O problema da Seleção está no meio-campo: como tocar melhor a bola? | Painel Tático

Uruguai 0 (4) x (2) 0 Brasil | Melhores Momentos | Quartas de final | Copa América 2024

Toda eliminação do Brasil é cercada de drama. Normal, afinal, somos torcedores. Quem culpar? A ausência de Dorival na roda? A bagunça de Ednaldo Rodrigues, com três treinadores em um ano e meio, sendo dois deles interinos? Os pênaltis de Militão e Douglas Luiz?

A Seleção colheu o que plantou nos últimos anos. Dorival não tem nem um ano no cargo, e até agora mostrou coesão nas convocações e na montagem do time. A defesa teve grande atuação contra o Uruguai, o ataque promete com Vini Jr, Rodrygo e Endrick, além de jovens como Estêvão e Luiz Guilherme pedindo passagem.

Quando há um problema, é melhor pensar na solução ao invés de ruminar e reclamar. O que corrigir na Seleção? Onde melhorar? A resposta é cada vez mais clara: o meio-campo.

Dorival Junior após eliminação do Brasil na Copa América — Foto: Kevork Djansezian/Getty Images

A dupla João Gomes e Bruno Guimarães não deu certo. Paquetá jogou em duas funções e não conseguiu o protagonismo que se espera. Andreas e Douglas Luiz mostraram melhora, mas não a ponto de fazer frente ao adversário. Não é culpa de um ou de outro: a engrenagem coletiva do meio não está funcionando.

Um dos maiores paradigmas do jeito brasileiro de ver futebol é olhar demais para a bola e esquecer que para a magia aparecer é preciso jogar ainda melhor sem a bola. De nada adianta ter bons atacantes sem que a bola chegue neles. Foi o que aconteceu nos quatro jogos da Copa América.

Toda a carreira de Dorival é marcada por times “leves”, ou sejam: que vão tocando a bola com muitas aproximações. A orientação é para que ao menos dois se aproximem de quem está com a bola e os toques vão saindo curto até chegar no atacante. Era assim no Santos, no Flamengo e no São Paulo, e deu certo nesses clubes.

A saída lá de trás também é assim: o goleiro sai jogando pelo chão e os zagueiros aproximam. Se um zagueiro recebe a bola, o lateral e o volante do setor aproximam e geram um triângulo. Assim, o jogador toca para quem está livre.

O jogo contra o Paraguai foi o melhor exemplo dessa execução. Wendell jogou melhor que Arana nessa Copa América e tinha liberdade de se movimentar por dentro. A ideia se mantinha: ele recebia a bola e quem estava perto dele se aproximava. O time ia tabelando e tocando até abrir espaço.

Wendell entrou pela meia esquerda e tabelava com Vini e Paquetá — Foto: Reprodução

Se deu certo em um jogo, a execução da saída de bola brasileira falhou miseravelmente nos outros três jogos. Colômbia e Uruguai, adversários de alto nível, decidiram ousar e marcaram alto. Decidiram colar na dupla de volantes e não deixar o lateral ter espaço para se movimentar por dentro. O resultado foi uma trava total.

Observe, na imagem, como o Uruguai coloca cinco jogadores no campo de ataque. Dois deles colam em Gomes e Guimarães. Os outros sufocam a saída dos zagueiros. O que fazer nesse cenário de completa pressão?

Uruguai sobe marcação e Brasil trava: faltou aproximação no espaço vazio — Foto: Reprodução

A resposta é continuar tocando a bola. Só que mais rápido que o adversário e nos espaços que ele não consegue marcar: nas costas de quem faz a pressão. Alguém precisa aparecer para dar opção se os volantes estão sufocados: Paquetá? Rodrygo? Os nomes importam menos que a tática: se há um espaço desocupado, por que não tocar a bola nele?

Alguns minutos depois, a mesma coisa acontece: o Brasil sai tocando de trás. A triangulação treinada por Dorival e Lucas Silvestre acontece. Há boa vontade. Mas o Uruguai escolhe marcar em cima, evita que alguém saia livre. Onde está o espaço para tocar a bola e a magia acontecer? A pressão deixa uma lacuna imensa no meio, e ninguém se apresenta para continuar tocando a bola.

Uruguai marca a triangulação do Brasil: não tem ninguém para ajudar o meio — Foto: Reprodução

A pressão sufocante do Uruguai mostrou que o meio-campo do Brasil carece de alternativa e inteligência. Diante desse cenário, era esperado que:

  • Gomes e Guimarães trocassem mais de posição com Paquetá. Todos ficaram muito travados e estáticos, o que facilitou a marcação
  • Rodrygo e Raphinha buscassem o meio, especialmente nas lacunas pouco povoadas

A Colômbia não sufocou alto como o Uruguai, mas decidiu fazer diferente: a pressão foi direcionada a Bruno Guimarães, teoricamente o jogador mais camisa 8 desse meio. Ele recebia a bola e dois, até três (como na imagem abaixo) colavam e não deixavam a bola chegar em Paquetá e Rodrygo, que faziam a movimentação certinha e esperavam para receber.

Colômbia pressiona até a movimentação dos volantes — Foto: Reprodução

O que aconteceu na eliminação brasileira foi basicamente a mesmíssima coisa que a Croácia fez na última Copa do Mundo: pressionou bem o setor de construção do Brasil e não deixou a bola chegar redonda aos atacantes. As imagens do fatídico jogo parecem até duplicatas: a Seleção toca lá de trás, mas encontra um paredão de marcação e não sabe sair dele.

Veja como Paquetá, Danilo e Casemiro até trocam de posição e buscam uma movimentação diferente. Mas a Croácia, que é melhor time que o Uruguai, lê a movimentação e não cai na armadilha: mantém a marcação firme para a bola não chegar em Vini ou Raphinha. Basicamente a mesma coisa que o Uruguai de Bielsa fez, um ano e meio depois.

Modric vigiou Casemiro no jogo inteiro — Foto: Reprodução

A reflexão aqui leva a um cenário maior, que não depende de Dorival, Diniz, Ancelotti ou Tite: o Brasil precisa formar meio-campistas capazes de jogar de forma inteligente de trás. Tite chamava de “ritmista” o jogador que fazia o que apenas Renato Augusto conseguiu na última década: pensar com qualidade para bagunçar a marcação rival.

Tite achou soluções com Daniel Alves, que fez uma Copa América de 2019 brilhante. Arthur surgiu no Grêmio e falhou miseravelmente. Casemiro nunca foi esse pensador. Diniz tentou André, que não está pronto. Dorival tentou João Gomes, que também não está pronto.

No fim, o brilho de Rodyrgo e Vini no Real depende também de um Kroos fazendo o jogo de terno que não vemos lá atrás. É esse jogador que o Brasil não tem, e possivelmente não terá para a próxima Copa do Mundo.

Toni Kroos se despediu do futebol na Eurocopa 2024 — Foto: Getty Images

Resta, então, a única coisa que pode fazer realmente a diferença: trabalho. Ter Guimarães, Douglas Luiz, Andreas e outros cada vez mais integrados ao jeito de jogar e pensar em soluções para sair das armadilhas que os adversários colocam.

Só há uma coisa que fará a Seleção tocar melhor a bola: é resistir à tentação de demitir treinador, pedir irreverência e magia ou culpar brincos e cabelos. O Brasil precisa focar no campo para resolver um cenário poucas vezes visto: a classificação para a Copa do Mundo ameaçada. Que essa não seja mais uma marca negativa a ser alcançada.

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