50 Anos da Independência: Cinema evolui, mas perda das salas públicas é “o grande desafio” – fundação
Por mais de 50 anos, o cinema em Cabo Verde “registou avanços” na produção nacional, mas também desafios, especialmente no que toca à manutenção das salas de cinema públicas.
O presidente da Fundação Servir Cinema Cabo Verde, Júlio Silvão, reconhece a evolução da sétima arte desde a independência, observando que, antes de 1975, falar de cinema no arquipélago é praticamente falar da exibição em salas de cinema.
“Durante o período colonial, os filmes feitos nas ilhas eram maioritariamente registros feitos por portugueses, suecos e franceses, que documentavam paisagens cabo-verdianas, mas não envolviam produtores locais”, lembrou.
Segundo revelou, produções nacionais feitas por cabo-verdianos surgiram “timidamente” nos anos 50, em São Vicente, com alguns filmes “muito interessantes”, guiados por estrangeiros.
Entretanto lamenta que obras emblemáticas como “Segredo de um coração culpado” desapareceram, “provavelmente banidas pela polícia política portuguesa devido a seu conteúdo considerado subversivo”.
“Retratava questões de amor, mas também um pouco de política, com questões narrativas que podiam brigar com o regime de então. Porque na época se se falasse da seca, de investimento nas ilhas, de questões gritantes da fome, da saúde, de um meio abandono das ilhas, claro que nunca deixavam passar, e o conteúdo seria censurado”, explicou.
O cinema, conforme a mesma fonte, não foi apenas entretenimento, tendo as salas de cinema na Praia e em São Vicente, por exemplo, servido na década de 70 como espaços de encontros e discussões políticas clandestinas contra o regime colonial, especialmente nos cineclubes dirigidos por cabo-verdianos como Filinto Barros, que as dinamizava.
Mas, nas salas de cinema privadas os filmes vinham ao arrasto daquilo que o Instituto do Cinema alugava, criado por volta de 1977/1978 para gerir as salas de cinema públicas e a comercialização dos filmes.
A partir de 1972 aumentou-se o registo de imagens, embora em número ainda reduzido, e em grande parte realizados por portugueses que começaram a vir fazer filmes.
“Antes do 25 de Abril, todos éramos portugueses, mas o regime limitava muito o que podia ser feito, mesmo por cineastas do continente”, ressaltou.
“Após a independência, as salas de cinema exibiam filmes variados que eram importados, como cowboys americanos, karatê e romances, sobretudo indianos, que, além do entretenimento, ajudavam a educar o público, ao mostrar outras realidades e culturas,” continuou.
Nos anos seguintes, as salas de cinema foram instaladas em várias ilhas passando a existir além da cidade da Praia, São Vicente e Santa Catarina, também em São Nicolau, Fogo e Sal, com o cinema a ser um “importante meio de educação, formação política e socialização”.
Além das salas urbanas, surgiu o cinema rural, usado como ferramenta de mobilização e sensibilização durante a luta pela independência, inspirado nas experiências de outros países africanos como Moçambique.
No entanto, a Fundação Servir Cinema Cabo Verde manifesta-se preocupada com o cenário actual, pois, hoje, 50 anos após a independência, “não existe uma única sala de cinema pública” em funcionamento no país.
“A única sala aberta é a do shopping na cidade da Praia e isto, do meu ponto de vista, constitui um crime contra o povo cabo-verdiano, porque limita a educação e a formação cultural pela sétima arte,” sustentou.
O encerramento das salas, segundo Júlio Silvão, tem sido justificado por avanços tecnológicos e pela suposta falta de rentabilidade.
“Mas isso não é motivo. Nós não fabricamos a tecnologia, apenas a recebemos, e nos países onde ela é produzida as salas continuam a funcionar. Em vez de adaptar, optamos pelo caminho mais fácil, ou seja, fechamos as salas, e com isso perdemos espaços sociais e econômicos que giravam em torno do cinema, como o comércio informal que sustentava muitas famílias”, advertiu.
Silvão reforçou que o cinema tem papel fundamental em todas as idades e contextos sociais, para quem “cinema é educação, formação e sensibilização, é para crianças, jovens, adultos e idosos, é o ontem, o hoje e o amanhã.”
Destacou também os pioneiros do cinema cabo-verdiano pós-independência, como Leão Lopes, que “realizou filmes importantes, ainda pouco exibidos localmente”.
A regulamentação do setor só chegou quase cinco décadas após a independência, ou seja, passados 46 anos depois da independência, impulsionada pela Associação de Cinema de Cabo Verde, fundada em 2012.
A lei regula a produção, exibição, festivais e formação, mas o desafio agora é colocar essa legislação em prática para consolidar o setor.
Júlio Silvão apelou para a necessidade de se recuperar as salas de cinema, modernizá-las e garantir que a população possa usufruir do cinema no habitat natural da arte, ou seja, a sala de exibição.
Inforpress
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