Há uma epidemia silenciosa no Brasil: picadas de escorpiões aumentaram 250% | Saúde

“Os escorpiões estão a assumir o controlo: a silenciosa e crescente crise de saúde pública no Brasil”: o título do artigo publicado esta quinta-feira na revista científica Frontiers in Public Health não deixa margem para dúvidas sobre o “aumento vertiginoso” e alarmante do número de picadas de escorpião no Brasil.

Entre 2014 e 2023 registou-se um aumento de 254,70% nos casos notificados no país, “saltando de 66.986 para 170.616 casos”, contabilizam as autoras principais Eliane Candiani Arantes, que chefia o Laboratório de Toxinas Animais da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, e Manuela Berto Pucca, que dirige o Laboratório de Imunologia e Toxinologia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual Paulista (UNESP).

No artigo, é deixado o alerta sobre “um aumento vertiginoso das picadas de escorpião que está a pressionar de forma intensa o sistema de saúde pública do Brasil”, indicando que a espécie Tityus serrulatus é a principal responsável pelos casos de picadas no país.

“A urbanização tem tornado os encontros com escorpiões cada vez mais comuns, em grande parte devido à acumulação de lixo e saneamento inadequado, que criam habitats favoráveis com recursos abundantes para esses aracnídeos”, justificam.

Mas os escorpiões têm outras condições a seu favor. A sua proliferação é facilitada pela partenogénese, um tipo de reprodução assexuada em que os embriões se desenvolvem directamente de um ovo, sem necessidade de fecundação, e que é observada na espécie Tityus serrulatus, composta exclusivamente por fêmeas. Por outro lado, estes escorpiões podem sobreviver por longos períodos – até 400 dias – sem alimento.



À esquerda, Eliane Candiani Arantes e, à direita, Manuela Berto Pucca, as duas autoras do artigo


Laboratório de Toxinas Animais, USP; Laboratório de Imunologia e Toxinologia, UNESP

Resultado? “Estes factores contribuem para o aumento da densidade populacional em áreas urbanas, aumentando significativamente o risco de picadas de escorpião”.

Esconderijos e calor húmido

O aumento do número de picadas do escorpião não é exclusivo do Brasil. Embora esta espécie não exista em Portugal, estamos perante “um problema global, que afecta várias regiões do mundo, incluindo a África do Norte-Saariana, a África do Sahel, a África do Sul, o Próximo e Médio Oriente, o Sul da Índia, o México e a América Latina”, escrevem as autoras. Nas Américas, o Brasil, o Paraguai, a Bolívia, o México, as Guianas e a Venezuela são os países mais afectados nas últimas décadas por este aumento “impulsionado por uma interacção complexa de factores ambientais, sociais e biológicos”.

Além dos esconderijos que encontram nas áreas urbanas desorganizadas e com infra-estruturas deficientes, como saneamento inadequado e gestão de resíduos inconsistente, “as alterações climáticas, marcadas por Verões mais quentes e períodos alternados de chuvas intensas e secas, facilitam ainda mais a proliferação de populações de escorpiões, já que essas criaturas são altamente adaptadas a ambientes quentes e húmidos”, refere o artigo. E acrescenta-se: no Brasil, o género Tityus tem importância médica, sendo as espécies T. serrulatus, T. bahiensis, T. stigmurus e T. obscurus capazes de causar envenenamento clinicamente significativo.

As cientistas alertam que as crianças e os idosos são especialmente vulneráveis a esta ameaça, “devido à sua capacidade reduzida de resistir aos efeitos rápidos e avassaladores do veneno”. “Dada a potência e a acção rápida do veneno, é fundamental uma assistência médica imediata, que requer frequentemente a administração de antiveneno e cuidados intensivos.”

Assim, concluem: “Este cocktail de veneno mortal, combinado com a adaptabilidade e a rápida taxa de reprodução da espécie, estabelece firmemente os escorpiões Tityus como uma grande preocupação de saúde pública no Brasil”.

Números e sobrecarga

Vamos a números. Segundo esta investigação, no Brasil foram notificados 1.171.846 casos entre 2014 e 2023. A região Sudeste foi a mais afectada durante esse período, com 580.013 casos (49,5%), seguida da região Nordeste, com 439.033 casos (37,5%).

“Ao longo do tempo, temos assistido a um aumento de casos anualmente, com uma diminuição entre 2020 e 2021 causada pela trajectória da pandemia de covid-19. Durante esse período, as medidas de isolamento, a sobrecarga hospitalar e o medo de contaminação das vítimas podem ter gerado baixas taxas de picadas de escorpião”, admitem.

Porém, após a pandemia, o número de casos novos aumentou de 136.795 e 130.665 casos em 2020 e 2021, respectivamente, para 152.384 em 2022, chegando a 170.616 casos em 2023.



(A) Dados históricos dos casos de picadas (2014-2023)
(B) Projectado (2024-2033) com base na análise de tendência. A linha preta representa o número total de casos, enquanto as linhas coloridas indicam as diferentes regiões brasileiras. A área sombreada indica o período projectado.


Pucca et al., 2025

As manifestações clínicas de uma picada são diversas. Os sintomas locais serão mais imediatos com dor, sensação de ardor, eritema, parestesia, inchaço e formigueiro. No entanto, há ainda manifestações sistémicas menores (agitação, cefaleias, náuseas, vómitos, sudação, palidez não saudável, salivação, sonolência/letargia, taquicardia, hipertensão, hipotermia, hipertermia, mioclonia, fasciculação, ataxia, distonia) e manifestações sistémicas major (hipotensão, arritmia ventricular, bradicardia, colapso cardiovascular, cianose, dispneia, edema pulmonar, paralisia), entre outros sintomas.

As projecções

E se esta invasão continuar a este ritmo, sem a conseguirmos travar? A equipa de investigação fez os cálculos. “Realizamos uma projecção utilizando o modelo de média móvel integrada auto-regressiva (ARIMA) que regula séries temporais com tendências, também conhecido como procedimento Box-Jenkins”, explicam no artigo, acrescentando que baseadas “em métricas de erro como a raiz quadrada da diferença média (RMSE), foi utilizada uma linha de tendência para projectar os próximos 10 anos com base em dados históricos e sua variação por região do Brasil”.

“Os dados obtidos indicam que, entre 2024 e 2033, poderão ocorrer aproximadamente 2.742.46 novos casos de picadas. Destes, 2.148.576 casos na região Sudeste, 1.828.36 na região Sul, 1.383.800 na região Nordeste, 158.573 na região Norte e 404.219 na região Centro-Oeste. No total, espera-se que ocorram 2.095.146 novos casos entre 2025 e 2033”, sublinha o artigo.

Uma epidemia sem controlo

Admitindo uma “vasta subnotificação” destes casos, a equipa acredita que “a verdadeira dimensão deste problema é provavelmente muito maior do que as estatísticas registadas sugerem”. “Os números oficiais pintam um quadro profundamente preocupante, mas a realidade é provavelmente muito pior”, escrevem, argumentando que sem dados exactos, as autoridades de saúde têm dificuldade em avaliar o peso real do problema e agir.

“As picadas de escorpião não são apenas um problema emergente de saúde pública são uma epidemia oculta que cresce sem controlo”, avisam, defendendo que é essencial uma acção imediata para evitar uma maior escalada.

Como? “O reforço das campanhas de sensibilização da população sobre os riscos dos escorpiões, as medidas preventivas e a importância da notificação dos casos é fundamental para a obtenção de dados mais precisos e para a implementação de estratégias de controlo eficazes. Sem uma intervenção decisiva, este problema continuará a sua trajectória ascendente, sobrecarregando ainda mais o sistema de saúde do Brasil e colocando a segurança pública em risco crescente”, concluem.

Crédito: Link de origem

- Advertisement -

Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado.