Lima, capital do Peru, não é um lugar só com bons restaurantes, avisa Pía de Léon, eleita a melhor chef do mundo em 2021 pelo ranking do World’s 50 Best Restaurants. Nem só um ponto de parada para quem vai a Machu Picchu ver os vestígios mais impressionantes da civilização inca.
- Oriente médio: Disney anuncia novo parque de diversões em Abu Dhabi
- Dólar ‘sob efeito Trump’: por que moeda americana cai frente ao real, mas euro não para de subir?
— Há muita arte, muitos museus — diz ela, numa ensolarada manhã do fim de outubro de 2024, algo raro no usualmente nebuloso clima da cidade, antes de uma aula aberta ao público no Peru Mucho Gusto, feira gastronômica cuja edição 2025 está marcada de 30 de outubro a 2 de novembro. — (O bairro de) Barranco, por exemplo, está lindo, muito cool.
Pía de Léon tem propriedade para falar deste distrito — no século XIX, opção de veraneio de abastadas famílias limenhas. É lá que está o Kjolle, considerado o 16º melhor restaurante do mundo em 2024. Ele existe há seis anos, desde que ela saiu da cozinha do Central, outra joia da coroa gastronômica do Peru também instalada no bairro.
Mas, como Pía mesmo avisou, Barranco é mais do que isso. As ruazinhas escondem charmosas galerias de artes, lojas e cafés, com destaque para Dédalo Arte y Artesanía e Café, no Paseo Saenz Peña. Menos discreto e numa avenida mais movimentada está o Museu Pedro de Osma, uma imponente casa de 1906 com paredes lotadas de arte dos séculos XVII e XVIII.
Perto dele, encontra-se um dos ícones da mitologia urbana de Lima: a Ponte dos Suspiros, imortalizada em canções da cantora Chabuca Granda, um dos nomes mais notórios do bairro e de toda Lima. É dela a composição “La flor de la canela”, que Caetano Veloso interpretou no disco “Qualquer coisa”, de 1975.
Um detalhe importante: todo esse passeio fica ainda mais bucólico se feito de bicicleta (@lima_bici é uma boa opção de aluguel). Do Malecón de Barranco — o calçadão construído à beira do penhasco, com vista para a imensidão do Pacífico — até o interior do bairro, o trânsito é mais calmo do que o das largas avenidas do agitado vizinho Miraflores.
É neste bairro — que também tem um longo Malecón preparado para passeios de bike e corridas — que estão os principais hotéis, shoppings centers e restaurantes estrelados da cidade. Dois exemplos: o Maido, o melhor da América Latina e o quinto do mundo (leia mais sobre ele no box abaixo), e o Mayta, em 46º lugar do ranking 2024 da World’s 50 Best Restaurants.
De novo, Lima não é só comida, também é história. A poucos quilômetros desses restaurantes está Huaca Pucllana, sítio arqueológico bem no meio de uma cidade habitada por dez milhões de pessoas. Tudo ali é conservado, o que deixa as construções ainda mais deslumbrantes, sobretudo à noite, quando as luzes se acendem e é possível jantar num restaurante de frente para as ruínas.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/3/K/t5VfYRSFWFPBYUBcbxVg/110942610-bv-lima-peru-huaca-pucllana-en-el-distrito-de-miraflores..jpg)
O local foi um centro de cerimônias erguido no apogeu da cultura lima, civilização pré-inca que dominou a região entre 450d.C e 650d.C. Depois, em 750d.C, começou a ser usado pelos Wari para sepultamento, algo feito também pela cultura Ychsma, entre 1100d.C e 1450d.C.
Se Huaca Pucllana impressiona, Pachacámac é ainda mais grandioso. A cerca de 30km de Miraflores, num trajeto que pode demorar pouco mais de uma hora, visto que o trânsito de Lima não é lá muito amigável, este santuário arqueológico é dedicado à divindade Pachacámac. Diferentes culturas, como lima, wari, ychma e, por fim, inca, fizeram peregrinações até aqui, entre 800d.C e 1400d.C. Além das ruínas, há um museu com artefatos e explicações sobre os muitos povos que antecederam os incas e compõem o vasto mapa de civilizações que ocuparam o território do Peru. Detalhe importante: aos domingos, é permitido andar de bicicleta pelo complexo de arqueológico.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/g/W/KXXynbTZyNeOfdn2CHlA/110942672-bv-lima-peru-complejo-arqueologico-de-pachacamac..jpg)
Uma população de oito mil leões marinhos toma conta desta ilha, a cerca de uma hora de barco de Callao, cidade na região metropolitana de Lima — onde, inclusive, fica o aeroporto internacional. Quem chega de barco (a empresa Eco Cruzeiro presta um bom serviço) pode nadar com os supersimpáticos e barulhentos “donos da casa”, sempre curiosos e brincalhões. Mas atenção: é proibido tocar neles. É de bom-tom, porém, deixar que eles venham brincar com o visitante.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/f/b/VJgN6ySfWsN5WXHDG8tQ/110942670-bv-lima-peru-lobos-marinos-en-las-islas-palomino..jpg)
No dia da visita à ilha de manhã, dá para conjugar com uma volta pelo Centro de Lima, um lugar que Pía de Léon também coloca em sua lista de passeios imperdíveis.
—Muita gente não planeja dar uma volta pelo Centro, mas, hoje em dia, está tranquilo, organizado — diz a chef.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/s/A/PVBDaWSP2oB0AA0vpDDw/110942586-bv-lima-peru-claustro-principal-del-convento-de-santo-domingo.-centro-da-cidade.jpg)
Casa de Aliaga, uma propriedade que pertence à mesma família há 17 gerações — presente de Francisco Pizarro, espanhol responsável pela colonização do território peruano —, é um passeio interessante para conhecer a fundação da cidade. De arquitetura moura, o convento de Santo Domingo, com um dos tetos mais valiosos da América Latina no salão principal, é um programa imperdível pela área. Vale terminá-lo com uma subida à torre do sino, de onde se tem uma vista geral do centro histórico e dos contrastes de uma cidade cheia de encantos.
COM A PALAVRA, OS MELHORES GUIAS
Mitsuharu Tsumura ‘Micha’, Chef do Maido
Maior expoente da cozinha nikkei, ou seja, fusão da gastronomia peruana com japonesa, o Maido foi eleito o quinto melhor do mundo e o primeiro da América Latina pelo mais recente ranking do World’s 50 Best. No fim de 2024, durante a feira Peru Mucho Gusto, o chef mais badalado do país conversou com o GLOBO.
O GLOBO: Como você define o cardápio do Maido?
Micha: Cheio de surpresas. Fazemos cozinha nikkei, mas agora também usamos técnicas do Japão, da China, da Coreia, claro, com produtos peruanos. Temos focado bastante na Região Amazônica e na costa norte do Peru, que é Arequipa, onde costumo comer a comida peruana tradicional. A nossa missão não é só comida, trabalhamos muito com harmonizações não-alcoólicas feitas com frutas, algo não usual.
Você se inspira na cozinha do Brasil?
Gosto muito da forma como vocês trabalham a tapioca. Adoro “dadinhos”, a textura é maravilhosa. Temos um prato agora que é, de certa forma, inspirado na feijoada.
Quais as dicas da cozinha tradicional do Peru?
Sempre falo do Fiesta, Astrid & Gastón e Mayta. Isolina é uma típica taverna peruana. Kjolle é uma opção mais criativa. Al Tok Pez é um lugar pequeno, nada chique.
Pía León, Chef do Kjolle
Com passagem pelo famoso Central e no comando de seu próprio espaço, o Kjolle, des- de 2018, Pía foi eleita a melhor chef do mundo em 2021.
O GLOBO: Como define o Kjolle?
É um restaurante onde não mostramos apenas comida. Quem vai lá encontra também arte e cultura, pessoas, todos os trabalhos com os quais colaboramos — cerâmica, talheres, papel. Tudo tem um sentido e um porquê.
São muitos restaurantes famosos aqui. Existe um sentimento de coletividade entre vocês?
É necessário. Com os anos, fomos aceitando que, para crescer, é necessário que to- dos tenham visibilidade. E é disso que trata a gastronomia: compartilhar, aprender, estar disponível para ensinar.
O que você come no seu dia a dia?
Gosto de comida criolla, ou seja, comida peruana tradicional, porque gosto da ideia de que meu filho cresça conhecendo isso. Então, comemos de tudo: de um lomo saltado até um pé de galinha, uma batata recheada. Tem muito peixe, muitas verduras.
Cite três pratos peruanos.
Ceviche é um clássico, de peixe ou mariscos. Gosto de pachamanca, que são tubérculos cozidos debaixo da terra, típico dos Andes. E rocoto relleno (pimenta tipo pimentão, recheada com carne e queijo). São meus favoritos.
*Talita Duvanel viajou a convite de Promperú
Crédito: Link de origem