No Equador, armas fabricadas no Brasil e nos EUA elevam violência ao pior patamar da América do Sul

Como o Equador passou de o segundo país mais seguro da América do Sul em 2016 para o mais violento em 2024? O aumento de armas de fogo em circulação é imprescindível para encontrar a resposta. Seja no elo entre organizações criminosas da região ou na corrupção de instituições de segurança, elas inundam o país e atordoam aqueles que antes se sentiam numa ilha pacífica em meio a um continente violento.

O fenômeno está associado ao chamado crime organizado transnacional – em outras palavras, o narcotráfico, presente há cerca de 50 anos na América Latina e hoje estruturado em redes cada vez mais complexas e abrangentes. Na medida em que o Equador se tornou rota para exportação de cocaína para os Estados Unidos, seu território ganhou importância estratégica para o crime e deu origem a disputas sangrentas. Quanto maior o poder de fogo, maior as chances de domínio.

Assim como no restante da América Latina e do Caribe, o acesso das organizações criminosas a armas de fogo é facilitado pela abundância destas, que chegam à região através do tráfico entre EUA – o maior fabricante de armas do mundo – e México. Na América do Sul, entretanto, o Brasil também desempenha papel crucial por abrigar fabricantes de armas. Outro fator que diversifica a origem dos armamentos é a atividade de máfias europeias na região.

Imagem do dia 12 mostra fuzil de soldado equatoriano durante operação de segurança em Guayaquil, no Equador. Circulação de armas de fogo cresceu no país, em consonância com a violência Foto: Raul Arboleda/AFP

Em muitos casos, as armas são comercializadas diretamente entre as organizações. Segundo a analista Elizabeth Dickinson, do centro de estudos Crisis Group e autora de uma pesquisa sobre a violência na América Latina publicada em março, tem se tornado cada vez mais comum que os grupos mais poderosos, como os cartéis mexicanos, paguem os carregamentos de cocaína com armas. “Para nós, isso é uma parte fundamental para entender a violência na região”, declarou.

Outro modo para obter armas é o desvio do comércio legal para o ilegal, que inclui corrupção de forças de segurança ou uso de licenças para comprá-las e depois desviá-las. Nestes casos, as armas são dadas pelas instituições policiais como “perdidas” ou “roubadas”.

Apesar dessas modalidades serem parte da dinâmica criminosa em toda a região, o Equador tem duas circunstâncias históricas. A primeira em 2022, quando o então presidente Guillermo Lasso permitiu empresas de segurança privada e forças policiais de terem uma cota maior de armas; a segunda ocorreu no ano seguinte, quando Lasso reduziu os impostos sobre armas de 300% para 30% e autorizou o porte.

A justificativa para ambas as mudanças foi fortalecer a luta contra o crime organizado, mas o resultado foi o efeito contrário. Aliadas à opacidade das empresas de segurança privada, as mudanças facilitaram a obtenção de armas pelo crime. “A transferência (do mercado legal para o ilegal) se tornou muito comum, porque assim você não precisa de um trato com o Cartel de Sinaloa ou algo semelhante. Você pode importar diretamente, por uma empresa de fachada”, declarou a especialista equatoriana Carla Álvarez, pesquisadora associada da Iniciativa Global Contra o Crime Organizado.

A especialista acrescenta que o Equador não dispõe de informações públicas sobre as empresas autorizadas a comprar armas e seus proprietários, o que dificulta investigar o crime organizado. A situação se tornou ainda mais opaca depois de um decreto do presidente Daniel Noboa, no ano passado, que tornou secreta todas as compras públicas do setor de segurança e defesa.

“O principal instrumento da violência no Equador são as armas de fogo e são dispositivos que não são suficientemente estudados, não são suficientemente monitorados e não há políticas públicas de transparência para informar a situação destes dispositivos”, declarou Álvarez.

Rotas transnacionais, governos isolados

As deficiências investigativas citadas por Álvarez vão além da fronteira do Equador. Enquanto os grupos criminosos cooperam e estão conectados entre si – uma cooperação que as especialistas atribuem a décadas de política de guerra às drogas, que tornou os elos mais complexos -, ainda há uma dificuldade na cooperação regional.

De acordo com Dickinson, as cooperações existentes para tratar deste tema são bilaterais e se concentram em investigações específicas. “No entanto, o que realmente falta é coordenação e o compartilhamento de inteligência e confiança dentro da América Latina”, afirmou a analista do Crisis Group. “Em contraste a isso, os grupos criminosos estão muito bem conectados.”

Prova da conexão entre os grupos foi o assassinato a tiros do candidato presidencial Fernando Villavicencio, nas eleições equatorianas de 2023. Conforme indicam as investigações, a arma utilizada no crime, de origem russa, entrou no país depois de ser adquirida legalmente por uma empresa de segurança privada do Peru.

Não se trata de um caso isolado. Segundo investigações dos últimos anos, a fronteira entre os dois países se tornou a principal rota de entrada de armas no Equador, através da Amazônia. No passado, esse papel era ocupado pela Colômbia, e não há uma resposta definitiva para explicar a mudança. Uma das hipóteses apontadas pelas analistas, baseada em investigações, é a posição geográfica do Peru – que facilitaria o transporte de armas do Brasil até o Equador por meio da Amazônia, que abrange todos esses países.

Apesar de insuficiente, a rota através da Amazônia possui um esforço multilateral. Em 2024, a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), formada por oito países, anunciou a criação de centro de cooperação policial internacional para combater o narcotráfico e os crimes ambientais, operados pelas mesmas facções criminosas.

Entretanto, na outra grande rota do comércio ilegal do Equador – o Oceano Pacífico, onde saem as remessas de cocaína e chegam as armas, enviadas por cartéis mexicanos – a cooperação se deteriorou desde que o governo de Daniel Noboa decidiu invadir a Embaixada do México em Quito em abril do ano passado. A ação causou o fim das relações diplomáticas entre os dois países e aumentou a desconfiança do Equador na região. “Isso faz com que o Equador deixe de cooperar em muitos assuntos, não apenas o narcotráfico, mas também o tráfico de pessoas”, disse Carla Álvarez.

Um desafio regional

Quando se fala da cooperação regional, os países também deixam de abordar um outro desafio crescente: apesar da predominância das armas industriais, o crime organizado também recorre às armas artesanais, que se tornaram fáceis de fabricar com a popularização de impressoras 3D nos últimos 15 anos.

No Equador, esse tipo de arma chegou a corresponder a 70% do arsenal apreendido pela polícia até 2021. Com a flexibilização das armas industriais em 2022 e 2023, a proporção se igualou.

Dickinson, do Crisis Group, acrescenta que o controle desse tipo de arma também necessita um esforço internacional, dado que são fabricadas a partir de manuais que se espalham na internet. “Interromper os esquemas online que permitem essa fabricação exige esforço mundial”, afirma a pesquisadora no seu relatório publicado em março.

A analista acrescenta que o problema também necessita de esforços legislativos, para prever a existência desse tipo de arma e criar uma regulação. A desvantagem, no entanto, é que, para o crime, é sempre mais rápido se adaptar.

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