Kayllani Lima Silva
Repórter
Embora o uso de celulares, tablets e redes sociais possa favorecer a cognição, reduzir o isolamento social e até contribuir para a saúde emocional dos idosos, o uso excessivo dessas tecnologias representa um risco crescente para essa faixa etária. Especialistas alertam que, quando mal administrado, o tempo diante das telas pode levar ao sedentarismo, agravar problemas de visão, comprometer o sono e até provocar um distanciamento social. O desafio está em promover uma inserção digital responsável, que respeite os limites e o ritmo dos mais velhos, ao mesmo tempo em que potencialize os benefícios da inclusão no ambiente virtual.
O natalense Paulo Couto, de 68 anos, deixa claro que não gosta de passar muito tempo em frente às telas: “uso o mínimo possível o celular”. Apesar disso, essa restrição não o impede de acessar as redes sociais e buscar ampliar suas habilidades por meio do Projeto de Extensão Inclusão Digital para Idosos (ProEIDI), da UFRN. Na avaliação de especialistas ouvidos pela reportagem da TRIBUNA DO NORTE, além de trazer benefícios à cognição e à interação social, a inserção responsável de pessoas idosas no mundo digital evita riscos associados tanto à saúde mental quanto à física.
A médica geriatra Ângela Costa ressalta que a saúde das pessoas idosas envolve diferentes aspectos, como a prática de atividades físicas, nutrição adequada, controle de doenças crônicas, promoção da saúde mental e emocional e cuidado com a espiritualidade. “Outro tópico que as pessoas não pensam é a saúde social, pois o envelhecimento envolve manter relacionamentos sociais ativos, participando de atividades que tragam sensação de pertencimento e interação com outras pessoas”, comenta.
Dentro dessa gama de cuidados, a especialista explica que o uso de telas pode ser benéfico quando integrado de forma responsável à rotina dos idosos. O acesso às redes sociais, por exemplo, favorece o contato com familiares e pode reduzir o isolamento. Além disso, jogos como quebra-cabeças digitais estimulam a cognição, e há uma ampla variedade de aplicativos voltados à meditação.
O gerente de condomínio aposentado Paulo Couto compartilha que utiliza o celular para acessar, ocasionalmente, suas contas no Instagram e Facebook. Algum tempo atrás, também jogava no dispositivo. Atualmente, o que permanece em sua rotina são as ligações para os familiares, geralmente objetivas: “Sou muito sucinto nas minhas ligações. Ligo e, se tá tudo bem com a minha família, desligo”, conta.
O problema surge, segundo Ângela Costa, quando o uso das telas se torna excessivo — uma questão que afeta todas as faixas etárias. Esse hábito pode levar ao sedentarismo, aumentando o risco de doenças cardiovasculares, diabetes e perda de massa muscular. “Outro problema é o comprometimento da visão. O uso de dispositivos pode causar uma fadiga ocular e agravar problemas visuais. A exposição às luzes azuis à noite também pode interferir na qualidade do sono”, completa Ângela.
A psicóloga Ana Izabel Oliveira Lima, conselheira do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Norte (CRP), também alerta sobre os malefícios do uso inadequado das novas tecnologias: “[Esses dispositivos] podem servir para um distanciamento paradoxal, ou seja, a gente busca as telas numa tentativa de conexão, mas isso pode fazer exatamente o contrário”, adverte.
Embora o uso de aparelhos como celulares e tablets seja um fenômeno que abrange diferentes faixas etárias e esteja cada vez mais presente na vida cotidiana, a especialista alerta para o momento em que o hábito começa a interferir em outras atividades: “Quando se fica muito nessas telas, perde-se a oportunidade de alimentar relacionamentos com a família, os amigos, além do exercício físico”.
Importância do diálogo e da compreensão
Se, por um lado, é preciso olhar com atenção para o uso desregulado da tecnologia, por outro, compreender os processos que levam a essa realidade é essencial. Ana Izabel Oliveira Lima destaca que a chegada da velhice muda a forma como se percebe a passagem do tempo, já que uma rotina mais tranquila pode fazer os dias parecerem mais longos. Paralelamente, os familiares seguem em outro ritmo, o que torna as telas uma alternativa para tornar o cotidiano menos solitário.
Nesse contexto, a psicóloga reforça que o alinhamento familiar e o diálogo são fundamentais na mediação da relação dos idosos com a tecnologia. “Isso tudo sem infantilizar, pois isso é um ponto importante. Eu ouço muita gente falando que eles viram uma criança novamente e é importante que a gente estabeleça que não. Idosos são idosos. São pessoas que viveram muitos anos, precisam de atenção e cuidado específico a partir da vulnerabilidade em que se encontram. Esse acolhimento precisa acontecer com respeito, definitivamente não infantilizando”, argumenta.
Uma perspectiva semelhante é apresentada pela psicóloga clínica Valmari Cristina Aranha Toscano, especialista em gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). Ela afirma que buscar entender a relação da pessoa idosa com a tecnologia é o primeiro passo. Perguntas como “O que tem visto de tão interessante?”, “O que me indicaria?” e “Quanto tempo tem utilizado o celular?” são algumas das sugestões da especialista para abrir espaço para o diálogo.
A integrante da SBGG também sugere algumas atitudes que os familiares podem adotar para estimular atividades diversas no cotidiano dos idosos: “É importante proporcionar para ela [pessoa idosa] atividades que sejam interessantes, como convites para sair e para fazer atividade física”.
O professor de psicologia Rodolpho Cortez, especialista em neuropsicologia, reforça a importância do diálogo e da orientação responsável no uso das tecnologias. Segundo ele, é necessário considerar os conhecimentos prévios dos idosos para desenvolver atividades a partir disso. “A gente precisa entender que, por mais que o idoso possa ter um declínio natural, é alguém com uma história pregressa muito importante”.
Inserção responsável ao ambiente digital
A professora Isabel Nunes, coordenadora do ProEIDI, reitera a importância da inclusão digital para os idosos, reforçando que o caminho deve ser gradual. Esse processo inclui desde o primeiro contato com as tecnologias, como o acesso à internet e a compreensão dos recursos digitais, até a fluência digital — quando se adquire um uso crítico e responsável das ferramentas.
Paulo Couto compreende bem essas etapas. Apesar de já utilizar o computador antes de se aposentar, especialmente para acessar ferramentas como o Word, reconhece que tinha dificuldades com os ambientes virtuais. “Não conseguia dominar a internet como deveria e não tinha muitas informações para me prevenir”, conta. Após ter sido vítima de um golpe bancário no final de 2022, conheceu o ProEIDI e decidiu participar do programa.
Neste ano, o gerente aposentado cursa o quarto semestre no projeto e ressalta os impactos positivos da inclusão digital em sua vida. “Com a tecnologia, a gente precisa se adaptar, porque ela vai crescer cada vez mais. Com os cursos do IMD, aprendi a me proteger, identificar chamadas de spam e chamadas indesejadas”, diz.
“Não basta a gente conhecer a ferramenta, ter o acesso a um celular ou computador, por exemplo. A gente tem que saber usar e tem que saber usar bem, de forma responsável. Precisamos saber, por exemplo, que uma determinada notícia que a gente recebe pode ser falsa e como descobrir isso para que ela não seja disseminada”, explica Isabel Nunes.
A professora destaca, ainda, a realidade das políticas públicas atuais, que muitas vezes exigem que os cidadãos — especialmente os idosos — utilizem aplicativos ou acessem sites para conseguir serviços essenciais. Para ela, é importante respeitar o ritmo e a capacidade de cada um, pois nem todos têm facilidade com o uso de tecnologias. “Nós temos que acompanhar a forma que essas pessoas idosas aprendem, no seu tempo”, afirma.
O professor Rodolpho Cortez compartilha dessa visão. Para ele, é preciso considerar que a forma de pensar dos idosos nem sempre está inserida na lógica do mundo digital. Um exemplo, cita, é o uso da palavra “pastas”, que muitas vezes, no ambiente virtual, pode ser interpretada como pastas físicas por pessoas mais velhas.
O docente também defende uma instrução cuidadosa para que o uso da tecnologia não seja apenas passivo — como no caso de passar horas rolando conteúdos nas redes sociais sem estímulo cognitivo. “Isso traz problemas desde o aspecto da saúde mental, porque você acaba diminuindo o nível de interação social, até problemas do ponto de vista físico”, completa.
Para Isabel Nunes, o digital deve ser um apoio, e não uma substituição do contato humano. No contexto do ProEIDI, a professora menciona a importância dos encontros presenciais, nos quais os participantes interagem e se conectam além do conteúdo digital.
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