A COP30, maior evento global sobre mudanças climáticas, que será sediado em Belém, no Pará, em 2025, pode ser uma vitrine para que o Brasil mostre seu protagonismo na transição energética para uma economia de baixo carbono, segundo apontam especialistas ouvidos pela CNN.
O incentivo econômico gerado pelo mercado de baixo carbono pode ser uma peça estratégica para que o país se adeque ao maior imperativo do século XXI: a descarbonização da economia.
Brasil como exemplo
Após a sanção da lei que regulamenta o mercado aqui no Brasil, aprovada no final de 2024, o setor passou a ter regras mais claras.
Na prática, a regulamentação determina que empresas responsáveis por lançar gás carbono em grandes quantidades na atmosfera devem compensar suas emissões e incentiva quem gera créditos a preservar e manter áreas verdes.
Para Rita Ferrão, presidente da ABCarbon, o marco regulatório abre espaço para que o Brasil seja um grande player nesse mercado.
Isso porque isso atrai segurança jurídica para negociações e as atenções de líderes internacionais para o modelo sustentável que o país pode vir a desenvolver.
Ao mesmo tempo, a lógica do mercado também é favorável ao Brasil, segundo explica o economista e professor da FGV de São Paulo, Gesner Oliveira.
Isso porque, o que o sistema propõe é que regiões que demorem mais tempo para se descarbonizar “comprem crédito de carbono de segmentos que conseguem ser mais eficientes, que são mais rápidos na inovação tecnológica para reduzir as emissões”, elucida.
O crédito de carbono ao qual o professor se refere é um papel que comprova que uma empresa investiu em uma iniciativa que permitiu a redução de emissões de carbono ou ajudou a capturar parte delas.
Projetos originados a partir da compra de um crédito de carbono seriam, por exemplo, o reflorestamento de um área desmatada ou a adoção de fontes renováveis de energia.
Nesse aspecto, o Brasil possui um território propício para que projetos ligados ao mercado se desenvolvam, visto que o país possui grande biodiversidade e quase metade da sua matriz energética é composta por fontes renováveis.
Nessa COP30, o Brasil deve buscar fortalecer sua liderança na agenda climática global, tendo como uma de suas principais metas a redução de gases de efeito estufa.
Com o setor em expansão e um futuro promissor, o governo deve adotar o mercado de carbono como uma estratégia para atingir essas metas.
Na conferência climática, segundo a presidente do ABCarbon, é preciso mostrar que é possível unir meio ambiente, inovação e justiça social por meio do mercado.
“Ele remunera quem preserva, leva renda para o campo, estimula manutenção de áreas verdes, novas tecnologias e transforma responsabilidade ambiental em oportunidade econômica para o país inteiro”, afirma Ferrão.
Chance de ouro para desenvolvimento sustentável
O Brasil pode ter acesso a oportunidades econômicas que direcionam seu modelo para um crescimento mais sustentável, com a transformação da cadeia produtiva, o aumento do investimento estrangeiro e criação de novos empregos no país.
De acordo com um estudo realizado pelo ICC Brasil, o país poderia gerar até R$ 100 bilhões em receitas no mercado de carbono até 2030. Tendo setores como o agronegócio, energia e floresta entre os principais beneficiados.
O diretor de Sustainability Business da Schneider Electric para a América Latina, Mathieu Piccin, explica que a expansão do mercado deve estimular a inovação tecnológica na indústria brasileira.
“A gente propõe através de um desenvolvimento sustentável a geração de empregos qualificados. Com isso, é possível esperar o aumento de pesquisas e o desenvolvimento científico no país”, pontua Piccin.
Ao pensar em oportunidades para a indústria nacional, o professor da FGV de São Paulo elencou a produção de hidrogênio verde como uma das apostas que pode crescer junto ao mercado.
“Existem projetos interessantes para produção de hidrogênio verde. Estima-se que cerca de US$ 31 bilhões já foram investidos em projetos de hidrogênio de baixa emissão de carbono”, e esse investimento pode ser maior ao passo que esse setor se desenvolve, coloca Oliveira.
A mudança na base industrial brasileira também pode vir por meio do capital estrangeiro que o mercado de carbono traz para o país.
Com o marco regulatório, os créditos de carbono passam a ser rastreáveis, o que faz com que investimentos ambientais sérios ganhem escala, segundo argumentam os especialistas.
Enquanto isso, para as empresas privadas, o sistema pode ser um motor econômico que incentiva a um modelo de produção cada vez mais sustentável. Tendo em vista que a regulação do mercado obriga que as companhias se adequem às metas de emissões ao mesmo tempo em que elas ganham financeiramente por isso.
Além disso, “o mercado pode possibilitar a redistribuição de riquezas, o acesso à oportunidade de maneira mais forte que outros tipos de de emprego e mais integrado à natureza”, explicita o diretor da Schneider Electric.
Não á toa, o levantamento do ICC Brasil, espera que país consiga gerar 8,5 milhões de empregos até 2050. Para Rita Ferrão, essa é uma cadeia em que todos ganham: meio ambiente, economia e sociedade.
Matriz sustentável e acordos internacionais
Quando o acordo histórico entre os blocos econômicos Mercosul e União Europeia foi anunciado, parte dos países que compõem o bloco europeu, como a França, Polônia e Áustria, mostravam resistência ao tratado.
Os principais argumentos usados pelos agricultores europeus era a perda de competitividade que o setor poderia ter em relação ao setor brasileiro e a concorrência desleal quanto aos padrões europeus de produção, que emprega recursos significativos em sustentabilidade.
Na avaliação de Rita Ferrão, que também é vice-presidente do Bloco de Prefeitos e Empresários do Mercosul, a expansão do mercado de baixo carbono mostra que o Brasil tem um potencial verde gigante e está pronto para entregar mais do que discursos.
“Isso fortalece a confiança internacional e destrava acordos como o Mercosul – União Europeia, que têm exigências ambientais claras”.
“Quando mostramos que temos seriedade, transparência, tecnologia, e resultados reais em nossos processos, a percepção sobre o Brasil muda e os acordos avançam de forma positiva gerando receita para o país inteiro fortalecendo toda uma cadeia”, afirma.
Além disso, a tendência mundial é que produtos e bens fruto de cadeias de produção sustentáveis tenham maior demanda. “No mercado mundial, os bens com baixa pegada de carbono serão mais competitivos”, complementa Gesner Oliveira.
Desafios
Embora o marco regulatório tenha criado o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa e seja um passo importante, o mercado de baixo carbono ainda possui desafios estruturais pela frente para se consolidar e expandir.
“Primeiro é importante deixar claro que a lei do ano passado ainda precisa ser regulamentada. A lei não é suficiente, é um primeiro passo importante, estruturante, que precisa de maiores detalhes através de regulamentações”, explica Piccin.
A expectativa é que nos próximos anos sejam definidas normas mais precisas quanto ao limite de emissões por empresas, setor produtivo, e se aprimore as etapas de negociação, onde os lastro dos créditos de carbono são negociados.
Segundo a presidente do ABCarbon, atualmente muitos créditos são vendidos sem lastro, o que na prática significa que, embora o crédito tenha sido comprado, os projetos que derivam dele nunca saíram do papel.
“O desafio é parar de tapar o sol com a peneira”.
“Na COP30, precisamos falar de soluções reais e efetivas. O mercado só será eficaz se for auditável, seguro e gerar impacto social, ambiental e econômico para todos”, afirma Ferrão.
Para além das compensações, as empresas também precisam entender que o setor é um passo para a descarbonização efetiva da economia.
Ou seja, o mercado de baixo carbono é uma estratégia para mitigar os efeitos climáticos, mas os setores não podem apenas compensar, mas sim transformar seu modelo produtivo junto ao setor, argumenta o diretor da Schneider Electric.
“Produtores rurais podem gerar renda mantendo a floresta em pé. Indústrias podem compensar emissões com projetos reais e empresas que não se adaptarem vão perder espaço no mercado, não por ideologia, mas por competitividade”, complementa a presidente do ABCarbon.
Outro desafio do mercado quanto a estrutura de projetos é a desigualdade regional presente no país.
“Enquanto algumas áreas têm uma infraestrutura razoável, como é o caso do sudeste, outras áreas são muito pobres em infraestrutura, caso do Norte, do Nordeste”, ressalta o professor da FGV.
“Existem desafios de infraestrutura como, por exemplo, para o abastecimento dos carros elétricos. Não adianta ter carro elétrico se não tem uma infraestrutura de abastecimento. Na prática, existe um longo caminho a ser percorrido para você ter uma infraestrutura mais adequada”, afirma Oliveira.
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