Condenação de ex-primeira-dama do Peru asilada no Brasil envolve acusação caixa 2; entenda o processo
A ação penal que condenou a ex-primeira-dama peruana Nadine Heredia e seu marido, o ex-presidente do Peru Ollanta Humala (que governou o país vizinho entre 2011 e 2016), a 15 anos de prisão é recheada de polêmicas que vão da tipificação do crime até a prisão do presidente antes de uma sentença escrita.
Os Humala argumentam que sofrem uma perseguição política, ou lawfare, o que é contestado dentro do país. O argumento de perseguição foi inicialmente usado pela defesa da peruana para pedir o asilo ao Brasil, mas na chegada ao país Nadine solicitou refúgio. O processo em que ela e Humala foram condenados envolve a acusação de recebimento de caixa dois da empreiteira brasileira Odebrecht (hoje Novonor) na campanha presidencial de 2011 e do regime da Venezuela na de 2006. Ambos negam, apesar do depoimento de Jorge Barata, ex-diretor da Odebrecht no Peru, que reconheceu o pagamento de US$ 3 milhões à campanha de Humala.
Quem são Humala e Nadine?
Eleito presidente em 2011, Ollanta Humala foi presidente do Peru entre 2011 e 2016. Militar reformado, ele havia sido derrotado na eleição presidencial de 2006, na qual adotou um discurso nacionalista com inspiração chavista. À época, foi derrotado no segundo turno pelo ex-presidente Alan García, de centro-direita.
A moderação do discurso foi recomendação de seu marqueteiro na segunda campanha, o argentino naturalizado brasileiro Luis Favre, ex-marido de Marta Suplicy.
A gestão de Humala foi marcada por uma inflexão à centro-direita e pelo crescimento econômico elevado, o qual não se traduziu, porém, em popularidade. Humala e a esposa, que à época era vista como sua herdeira política, deixaram o poder taxa de aprovação abaixo dos 20%.
Nesse quesito, Humala não foge à tendência de desidratação dos presidentes do Peru: desde a redemocratização do país, em 2000, os presidentes têm enfrentado sucessivas crises políticas e rápido derretimento de popularidade.
Os dois sucessores de Humala, Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018) e Pedro Castillo (2021-2022), nem sequer terminaram seus mandatos. Seus antecessores Alejandro Toledo (2001-2006) e Alan Garcia (2006-2011), ambos de direita, também terminaram seus governos impopulares e, após seus mandatos sofreram denúncias de corrupção envolvendo supostas propinas recebidas pela brasileira Odebrecht.
Toledo foi condenado por ter recebido propinas da empresa brasileira. Kuczynski está em prisão domilicar, acusado também de lavagem de dinheiro por suposto caixa 2 recebido da empreiteira brasileira. Já Alan García se suicidou em 2019 quando a polícia foi cumprir um mandado de prisão em meio às investigações de ter recebido valores da construtora.
Principal rival de Humala em 2011, a líder da direita peruana Keiko Fujimori, filha do ex-ditador Alberto Fujimori, também é alvo de investigação sobre suposta lavagem de dinheiro recebido da Odebrecht, e chegou a ser presa preventivamente.
Epicentro da Lava-Jato, a empreiteira iniciou sua expansão internacional pelo Peru, na primeira metade dos anos 1980, e desde cedo calcou seu modelo de negócio em doações milionárias de campanha aos políticos peruanos com maior chance de eleição, independentemente da orientação ideológica.
A vida política de Ollanta Humala após deixar o cargo foi marcada pelo ostracismo, pelas acusações de corrupção e pelas investigações sobre recebimento de caixa 2 nas eleições de 2006 e de 2011, quando teria recebido recursos da empreiteira Odebrecht, segundo a acusação. Ele sempre negou as acusações e tentou voltar à presidência na eleição presidencial em 2021, mas terminou o pleito em 13º lugar, com apenas 1,3% dos votos. Com o resultado eleitoral pífio, o Partido Nacionalista, de Humala, não conseguiu nem sequer ultrapassar a cláusula de barreira e perdeu sua inscrição.
No caso que condenou Humala e Nadide, o Ministério Público peruano denunciou outras oito pessoas além do casal. Dos dez denunciados, três foram absolvidos e outros três tiveram prisão suspensa. Só quatro foram sentenciados, de fato, todos por lavagem de dinheiro: Ollanta e Nadine, a 15 anos de prisão; o irmão de Nadine, Ilan Heredia Alarcón, a 12 anos; e o ex-tesoureiro do Partido Nacionalista, Julio Torres Aliaga, a 8 anos de reclusão.
Os Humala chegaram a passar nove meses presos entre 2017 e 2018 ainda quando eram investigados, antes mesmo de o Ministério Público ter apresentado uma denúncia oficial contra o casal. Embora a lei peruana permita prisões preventivas longas, de até três anos, a defesa dos Humala sempre argumentou que o casal cooperou com as investigações e que, por isso, não se justificava sua detenção. Prisões preventivas longas são controversas porque as investigações podem nem sequer levar à apresentação de denúncias, por exemplo.
A ordem de prisão de Humala e Nadine proferida na terça é considerada controverso por juristas no país e é questionada pela defesa. Isso porque a decisão ocorreu sem que haja uma sentença escrita da qual os condenados possam recorrer.
No sistema legal peruano, é permitido ao juízo proferir o chamado adiantamento da sentença, em que são lidos os principais fundamentos e a dosimetria da pena. A decisão integral é publicada posteriormente. De acordo o entendimento atual do Tribunal Constitucional do Peru, os condenados não devem iniciar o cumprimento da pena até que não haja condenação definitiva. A Constituição do país diz que “ninguém pode ser detido se não por ordem escrita e motivada do juiz ou pelas autoridades policiais em caso de flagrante delito”.
O colegiado que julgou Humala e Nadine, no entanto, decretou a imediata prisão de ambos antes de publicar a sentença, que deve ser divulgada só no dia 28 de abril. O ex-presidente foi preso, mas a ex-primeira-dama, que não compareceu ao julgamento alegando ter de passar por um tratamento de saúde, partiu para a embaixada brasileira em Lima, onde deu entrada em seu pedido de asilo. O argumento da inconstitucionalidade foi usado pela equipe de defesa de Humala e Nadine Heredia para justificar o pedido de asilo.
Outro problema sinalizado pela advogada Rosa María Palacios no jornal peruano La República, é que o recebimento de caixa 2 só passou a ser considerado crime no Peru em 2019. O crime de lavagem de dinheiro, no qual os políticos envolvidos na Lava Jato peruana têm sido enquadrados, exige reconhecimento da origem ilícita dos fundos e a obtenção de vantagem pessoal. No caso dos Humala, o adiantamento da sentença não menciona que vantagens pessoais teriam sido obtidas.
Para Pedro Cateriano, advogado que foi primeiro-ministro no governo de Humala mas rompeu com o ex-presidente, a condenação do casal tem inconsistências jurídicas, mas não se pode afirmar que eles sofrem perseguição política.
— Pode ter havido o recebimento de doações de campanha não declaradas, mas não está tipificada a lavagem de dinheiro e, embora a doação não declarada seja irregular, era nessa época infração administrativa, não crime. Mas o Peru é uma democracia com independência entre os poderes e Humala tem exercido o direito de defesa — afirma ele.
Cateriano ressalta também que o próprio ex-presidente não pediu asilo político e que deve recorrer da sentença.
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