“Como é que eu vou pensar no que quero fazer daqui a dez anos se nem sequer consigo comprar comida para amanhã?”, referindo-se às famílias que vivem ao dia, sem capacidade de armazenar ou conservar alimentos. Mais do que uma constatação, trata-se de uma mudança na sua perceção de desenvolvimento, centrando-se na urgência do presente e na escuta ativa das necessidades reais das comunidades que acompanha. A mudança de contexto obrigou-a a rever a sua própria noção de privilégio. Ana cresceu em bairros periféricos, em Portugal e no Reino Unido, frequentou escolas públicas, nunca se considerou favorecida.
Mas foi na Guiné que ouviu de um colega: “Tu és a privilegiada aqui”. A frase foi um choque e um ponto de viragem, que resolveu transformar em ação. O seu trabalho tem foco na criação de condições para que as comunidades se apropriem dos projetos de desenvolvimento. “Quero que as comunidades digam: isto é nosso.” Para isso, defende que as iniciativas devem partir da escuta ativa e da co-criação, evitando a lógica do assistencialismo. “Acho que às vezes falta muito isso: apropriação. Venham nos ajudar, quando devia ser: vamos nos ajudar.”
Sublinha que, muitas vezes, os projetos falham não por falta de qualidade, mas por não serem verdadeiramente incorporados pelas comunidades. “Um projeto vem, é perfeito, bem desenhado, mas como as pessoas acham que não é delas, não se sentem responsáveis.” O trabalho que defende é, por isso, de base, relacional e com foco na sustentabilidade real.
Sem dar conta, o trabalho acabou por lhe trazer uma visibilidade que não procurava e em 2024 foi distinguida pela PowerList da BANTUMEN como uma das 100 Pessoas Negras Mais Influentes da Lusofonia. Assume que recebeu a distinção com surpresa. “Tudo o que eu faço, não faço por visibilidade”, assegura.Ainda assim, reconhece o valor simbólico e estratégico de marcar presença em certos espaços – mesmo que, por vezes, não se sinta merecedora. “Quando estou numa sala, quero garantir que tudo o que eu aprendi possa ser transmitido.”
Não esconde, no entanto, as tensões internas que carrega e partilha com franqueza a vulnerabilidade provocada pela síndrome do impostor: “Às vezes estou em espaços e sinto que não sou merecedora. É uma batalha interna que tenho sempre.”
Essa sensação, contudo, acaba por funcionar como um motor. “Quando sinto que não sou merecedora, isso encoraja-me ainda mais a partilhar tudo aquilo que vocês não tiveram naquela sala.” É precisamente nesse limbo entre a dúvida e o compromisso que consolida o seu posicionamento: estar onde é preciso, mas com plena consciência crítica.
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