Angola. Camponeses protestam contra bloqueio de acesso às lavras na província do Uíge

Camponeses e trabalhadores da província do Uíge, em Angola, organizaram nesta terça-feira uma manifestação espontânea em resposta à proibição imposta pelo governo provincial ao uso de meios de transporte populares na estrada que dá acesso às lavras. A medida, adotada pelo governador José Carvalho Rocha (MPLA), impede que motoristas e mototaxistas — principais responsáveis pelo transporte de pessoas e mercadorias na região — circulem entre a cidade do Uíge e o município de Kitexe.

A decisão, que já vem afetando a população há pelo menos duas semanas, compromete o sustento de camponeses, trabalhadores informais e prestadores de serviços públicos e privados que dependem dessa rota para suas atividades diárias.

A manifestação teve início nas primeiras horas da manhã, com concentração em frente à sede do governo provincial. Segundo Guimarães Libertador, membro do Coletivo de Ativistas do Uíge, o protesto foi auto-organizado como reação direta ao agravamento das restrições de circulação na estrada Uíge–Kitexe. Além das proibições recentes, a via já vinha sendo alvo de denúncias por suas más condições. No trecho que liga Kimbele à Sanza Pombos, na mesma Estrada Nacional 100, um acidente com ônibus causou oito mortes e vinte e sete feridos. No mesmo dia do protesto, mais um acidente envolvendo um caminhão, vitimou três pessoas e feriu inúmeras outras.

Em vez de investir na reabilitação da estrada e na melhoria da segurança, o governo optou por restringir ainda mais o acesso, atingindo sobretudo os pequenos agricultores. A proibição de circulação das kupapatas — motos de três rodas amplamente utilizadas pela população mais pobre para transporte de pessoas e mercadorias — é uma medida antipopular, que favorece interesses de grandes empresas e produtores aliados ao governo, ao mesmo tempo em que penaliza os trabalhadores rurais e as economias locais.

Segundo relatos recebidos por Guimarães Libertador, as autoridades acionaram unidades da polícia antiterrorismo para conter o protesto. Houve repressão violenta, incluindo o uso de gás lacrimogêneo, tiros com balas de borracha e até relatos de disparos com munição real. Diversos camponeses foram detidos, e o número total de presos ainda está sendo apurado pelo coletivo, que busca acesso às informações sobre os detidos, ao mesmo tempo que organizam vigílias e ações de homenagem às vítimas dos acidentes.

Mesmo após a intervenção policial, os organizadores do protesto afirmaram que as mobilizações continuarão. “Os camponeses prometeram voltar”, informou uma fonte local ligada ao movimento.

A situação permanece instável e a comunicação com a região está dificultada por problemas na internet. Ativistas locais denunciam violações de direitos e pedem atenção urgente das autoridades nacionais e da comunidade internacional. No sábado, o Coletivo de Ativistas no Uíge realizará uma vigília em homenagem às vítimas dos acidentes e marchará exigindo a exoneração do governador.

O protesto dos camponeses no Uíge evidencia a vitalidade de formas de mobilização popular que emergem de maneira espontânea, fora dos circuitos organizados tradicionais, em um momento em que o regime angolano aprofunda sua lógica de centralização e repressão. Nos últimos anos, o governo do MPLA tem sistematicamente proibido manifestações, marchas e protestos elementares da sociedade civil. Um exemplo recente ocorreu em 29 de março, quando uma manifestação convocada pelo coletivo de mulheres “Unidas Somos Mais Fortes” foi impedida pelas autoridades, culminando na detenção de 5 pessoas, entre elas membros do coletivo feminista e do Movimento Hip Hop Terceira Divisão. A perseguição contínua a movimentos de juventude inspirados nos REVÚS e a criminalização de qualquer forma de dissidência mostram o esforço do regime em silenciar vozes críticas.

Nesse cenário, as manifestações que surgem em regiões camponesas do interior do país revelam o desgaste dessa política de repressão e negligência e são uma inspiração para os trabalhadores e lutadores angolanos. A interdição autoritária de uma estrada fundamental para o sustento de comunidades inteiras, sem qualquer diálogo ou alternativa, soma-se a uma longa trajetória de negligência e autoritarismo. O descontentamento com o modelo centralizado de poder começa, assim, a se manifestar com força também fora da capital, ecoando entre os trabalhadores da terra que já não aceitam mais pagar o preço do autoritarismo e precarização capitalista imposta pela crise econômica internacional e aprofundada pela gestão do MPLA.

O Movimento Revolucionário de Trabalhadores e o Esquerda Diário expressam sua solidariedade aos camponeses e trabalhadores angolanos em luta por suas demandas. Repudiamos veementemente a repressão violenta promovida pelo governo provincial do Uíge e denunciamos o regime autocrático do MPLA por sua política sistemática de ataques à população pobre, perseguição a ativistas e criminalização dos movimentos sociais. A força demonstrada na província de Úíge é um exemplo de resistência que atravessa fronteiras e inspira a todos que lutam. Somamos nossa voz à rede internacional de periódicos da qual fazemos parte — presente em mais de sete idiomas — para divulgar e amplificar a luta do povo angolano.


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