Neste 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas, a paisagem do país é novamente moldada por discursos que exaltam a importância das culturas originárias. Mas, longe dos palanques e das redes sociais, na floresta amazônica que une Brasil e Peru, há povos que não têm tempo para celebrações. Estão ocupados tentando sobreviver.
No início deste mês, em Brasília, representantes de organizações indígenas do Brasil e do Peru se reuniram para a 8ª edição da Comissão Transfronteiriça Yurúa/Juruá/Alto Tamaya. Na bagagem, uma lista de denúncias e exigências ignoradas por dois países que, enquanto assinam compromissos internacionais sobre clima e direitos humanos, permitem que seus povos indígenas sigam à margem – e sob ameaça.
Na “Declaração de Brasília”, documento que resultou do encontro, os indígenas relatam a omissão dos governos diante de uma série de alertas feitos desde 2021. “Ainda não recebemos nenhuma resposta consistente e contundente”, dizem. É como gritar no vazio. De um lado, a floresta; do outro, a indiferença.
A urgência maior é conter o avanço da estrada UC-105, construída ilegalmente no lado peruano. Segundo ele, mais do que um projeto de infraestrutura, ela é um atalho para o crime ambiental: desmatamento, grilagem e tráfico. “Apoiar a construção ilegal de estradas viola o marco jurídico de proteção dos direitos dos povos indígenas”, afirmam, lembrando que o Peru é signatário da Convenção 169 da OIT – tal como o Brasil. Mas papel não segura motosserra.
A carta aponta a ausência de proteção nas cabeceiras de rios como o Amonia, Sheshea, Tamaya e Dorado – territórios sagrados e estratégicos, que regulam os ciclos hídricos da região e sustentam o que ainda resta de equilíbrio climático. “Não somos contrários ao desenvolvimento”, escreveram os líderes, “mas sim ao desenvolvimento promovido por Estados cuja visão prioriza a exploração econômica em detrimento da proteção da diversidade sociocultural”.
Eles exigem o básico: serem ouvidos. Pedem a inclusão da Comissão nos fóruns de decisão tanto no Peru quanto no Brasil, como o Comitê Nacional de Fronteiras. Reivindicam fiscalização conjunta nas regiões de fronteira e proteção aos Povos Indígenas em Isolamento e Contato Inicial (PIACI), constantemente ameaçados por madeireiros e garimpeiros.
E lembram, com dor e indignação, um episódio que nunca deveria ter caído no esquecimento: o assassinato de quatro líderes Ashéninka em 2014, entre eles Edwin Chota, uma das vozes mais combativas da Amazônia peruana. Apesar da condenação dos cinco acusados, todos seguem em liberdade. A comunidade de Saweto, sobrevivente, segue recebendo ameaças.
Enquanto Brasília adormece, os povos da floresta seguem vigilantes, sem descanso, mantendo de pé a parte mais vital – e mais negligenciada – da nossa identidade nacional.
E, nesse ponto, os povos do Yurúa, Juruá e Alto Tamaya têm muito a ensinar.
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