Cultura
A Cem Palcos estreia no dia 4 de novembro, na antiga Incubadora do Centro Histórico, a peça “Esse Caminho Longe”, produto de um cruzamento entre Portugal e a São Tomé e Príncipe. Com encenação de Graeme Pulleyn e Márcio Meirelles, a peça conta com duas atrizes são-tomenses. Ao Jornal do Centro, Graeme Pulleyn contou como foi o trabalho de criação
Fotógrafo: Igor Ferreira
“Esse Caminho Longe” é uma frase que faz parte da letra da canção “Saudade”, de Cesária Évora. Porquê a escolha desta frase para ser o título da peça que vai estrear em Viseu?
Esta peça é sobre muitos caminhos. Efetivamente a frase da Cesária Évora tem que ver com este espetáculo. É sobre São Tomé e é um espetáculo que parte de uma outra grande mulher e da obra dela, que é a Olinda Beja, poetisa, luso-são-tomense e do nosso concelho. É a partir da obra da Olinda, da sua poesia, mas também da sua história de vida, porque a Olinda nasce em São Tomé, a sua mãe é são-tomense, o seu pai é português, e aos dois anos é retirada à mãe e trazida para Portugal, para ser criada em Portugal como europeia. É-lhe dito que a sua mãe está morta, e só aos 40 anos é que ela regressa a São Tomé e reencontra a sua mãe. O nosso espetáculo é de alguma forma inspirado na obra de Olinda, na história de Olinda, mas não estamos a falar de contar uma história individual. Estamos a contar uma história em que a Olinda representa a grande história de África, da Europa, da ligação entre os dois continentes, da exploração, da escravatura, mais especificamente das lutas pela liberdade, em Portugal e em São Tomé. Depois tudo isto é uma reflexão sobre o momento que vivemos agora. Se olharmos para trás, para a história e para as coisas que não conseguimos mudar no passado, boas e más, e muitas coisas más, este espetáculo contemporâneo tem que ver com isso. Tem também que ver com a vinda de jovens são-tomenses para Portugal, não só para Lisboa como para Viseu. Temos uma comunidade cada vez maior de estudantes em Viseu que estão por exemplo nas escolas profissionais, e outros que estão a trabalhar. Queremos que este projeto represente essa comunidade são-tomense e africana aqui no nosso concelho. O espetáculo é sobre isto. Sobre esse espaço que existe e estes caminhos que existem entre diferentes sítios na terra. Este projeto é uma coprodução da Cem Palcos com o teatro Vila Velha, de Salvador da Baía, no Brasil. Temos em palco dois artistas de Viseu, o Gonçalo Alegre e a Filipa Fróis, e duas artistas de São Tomé, a Marta Espírito Santo e a Vanessa Faray. Todo este espetáculo é sobre partilha, sobre partilharmos o palco, histórias e a nossa história. É sobre olharmos para a nossa história com honestidade, franqueza e sobre olharmos para o nosso presente e pensar como é que juntos podemos construir um futuro que nos anime e que nos dê força e vontade de enfrentar os grandes desafios que o mundo tem. Estamos a falar da Ucrânia, da Rússia, da Palestina e de Israel, de África, da Amazónia, de tudo o que está em crise e por onde podemos começar para tentarmos fazer alguma coisa.
Falou na presença do Gonçalo Alegre, da Filipa Fróis e das duas atrizes são-tomenses. Há aqui um propósito de mexer com a identidade das atrizes e de implementar essa identidade na peça?
Não é só no momento do espetáculo. A Marta e a Vanessa, que vêm de São Tomé, vão estar aqui em Viseu durante dois meses. Vamos ainda levar o espetáculo para apresentar em Coimbra, em Viana do Castelo e outras cidades portuguesas. Mais à frente, daqui a um ano, em 2024, iremos apresentar o mesmo espetáculo em São Tomé e depois também no Brasil. Mais do que uma provocação, é uma celebração e um encontro. A Cem Palcos tem há bastante tempo essa vontade e essa preocupação. Acima de tudo tem essa convicção que Viseu é uma cidade culturalmente muito dinâmica, não só como recetor, como um sítio onde as artes de criação nascem, onde os projetos podem crescer e depois irem daqui para todo o mundo, levando o bom nome de Viseu enquanto centro alternativo aos grandes centros metropolitanos. É neste sentido que somos artistas de Viseu, naturais e residentes na cidade, que têm um grande investimento artístico, profissional e pessoal na cidade de Viseu e que querem investir neste território, mas ao mesmo tempo procuramos ligar a nossa região a outras que nos podem trazer outras vivências e ideias. Acreditamos profundamente que é nos encontros que acontecem em Viseu entre estas pessoas vindas de tantos lados diferentes que nós podemos contribuir para a boa saúde desse algo muito especial que já existe em Viseu, que é este centro que pode fervilhar enquanto centro de criação artística.
(Para ler na íntegra na edição do Jornal do Centro, já nas bancas)
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