Advogado de Lucas sofre ameaças de morte – DW – 29/04/2025

Ainda estão por esclarecer as circunstâncias em que ocorreram as mortes de quatro civis no Quartel das Forças Armadas de São Tomé e Príncipe, numa alegada “tentativa de golpe de Estado” a 25 de novembro de 2022. O jurista Miques João Bonfim, que defendeu Lucas – o único arguido civil levado à barra do tribunal neste processo – contesta o despacho de arquivamento da denúncia apresentada contra o ex-primeiro ministro Patrice Trovoada e outros elementos supostamente apontados como os principais responsáveis pelo assassinato de quatro civis no assalto ao quartel das Forças Armadas ocorrido a 25 de novembro de 2022.

O advogado denuncia várias tentativas para o seu silenciamento, depois do seu envolvimento na defesa daquele que foi o único réu condenado no processo do “25 de novembro”, a 15 anos de prisão. “As pessoas envolvidas nesses acontecimentos do quartel, a maior parte delas – civis e altos dirigente da Acão Democrática Independente (ADI) [no poder] e não só –, pretendem, justamente, silenciar-me”, denuncia.

Em entrevista à DW África, Miques João afirma que tem recebido ameaças de morte por exigir o apuramento cabal da verdade sobre a alegada tentativa de golpe de Estado, enunciada pelo então primeiro-ministro, Patrice Trovoada, que agora se encontra fora do país desde que foi destituído.

DW África: O Ministério Público são-tomense, por intermédio da Procuradora adjunta Inalda Raposo, decidiu arquivar a queixa que fez contra várias pessoas incluindo o ex-primeiro ministro Patrice Trovoada, que deviam ser ouvidas no âmbito do processo do “25 de novembro”. Como é que reage a esta decisão?

Miques João Bonfim (MJB): Esta decisão circunscreve-se em mais uma das várias decisões e diligências feitas pelo Ministério Público no sentido de escamotear a verdade em torno do “25 de novembro” e proteger certas pessoas envolvidas nesses assassinatos.

O Ministério Público está consciente disto, sabe perfeitamente que existem muitos civis paramilitares e alguns militares que ainda não foram identificados nos autos porque durante o processo de instrução preparatória andaram a esconder provas, destruir as outras, subverter e manipular depoimentos de forma a proteger algumas pessoas, como Patrice Émery Trovoado, sobretudo, das implicações que têm nos assassinatos no quartel.

Portugal Lisboa 2025 | Justiça em São Tomé e Príncipe
Advogado Miques Bonfim diz estar a receber ameaças de morteFoto: privat

Então é nesse sentido que o Ministério Público arquiva um processo onde foram indicados vários meios de provas, onde várias testemunhas foram arroladas. Mas o Ministério Público não ouve nenhuma das testemunhas, não produz nenhuma prova e, pior do que isto, nem ouve os denunciados.

DW África: Há novos dados ou novos elementos do ponto de vista jurídico que dão suporte à afirmação de que Lucas foi injustamente condenado? Quais são os fundamentos?

MJB: Essas provas sempre existiram. Elas foram esquivadas, elas foram manipuladas, no sentido de Lucas ser o único ‘bode expiatório’ disto tudo.

Reparem bem, que Lucas foi julgado sozinho num contexto onde havia a necessidade de julgar processos todos juntos para concentrarmos as provas, para podermos ter até aquele princípio de economia processual e aí chegarmos à descoberta da verdade material dos factos. Mas o Ministério Público, os tribunais de São Tomé e Príncipe, fizeram esta manobra e conseguiram que só o Lucas fosse julgado para justamente escamotearem a verdade e terem acesso àquilo que são outras provas que iriam se produzir durante o julgamento para prepararem melhor e de forma que pudessem esconder-se os fatos e fugirem da efetivação da justiça material dos fatos.

Então, as provas existem. O facto de elas terem sido escamoteadas não fazem com que elas sejam provas antigas, mas são sempre novas. E está-se à espera do quadro próprio para poder efetivamente fazê-las valer e, a partir delas, responsabilizar todos aqueles que efetivamente decidiram, de forma consciente e voluntária, assassinar os outros de forma crua, nua e dura.

DW África: Depois da condenação de Lucas, o único visado no processo do 25 de novembro, considera imperiosa a reabertura do processo para um novo julgamento, incluindo os militares envolvidos?

MJB: Já existe um processo em que os militares já foram acusados, tanto os soldados e cabos acusados de introduzirem civis no quartel, como as altas chefias que participaram do processo de tortura, sequestro e assassinato das pessoas.

O que acontece é que, até então, esse processo não foi julgado porque temos um Ministério Público altamente equipado para não fazer avançar o processo. Temos uns tribunais altamente mobilizados para não fazer avançar o processo, razão pela qual esse processo ainda não foi julgado. Mas existe o processo em que os militares estão acusados e falta-nos apenas e só o seu julgamento.

DW África: Considera importante a divulgação do Relatório da CEEAC? Porquê?

MJB: Não há margem de dúvida que o relatório da CEEAC é um documento extremamente importante para entendermos a dinâmica dos acontecimentos de 25 de novembro de 2022. É verdade que, pelo andar da situação, ficam algumas dúvidas quanto à veracidade, à credibilidade desse relatório, mas, mesmo assim, é necessário que esse relatório seja tornado público para que possamos fazer a comparação entre o conteúdo do relatório e os fatos que efetivamente ocorreram em 25 de novembro de 2022.

Pois, os fatos falam por si, as torturas ocorridas naquela fatídica madrugada de novembro de 2022 estão consumadas e todos temos elementos, e precisamos de comparar efetivamente o que foi produzido no âmbito do relatório dos técnicos da CEEAC, e aquilo que efetivamente são relatórios produzidos ao nível nacional e os fatos em si como tal.

Tomada de posse do Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas de São Tomé e Príncipe
Carlos Vilanova, Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas de São Tomé e PríncipeFoto: R. Graça/DW

Como devem saber, em direito, muitas vezes, o que interessa não são os fatos mas são as versões que fazem do facto. E essas versões são aquilo que temos estado a Procuradoria também, na pessoa da senhora Inalda Raposo, tem estado a produzir, assim como os tribunais.

Então, precisamos do relatório da CEEAC para fazermos como se fosse uma reconstituição dos fatos, comparar as documentações para chegarmos à conclusão de que efetivamente estes atos hediondos e bárbaros ocorreram no Quartel das Forças Armadas.

DW África: Quais são as motivações por detrás das ameaças de morte de que diz ser vítima? Por sinal, a Ordem dos Advogados retirou-lhe a carteira de advogado….

MJB: É muito simples. As pessoas envolvidas nesses acontecimentos do quartel, a maior parte delas – civis e altos dirigente da Acão Democrática Independente (ADI) [no poder] e não só –, pretendem, justamente, silenciar-me.E para silenciar-me, entendem que talvez matando-me só assim poderiam conseguir o silenciamento. Porque já tentaram por várias vias.

Primeiro, fizeram ataque à minha profissão, começaram ao nível de Tribunal Constitucional, depois seguiram para a Ordem dos Advogados e puseram em causa a minha dignidade e integridade profissional, fazendo sucessivos comunicados ao público em geral, [dizendo] que eu estou suspenso das funções, sem mesmo antes me notificarem de uma possível decisão no âmbito de um processo disciplinar forjado que teriam feito contra mim.

Como devem saber, qualquer tipo de decisão que se faz ao nível de qualquer instituição pública ou privada, carece de formalismos legais. E um dos formalismos é justamente a notificação da pessoa que é alvo de um processo disciplinar sobre qualquer diligência que se vai tomar em torno desse processo ou qualquer decisão que vem em torno do processo.

Não havendo nada disto, não podem, de forma alguma, vir gratuitamente ao público fazer publicações e publicidades sobre situações que efetivamente nem notificaram o visado.

São Tomé e Príncipe – Forças de segurança numa rua da capital do país
Segundo Miques João, existe um processo em que os militares já foram acusados de introduzirem civis no quartel, que inclui as altas chefias que participaram do processo de tortura, sequestro e assassinato dos civisFoto: Ramusel Graca/DW

Mas, pior do que isto tudo, até já tentaram o sequestro da minha pessoa e forçosamente levar-me à psiquiatria do país e injetar doses para virem depois dizer que o Miques João está doido e não tem qualquer tipo de credibilidade, pois trata de alguém que está com problemas de foro psicológico. Tentaram isso, mas, feliz ou infelizmente, essas informações chegaram a mim e não conseguiram executá-las.

Agora foram tentar comprar os familiares da minha esposa para interpor uma denúncia crime contra mim e dizer que eu abusei sexualmente de uma criança que eu batizei e cuidei com a minha esposa durante dois anos e pouco.

Fizeram isto, estão a lutar ainda nesse sentido, porque já puderam perceber que não vão conseguir. Mas, recentemente, fui novamente alvo, desta vez por parte de oficiais do Ministério Público, que me ameaçou atacar. E mesmo quando foram fazer notificação do despacho de arquivamento, fui cercado por oficiais e até pensei que iriam disparar ou iriam fazer outro tipo de atividade contra a minha pessoa.

Então, é este o quadro que se vive. A motivação é só uma: silenciar, amedrontar e fazer parar para não dar seguimento ao processo de 25 de novembro de 2022.

No que concerne à Ordem dos Advogados, não me tirou ainda a carteira. Através de uma estratégia maquiavélica já organizada, fizeram um processo forjado, com mentiras, calunias e difamações, não deram a possibilidade de fazer a defesa, mas tomaram decisões no sentido de suspender-me no exercício das funções, primeiro por 45 dias, depois por 12 anos, mas até então não me notificaram, não fizeram a notificação formal destas decisões.

Então, estou à espera de que me façam notificação, mas enquanto não o fizerem, eu estou a exercer as funções, como determina o estatuto da Ordem dos Advogados, as leis gerais do país, e vou dar seguimento ao caso de “25 de novembro” e aos outros processos, até que a Ordem me notifique da decisão para que eu depois apresente as devidas reclamações e recursos para os devidos efeitos.

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