Venezuela: como funciona a nova tática de repressão do presidente Nicolás Maduro contra a sociedade civil do país
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Redação Rádio Pampa
| 27 de fevereiro de 2024
No início do mês, a detenção de Rocío San Miguel, a maior especialista em assuntos militares da Venezuela e diretora da organização Control Ciudadano, propagou ondas de choque pela sociedade civil do país.
Levada sob custódia no aeroporto internacional perto de Caracas e acusada de participar de um complô para dar um golpe contra o presidente Nicolás Maduro, o paradeiro dela foi desconhecido durante dias. Parentes dela também desapareceram, sendo libertados dias depois.
O que torna o caso de Rocío mais preocupante para a sociedade civil da Venezuela é o fato de não se tratar de um caso isolado: em vez disso, parece ser parte de uma repressão mais ampla antes das eleições presidenciais marcadas para este ano. Pouco após a prisão de Rocío, o ministério da informação da Venezuela acusou a Anistia Internacional de ser uma ferramenta do governo americano e expulsou da Venezuela funcionários de agências de defesa dos direitos humanos das Nações Unidas, que criticaram a prisão de Rocío.
Alguns observadores temem que a ditadura tenha em mente medidas que deixariam as condições no país mais parecidas com as da Nicarágua, onde a sociedade civil foi praticamente suprimida.
“O governo é muito impopular e não conta com os mesmos recursos de antes”, disse Marino Alvarado, ex-coordenador da Provea, a mais antiga organização de defesa dos direitos humanos da Venezuela. Ele acrescentou que os partidos políticos da oposição estão enfraquecidos, mas “a sociedade civil organizada [ainda] é uma voz crítica em relação ao governo”. Isso faz dela alvo de repressão.
Em janeiro, a ditadura deteve uma liderança do sindicato dos professores, ligada à oposição, bem como um ativista e quatro coordenadores regionais de um partido da oposição. Enquanto isso, dezenas de locais — endereços de ativistas, escritórios de partidos da oposição e de associações civis — foram vandalizado. Anteriormente, em dezembro, a ditadura perseguiu organizadores das primárias da oposição, incluindo o diretor da ONG eleitoral Súmate, posteriormente libertado em uma troca de prisioneiros com os Estados Unidos.
Todos os sinais apontam para uma repressão generalizada contra a sociedade civil no país, e a ditadura agora pressiona pela aprovação de uma lei que apertaria o controle sobre essas organizações, provavelmente obrigando muitas a fechar as portas.
ONGs
Uma proposta de lei apelidada pelos críticos de “Lei de combate à sociedade”, que cancelaria o status jurídico de todas as ONGs e associações civis e as obrigaria a uma refundação a partir do zero dentro de um novo modelo de registro, está sob análise pela legislatura, controlada por Maduro. A proposta de lei é uma dentre muitas que já foram consideradas, mas nunca aprovadas, por medo da reação a elas.
A proposta, aprovada na primeira apresentação em janeiro de 2023 (é necessária uma segunda aprovação para converter a proposta em lei) e atualmente submetida a um processo de “consulta”, conferiria ao estado maus controle sobre a sociedade civil por meio de uma série de requisitos complexos, como a entrega de uma lista de membros, doadores e bens. O autor da proposta é o deputado Diosdado Cabello, um chavista linha-dura e ex-vice-presidente.
A Venezuela já exige que grupos da sociedade civil sigam uma série de regras de acordo com aproximadamente 40 leis diferentes, de acordo com o grupo Acceso a la Justicia. Mais regras poderiam significar um fardo esmagador, incluindo um requisito para que os grupos informem seus bens, coisa que atualmente apenas autoridades da ditadura são obrigadas a fazer.
“No seu formato atual, a proposta de lei representa um risco para a liberdade de associação”, disse Simón Pestano, diretor da consultoria Fundación S4V, com sede em Caracas, que trabalha com ONGs para melhorar suas capacidades, transparência e gestão.
A lei terá amplo impacto na sociedade civil da Venezuela. De acordo com a National Unit of Financial Intelligence, 9.900 organizações não-governamentais e associações civis operam atualmente no país. Destas, de acordo com o banco de dados da S4V, cerca de 1.000 organizações têm atividade constante.
Para Alí Daniels, diretor da Acceso a la Justicia, a proposta de lei é semelhante a uma lei já existente na Nicarágua, que levou à eliminação de milhares de ONGs, incluindo a Cruz Vermelha da Nicarágua e congregações católicas de caridade. “Mesmo ONGs com afinidade ideológica em relação ao governo [venezuelano] são contrárias à lei porque ela afeta suas operações e implica um aumento nos custos”, disse ele. A medida pode afetar até a guilda empresarial Fedecámaras, antes arqui-inimiga do chavismo, que protagonizou uma aproximação com a ditadura recentemente.
De acordo com Pestano, muitas ONGs seriam incapazes de atender aos requisitos da nova lei, obrigando-as a suspender as atividades, principalmente as organizações menores. De forma semelhante, se atualmente as ONGs venezuelanas precisam apenas notificar o Estado de sua criação, elas passariam a ter que justificar sua existência perante o estado e receber a aprovação deste. “Com isso, o estado poderia ter o poder de decidir a seu critério se a criação dessas organizações é importante ou não”, disse ele.
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