Líder da oposição a Nicolás Maduro, a venezuelana María Corina Machado durante ato com apoiadores. Foto: Cortesia Equipamento de Comunicações de María Corina Machado
Alguns dias após ser incluída na lista das personalidades mais influentes de 2025 pela revista Time, María Corina Machado, líder da oposição na Venezuela, concedeu uma entrevista ao Estadão. Com uma postura firme e determinada, a política falou sobre como sua trajetória de vida a levou até esse papel de destaque, disse que a Venezuela foi transformada em um centro do crime organizado e que o presidente Lula poderia fazer muito mais pela democracia venezuelana. A seguir, os principais trechos da entrevista, feita por vídeo.
María Corina Machado: ‘Lula poderia fazer muito mais; hora de agir é agora’
Em entrevista exclusiva, líder da oposição a Nicolás Maduro cobra postura do presidente brasileiro
Como foi para você ver seu nome na lista das personalidades mais influentes de 2025 da revista Time e ainda estampar a capa?
Sou a filha mais velha de quatro irmãs e sempre fui muito ligada ao meu pai. Segui os passos dele: estudei engenharia, fiz pós-graduação em finanças… A última coisa que imaginei na vida foi me envolver com política. Sempre vi a política como um espaço de concessões de valores, e eu não queria isso para mim. Acreditava que a melhor forma de ajudar meu país era gerar empregos, cuidando da saúde, contribuindo pela via empresarial.
E como tudo mudou?
A vida é imprevisível. Quando Hugo Chávez começou a provocar o que se tornou um confronto devastador na Venezuela, eu entendi que não podia seguir com minha vida como se nada estivesse acontecendo. Eu precisava agir. Todos ao meu redor diziam ser impossível. Eu era mulher, não tinha experiência política, vinha de uma família de empresários — tudo isso jogava contra mim. E mais: defendia ideais liberais, acreditava que o socialismo não era o caminho para o progresso da sociedade. Talvez justamente por isso eu dizia coisas que ninguém mais ousava dizer.
Ter ganho visibilidade neste processo ajudou?
Por isso sou grata à Time. Porque, mais do que um reconhecimento pessoal, acredito que isso chama a atenção para uma luta que impacta a vida de gerações de venezuelanos. O que está em jogo é muito maior.
A sensação, para quem observa de fora, é que muita coisa já aconteceu na Venezuela, mas pouca mudança concreta. Qual o próximo passo para, de fato, restabelecer a democracia?
Entendo quem está cansado, porque são muitos anos de sofrimento. Mas hoje, algo novo acontece: o país inteiro está unido em torno de um mesmo desejo — mudança. Queremos nossos filhos de volta, queremos trabalhar, viver com dignidade. A verdade é que internacionalmente o regime está mais isolado do que nunca. Quem são os aliados de Maduro hoje? Síria? A Rússia não vai bancar o colapso de Maduro, e a China tem outras prioridades. Ninguém quer se associar a um regime tão envolvido com o crime. Ele se sustenta apenas por sua estrutura criminosa, pela repressão e pelo medo — que começam a ruir por falta de recursos.
E qual é o papel da comunidade internacional?
É a hora da comunidade internacional agir com firmeza. Esperamos muito mais dos governos latino-americanos nesse momento.
E como você vê o papel de Donald Trump nesse cenário?
Trump tem sido um aliado consistente da causa democrática na Venezuela e está apoiando o povo com a estratégia certa.
E Lula?
Lula poderia fazer muito mais. Não podemos ter dois pesos e duas medidas. Veja o que aconteceu em 16 de abril: Nadine Heredia, esposa do ex-presidente do Peru, entrou na embaixada brasileira e recebeu asilo em menos de 24 horas. Enquanto isso, nossos colegas na embaixada argentina aqui estão há mais de um ano sem água, sem luz, com acesso restrito a medicamentos e alimentos — e nada foi feito. Não acredito que o governo brasileiro não tenha força para garantir salvo-condutos depois de tanto tempo. Esse é o momento de liderar com princípios. O que acontece agora na Venezuela vai definir o futuro da democracia na América Latina.
Você tem falado sobre como a Venezuela virou o “centro criminoso das Américas”. Pode explicar o que quer dizer com isso?
Você é a primeira mulher a liderar a oposição. O que isso representa para você?
Hoje, ser mulher é o nosso maior trunfo. Durante muito tempo foi difícil — e fui subestimada justamente por ser mulher. Mas isso acabou se tornando uma vantagem, porque ninguém esperava o que eu poderia fazer.
Como é ser mulher na Venezuela hoje?
Essa identidade feminina se transformou em um ponto de união. Todas nós, mulheres venezuelanas, temos algo em comum: queremos nossas famílias juntas de novo. Seja nas cidades ou nas vilas, das mais ricas às mais pobres, todas sofremos com a separação, todas sonhamos com o reencontro. E quando se trata de defender um filho e sua família, uma mulher é mais forte do que qualquer força opressora. Tenho certeza de que chegou a hora. Eu confio no povo venezuelano. Tenho orgulho de ser venezuelana. E sei: a Venezuela vai ser livre. Porque essa luta está chegando ao fim.
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