Em primeiro lugar, quero agradecer ao João Paulo Rodrigues e ao Pedro Alves (que não conheço pessoalmente) as saudáveis gargalhadas que a sua criatividade me proporcionou e, em segundo lugar, pedir-lhe que não me exijam o pagamento de royalties por estar a usar neste meu texto a expressão “Curral de Moinas” por eles inventada – eu podia ter usado a palavra “Moinantes” em vez de “Moinas” e assim evitar correr esse risco, mas não seria bem a mesma coisa (e, para além disso, tenho a espectativa de que eles não se irão importar com este meu relativo abuso).
É que, efectivamente, no passado dia 1 de maio, o sentimento que me assaltou foi mesmo esse, qual seja: o de que o meu país se havia tornado uma imagem perfeita dessa ficcionada aldeia do norte do país inventada por aqueles dois extraordinários humoristas, e que estava repleto de gente igualzinha ao Quim Roscas e ao Zeca Estancionâncio.
A manipulação, o uso descarado de mentiras, a falta de pudor e vergonha, parecem não ter limites. Neste momento, vale tudo. Até faltar ao respeito a representações ideológicas da maior importância e relevância para a estruturação e consistência da organização social da Comunidade em que vivemos.
É certo que eu bem sei que a dessacralização dos símbolos culturais e institucionais não constitui uma inovação destes miseráveis tempos de quase total desregulação em que vivemos, sendo antes o fruto, por sinal bem amargo e venenoso, de uma corrente ideológica/filosófica que se desenvolveu nas décadas de 50 e 60 do século XX a que foi dado o nome de pós-modernismo, e que tem como princípio estruturante um total relativismo ético e moral, que, tendo surgido em momentos históricos anteriores (niilismo, irracionalismo nietzschiano, ideal libertário, por exemplo), se tornou, após a queda do Muro de Berlim e a implosão não apenas da URSS como de todo o Império Soviético, dominante como nunca antes foi.
E se, no passado, da difusão generalizada dessas correntes irracionalistas e relativistas resultaram consequências mais que trágicas para toda a Humanidade – entre as quais se destaca o surgimento do nazismo -, os perigos que todos corremos são ainda maiores.
E estão bem à vista de todos.
Desgraçadamente, alguma esquerda alinhou nessas teses – em concreto, o pensamento libertário está na génese dos vários anarquismos, incluindo o anarco-sindicalismo, antes de se tornar a base ideológica do anarco-capitalismo e do populismo que se arroga de ser “anti-Estado” e “anti-sistema” – e o pós-modernista pensiero debole, expressão italiana criada pelos filósofos Gianteresi (Gianni) Vattimo e Pier Aldo Rovatti, que pode ser traduzida por “pensamento débil” ou “pensamento fraco”, passou a gozar de enorme preferência e atenção popular.
Pela parte que me toca, continuo a ser, como sempre fui desde que ganhei consciência das questões filosóficas e políticas, um homem da idade moderna, que, sem esquecer que não existem verdades absolutas e não negando as ambiguidades e as contradições inerentes à natureza humana, continua a acreditar no primado da razão sobre o irracionalismo e na permanência e na consistência estruturante dos valores éticos e morais que constituem o sustentáculo filosófico/ideológico de conceitos tão importantes como a Democracia política e social (e noutros tempos também da Democracia económica) e do Estado de Direito (e noutros tempos também do Estado Social de Direito).
Efectivamente e como está historicamente comprovado, nada ou muito pouco (e seguramente nada de bom para a Comunidade) pode ser construído nas areias movediças dos niilismos, dos irracionalismos relativistas e das pulsões libertárias.
E é por tudo isto que não aceito a socialmente perigosa destruição (ainda que, na aparência, só tentada – mas até as tentativas falhadas têm consequências) do simbolismo ligado ao 25 de Abril – este com um carácter mais nacional – e ao 1º de Maio, que é o Dia Internacional do Trabalhador, sendo que é para mim fonte de enorme perplexidade e perturbação que essas propositadas e bem planeadas e organizadas tentativas não mereçam um alargado, intenso e ruidoso repúdio.
As consequências da contemporização/complacência com esses ataques aos fundamentos da Democracia e do Estado de Direto serão terrivelmente graves e desastrosas.
Aliás, já o estão a ser, como bem está demonstrado pela inegável e indesmentível perda generalizada da qualidade de vida da maioria da população do país.
E, pelas mesmíssimas razões, desprezo e não aceito o rebaixamento da dignidade e da imagem pública da figura institucional que o Primeiro-Ministro do Governo de Portugal representa.
E esta bem patente absoluta falta de respeito por esses Valores Éticos torna-se ainda mais aviltante e vergonhosa quando é certo e sabido que nenhum dos membros do governo actualmente em funções – mas mesmo nenhum mesmo – estaria a ocupar esse cargo se ainda vivêssemos no tempo do Estado Novo. E esta afirmação vale muito especialmente no que concerne às mulheres.
Em que estaria a pensar o primeiro-ministro quando se juntou a um artista, por muito famoso que ele seja, para cantar uma cançoneta de música popular?
E o mesmo valeria ainda que fosse um trecho de ópera ou uma qualquer outra canção de música erudita.
Se calhar tratou-se de mais um acto ditado por estratégias de marketing político populista, mas não é totalmente impossível configurar que o primeiro-ministro em funções nem sequer pensou no que estava a fazer – o que, porém, acaba por ser ainda mais triste e perigoso.
Contudo, essa actuação nada teve de inesperado, se atentarmos a tudo o que ocorreu a propósito da sociedade “Spinumviva”, incluindo a inqualificável tentativa de branqueamento da sua desastrosa actuação feita pelo primeiro-ministro em funções ao querer comparar a sua situação pessoal com a de Francisco Pinto Balsemão, por referência ao actualmente designado Grupo Impresa, e a Mário Soares, no que respeita ao Colégio Moderno.
Como se fosse possível comparar uma empresa prestadora de serviços de consultoria com um estabelecimento de ensino (a cuja gestão e direcção Mário Soares nunca esteve ligado) e uma empresa de comunicação.
O simples facto dessa desfaçatez ter sido concretizada, deveria, a meu ver, ser motivo de forte repulsa e enorme reprovação. Afinal, parece que não o está a ser.
O que me traz de volta à aldeia fictícia de Curral de Moinas e aos moinantes que lá vivem (nessa povoação, insisto).
Vamos ver o que irá acontecer em Portugal no próximo dia 18 de maio.
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A manipulação, o uso descarado de mentiras, a falta de pudor e vergonha, parecem não ter limites. Neste momento, vale tudo. Até faltar ao respeito a representações ideológicas da maior importância e relevância para a estruturação e consistência da organização social da Comunidade em que vivemos.
A ignorância é mesmo muito bruta – em todos os sentidos da palavra – mas, para mal de todos nós, rende. E, muito particularmente, rende votos, especialmente quando a ela se alia o medo (que tantas vezes é profundamente irracional).
Em boa verdade, a destituição do último Imperador do Ocidente acabou por acontecer naturalmente mercê de desentendimentos entre grupos de mercenários que já pululavam há cerca de um século no vasto território da zona ocidental de um Estado, dotado de uma formidável organização político-administrativa.
São realmente muitas as mentiras propositadamente disseminadas, de forma profissional e bem orquestrada, através da comunicação social e das ainda menos fiáveis, porque não reguladas, selvagens e globalmente nocivas e perigosas redes sociais.
Do que realmente os portugueses precisam é de muita transparência de procedimentos e de gente que comprove que é dotada de boa-fé, honestidade intelectual e lealdade e verticalidade moral e ética.
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