Pacientes com cirrose e obesidade submetidos à cirurgia bariátrica apresentam benefícios em termos de sobrevida em 10 anos, o que torna o procedimento mais custo-efetivo do que intervenções isoladas voltadas ao estilo de vida, segundo uma nova pesquisa.
O estudo mostrou que “em pacientes com obesidade e cirrose por esteato-hepatite associada à disfunção metabólica (EHADM), a cirurgia bariátrica promove a perda de peso necessária para reduzir a esteato-hepatite com segurança”, disse ao Medscape o médico e primeiro autor, Dr. David E. Kaplan, vinculado à Perelman School of Medicine da University of Pennsylvania, nos Estados Unidos.
“Embora o procedimento envolva um alto custo inicial, ele está associado ao ganho de sobrevida e, ao longo de 10 anos, os custos são amplamente compensados pela redução dos gastos relacionados à descompensação hepática.” O estudo foi publicado no periódico JAMA Surgery.
A prevalência de EHADM relacionada à obesidade tem aumentado. Quando progride para cirrose, o intervalo até o surgimento de descompensações pode ser curto. A perda de peso é a única abordagem que se mostrou eficaz nesses casos. No entanto, alcançar esse objetivo por meio de mudanças tradicionais no estilo de vida é desafiador.
Já foi demonstrado que a cirurgia bariátrica é muito mais eficaz na perda de peso e no aumento da sobrevida. Contudo, o procedimento envolve custos elevados, intervenções pré-cirúrgicas obrigatórias e outros fatores.
Como não havia dados sobre a eficácia e a relação entre o custo e o desfecho da cirurgia em pessoas com obesidade e cirrose, o Dr. David e colaboradores conduziram um estudo retrospectivo, recorrendo a registros de pacientes com obesidade atendidos entre 2008 e 2020 na base de dados da US Veterans Health Administration.
Dos pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, 4.301 realizaram gastrectomia vertical e 1.906, derivação gástrica em Y de Roux. Esse grupo foi comparado com um grupo controle composto por 31.055 indivíduos com obesidade que participaram apenas de um programa estruturado de mudança do estilo de vida (MOVE!), sem intervenção cirúrgica.
Nos grupos de gastrectomia, derivação gástrica e controle, havia 64, 8 e 354 pacientes com cirrose, respectivamente. A idade mediana era de 52 anos; cerca de três quartos (68,7%) eram homens, e o índice de massa corporal médio era de 41,0 kg/m².
Aproximadamente metade apresentava diabetes tipo 2 no início do estudo, e mais de 70% tinham diagnóstico de hiperlipidemia. Os participantes com cirrose tinham uma idade mediana maior, de 62 anos, e todos tinham cirrose leve, classificados como classe A na escala de Child-Turcotte-Pugh.
Ao longo dos 10 anos de acompanhamento, os pacientes submetidos à cirurgia bariátrica tiveram uma sobrevida média de 9,67 anos, em comparação a 9,46 anos entre os participantes do grupo controle. Entre aqueles com cirrose, a sobrevida média após a cirurgia bariátrica foi de 9,09 anos após a cirurgia versus 8,23 anos sem a intervenção. No entanto, essas diferenças não atingiram significância estatística. “A sobrevida média aumentou em 0,2 ano, com um benefício ainda maior no subconjunto de pacientes com cirrose, de 0,9 ano”, escreveram os autores.
O estudo mostrou que a relação de custo/desfecho incremental (RCDI), que reflete o custo necessário para ganhar um ano de vida ajustado pela qualidade (QALY) por meio da cirurgia bariátrica, foi de US$ 132.207 para a gastrectomia vertical e de US$ 159.027 para a derivação gástrica em Y de Roux, na população geral. Entre os pacientes com cirrose, a RCDI foi de US$ 18.679 para a gastrectomia vertical e US$ 44.704 para a derivação gástrica em Y de Roux.
De forma geral, “as fontes pagadoras da área da saúde [nos EUA] estão dispostas a despender entre US$ 100 e 200 mil por QALY obtido com uma intervenção”, observou o Dr. David, sugerindo uma relação custo-desfecho favorável da cirurgia. “O custo da cirurgia criou barreiras financeiras que limitam o acesso”, acrescentou. “O estudo demonstra que a cirurgia bariátrica está associada a uma relação custo-desfecho favorável nessa população de pacientes. Um ponto de corte de US$ 100 mil por QALY em pacientes com cirrose.”
Os achados atuais “apoiam o uso expandido da cirurgia bariátrica em pacientes adequadamente selecionados, inclusive aqueles com cirrose, para melhorar os desfechos e reduzir os custos de saúde em longo prazo”, relataram os autores.
“Tanto a derivação gástrica em Y de Roux quanto a gastrectomia vertical apresentaram desfechos favoráveis no que diz respeito à perda de peso corporal e à sobrevida em comparação com o programa de mudanças no estilo de vida. Esses dados são consistentes com achados de estudos anteriores que demonstram os benefícios duradouros da cirurgia bariátrica em populações semelhantes.”
Cirrose associada a custos de saúde ‘substancialmente’ mais altos
Comentando sobre a pesquisa, a Dra. Fasiha Kanwal, médica vinculada à seção de Gastroenterologia e Hepatologia do Departamento de Medicina da Baylor College of Medicine, nos EUA, observou que “os dados deste estudo são animadores, embora limitados pelo número relativamente pequeno de pacientes com cirrose. “Apesar dessas limitações, trata-se de um artigo importante, que incentivará mais pesquisas sobre o tema”, declarou ao Medscape.
Em uma pesquisa publicada no ano passado, a Dra. Fasiha e sua equipe identificaram “custos de saúde substancialmente mais altos” entre pacientes com cirrose em comparação com controles sem a doença, sendo as complicações hepáticas responsáveis pela maior parte do custo excedente.
Embora as diretrizes atuais recomendem considerar a cirurgia em pacientes com cirrose cuidadosamente selecionados, “este [novo] estudo fornece mais um respaldo a essas orientações”, observou.
No entanto, ela pondera que ainda serão necessárias “mais evidências provenientes de diferentes estudos e, idealmente, de ensaios controlados randomizados, antes que recomendações mais robustas possam ser feitas”.
Por fim, destacou que os “benefícios do estudo em termos de sobrevida e qualidade de vida merecem atenção”. “Apesar dos custos mais elevados da cirurgia, o investimento pode ser justificável.”
O Dr. David Kaplan informou o recebimento de bolsas de pesquisa das empresas AstraZeneca, Gilead Sciences, Glycotest, Exact Sciences e Bausch Health, além de remunerações individuais da Roche-Genentech sem relação com o estudo publicado. A Dra. Fasiha Kanwal informou não ter conflitos de interesses.
Este conteúdo foi traduzido do Medscape
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