Por que razão Ricardo Salgado e Álvaro Sobrinho vão ser julgados no caso BES Angola? – Observador

No caso de Hélder Bataglia, administrador do BESA e presidente da ESCOM, estão em causa cerca de 33 milhões de euros, que foram transferidos para três sociedades offshore: a Purland Enterprises, a Arnow Investiments e a Monkway.

Desde o início da crise de gestão no BES Angola, que levou ao afastamento de Álvaro Sobrinho da gestão do banco por decisão de Ricardo Salgado e dos seus sócios angolanos (os generais Kopelipa e Dino, ligados a José Eduardo dos Santos), que Ricardo Salgado sempre tentou criar a ideia de que tinha sido enganado por Sobrinho e que nada tinha a ver com a alegada má gestão do filial angolana.

Salgado repetiu exatamente os mesmos argumentos no seu requerimento de abertura de instrução para contestar a acusação do MP. Contudo, a procuradora Rita Madeira, hoje coordenadora da área de corrupção do Departamento Central de Investigação e Ação Penal que titula o caso contra António Costa extraído da Operação Influencer, contraria toda a sua narrativa — e essa visão do MP foi agora validada pela juíza Gabriela Lacerda Assunção.

Ricardo Salgado acusado de ter corrompido ex-banqueiro brasileiro ligado ao PT de Lula da Silva

Elucidativo da proximidade entre Ricardo Salgado e Álvaro Sobrinho e o controlo indireto que o então líder do BES exerceria sobre a gestão do BES Angola é a seguinte conversa entre os dois que ocorreu às 17h55 do dia 3 de março de 2012 sobre uma alegada falsificação da contabilidade do BES Angola.

Ricardo Salgado (RS): “Olhe, mas aqui o Freitas [Manuel Freitas, responsável do Departamento de Planeamento Contabilidade  BES] disse-me que recebeu más notícias lá da sua gente, em relação aos resultados…”

Álvaro Sobrinho (AS): “Já mandei alterar, eles vão já mandar outro coiso. Estavam ali a esconder alguma coisa, vou já mandar, já vai receber outro…”

RS: “Éh pá, acho que aquilo estava muito mau, pá…  Uma queda de mais de 50 por cento!”

AS: “É, mas eu mandei alterar aquilo.”

RS: “Tá bom.”

Após a conversa com Salgado, Sobrinho ligou de seguida para Henrique Resina, diretor da compliance do BESA.

Álvaro Sobrinho (AS):  “Ó Henrique, tenho aí uma … ligou-me o Dr. Ricardo agora. (…) Aquilo dos resultados, estão a precisar ali de mais um… Nós estamos, nós estamos para fazer aí um contrato (…). Aliás, vou assinar para a semana e podíamos levar isso a proveitos, são cerca de 500 milhões de dólares. (…) A comissão acho que é de 2% e mais 0,25… (…)

Henrique Resina (HR): “Mas então quando é que é… isto é para resultados agora de Março, não é? Para aumentar os resultados de Março?”  

AS: “É, eu acho que dá aí 15 milhões, à volta disso 15/20. Fizemos bem as contas.”

HR:“É porque o problema é que a gente, em resultados, vamos tendo pouco, mas eu vou já ao que tivermos. Tomamos este valor e depois mandamos para si para ver se é preciso inventar mais ou não. (…) A gente em Fevereiro não inventou nada.”

AS: “… Este não é inventado, este é mesmo feito. (…) Pode mandar para o Freitas. Depois mandem-me qualquer coisa. (…)”

Recorde-se que Francisco Machado da Cruz assumiu no processo principal do caso Universo Espírito Santo que tinha falsificado as contas da Espírito Santo Internacional a pedido de Ricardo Salgado. A consequência da imputação da procuradora Rita Madeira é que Ricardo Salgado também terá feito idêntico pedido a Álvaro Sobrinho no caso da contabilidade do BESA.

O MP diz mesmo que foi o sigilo bancário draconiano que impera em Angola e a opacidade da gestão do BESA (como a de outros bancos angolanos) que levou Ricardo Salgado a eleger a filial angolana como uma das suas unidades favoritas para determinado tipo de operações pouco transparentes que, assim, ficavam “fora do balanço do banco e da esfera de controlo da supervisão portuguesa [Banco de Portugal].”

As diferentes defesas tentaram apresentar argumentos de direito, semelhantes em alguns pontos, para impedir a ida a julgamento. Por exemplo, Ricardo Salgado, Álvaro Sobrinho, Morais Pires e Hélder Bataglia alegaram que tinha sido violado o princípio legal que impede que qualquer cidadão possa ser julgado pelos mesmos factos em processos diferentes. Se Sobrinho e Bataglia invocaram processos idênticos em Angola e Suíça, já Salgado invocou os processos do caso Universo Espírito Santo.

A juíza de instrução Gabriela Lacerda Assunção não acolheu os argumentos, fundamentando que se tratavam de processos diferentes ou até de outras jurisdições diferentes.

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