que a gente não veja o 50% entre treinadores. Mas, este é um processo contínuo e temos de seguir — declara Thatiana Freire, autora da tese de doutorado “Treinadoras em Alto Rendimento; Mulheres em jogo, Mulheres nos Jogos“, pela Unicamp. — As camadas organizacionais e da sociedade são mais complexas mesmo, mas geram efeitos potentes. Iniciativas como a da FIVB reverberam. Mas todo o sistema tem de se movimentar.
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Segundo Thatiana, gerente de Esporte da Confederação de Esportes de Neve, o objetivo do estudo era fazer um levantamento de quem são as treinadoras brasileiras no alto rendimento ou em rota para o alto desenvolvimento, reconhecer suas barreiras e suportes no desenvolvimento profissional e exemplificar possíveis ações.
O estudo foi feito em parceria com o Comitê Olímpico do Brasil (COB), com cerca de 300 treinadoras — a maioria profissionais do vôlei.
Entre os resultados, constatou-se que capacidade não falta às mulheres. Exatamente para derrubar barreiras, elas são muito bem preparadas: 89% possuem curso de graduação, 67% delas têm pós-graduação. Além disso, 62% realizaram cursos de federações, confederações e do COB; e 53% atuaram de forma voluntária em comissões técnicas.
Entre os fatores que dificultam a entrada na carreira, 48% destacaram o preconceito de gênero e 43% falta de perspectiva. Treinadoras pretas ou pardas e não heterossexuais sentem mais essas barreiras se comparado com as treinadoras brancas.
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— A barreira maior é ser mulher. Elas não têm reconhecimento social como líderes — aponta Larissa Galatti, orientadora de Thatiana, que é a favor de ações como a do vôlei. — Os programas de cota não são para proteger um grupo. É justamente o contrário. São para olharmos para um grupo que não olhávamos e que tem potencial e competência. Possivelmente 100% de homens e mulheres que estiveram nos Jogos Olímpicos tiveram um treinador ao longo de sua trajetória. E possivelmente a maioria nunca teve uma treinadora.
Em uma segunda fase desta parceria entre COB e Unicamp, realizou-se o MIRA, Programa de Mentoria de Treinadoras. De acordo com Taciana Pinto, gerente da área Mulher no Esporte do COB, este programa acompanhou no detalhe 10 treinadoras de seleções nacionais de base ou adulta.
Elas passaram por processo de oito meses, com encontros virtuais e presenciais, em grupo e individuais com os mentores, e com estratégias de desenvolvimento individualizado. Algumas acompanharam seleções em competições internacionais ou fizeram imersões em clubes.
— É projeto profissional, baseado em evidências das próprias treinadoras. Não é achismo. Tanto que o COI (Comitê Olímpico Internacional) reconheceu o programa como de boa prática de equidade de gênero e diversidade — lembrou Larissa. — O problema é complexo e histórico. É preciso um conjunto de ações para atingi-lo. Programas como o MIRA buscam dar essas oportunidades a partir de um processo de suporte e aprendizagem.
Entre as beneficiadas, Maria Portela que assumiu a seleção juvenil cadete de judô. E Gabrielle Moraes, que hoje é assistente técnica de Camila Ferezin na seleção principal de ginástica rítmica. Ambas estavam em transição de carreira.
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— Quero que ela seja melhor do que eu — diz Camila, eleita e melhor técnica em 2023 pelo COB. — A GR é um esporte essencialmente feminino. Nossa comissão técnica tem cerca de 90% de mulheres. Essa foi uma opção minha porque acho que as mulheres entendem melhor as mulheres. Somos 22 atletas concentradas em Aracaju. E a gente vê nos pequenos detalhes que isso fez diferença.
No caso do judô, modalidade modelo no naipe feminino, além de Portela, Sarah Menezes e Andrea Berti são treinadoras do feminino sênior, e Erika Miranda treina o feminino júnior. As seleções treinam em conjunto e também com os atletas do masculino.
— O meu esporte é privilegiado neste aspecto. Desde que entrei na seleção tive exemplo. A Rosicleia Campos foi nossa treinadora (pioneira na modalidade). Além dela, a comissão técnica era recheada de profissionais do feminino. — disse Sarah Menezes. — Portela tem muito potencial e trará benefícios para a nova geração.
Taciana revela que em breve o COB realizará a segunda edição do MIRA. Disse que ainda no primeiro semestre a entidade abrirá processo seletivo com as confederações — na primeira edição, o COB fez um levantamento e selecionou as dez treinadoras. Agora as confederações poderão indicar e o COB selecionará 18: dez terão a estratégia de mentoria individualizado e oito, trabalhos em grupo.
Este novo formato “será um teste”, uma maneira de baratear os custos e dar oportunidades a mais treinadoras.
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Taciana lembra ainda que a partir deste ano, as confederações olímpicas precisarão nomear 30% de mulheres em suas comissões técnicas para jogos internacionais. Os Jogos Pan-americanos Junior, em agosto, serão a estreia desta iniciativa. No ano que vem, a regra se manterá para os Sul-Americanos adulto.
— Vamos entender como vai funcionar esses 30%, o que vai representar, para depois pensar nos Jogos Pan-americanos adulto e Jogos Olímpicos — explica Taciana, que acredita no escalonamento deste tipo de ação para que se tenha mulheres com experiência internacional. — Muitas treinadoras participavam dos treinamentos, mas na hora da viagem internacional, na hora H, não iam.
Taciana comenta quais confederações tem mostrado interesse em desenvolver projetos de incentivo às mulheres em vários níveis: judô, surfe, vela, ginástica rítmica, tênis de mesa, rugby e desportos na neve. São projetos complexos, com atletas, treinadoras, arbitras e gestoras.
— Há diferenças de envolvimento e maturidade, claro. Faz parte do processo crescer e incorporar novas ações. O importante é que já se entendeu que não há mais volta.
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