O mapa do vinho na América do Sul: 39 rótulos que valem a pena

No Chile, Cabernet Sauvignon. Na Argentina, Malbec. No Uruguai, Tannat. No Brasil, Merlot e espumantes. Corretas as afirmações acima? Sim. Só que representam uma parte cada vez menos precisa da verdade sobre o mapa do vinho na América do Sul. As fronteiras da produção vinícola vêm se alastrando em todos esses países e alguns, que nem estavam na jogada, começam a aparecer, como Bolívia e Peru. Quem quiser ficar por dentro do que acontece no nosso continente precisa dar aquela mudada de mindset, como diziam os coaches na década passada.

“Nunca foi tão divertido beber vinho na América do Sul. Há 15 anos, os vinhos de diferentes países se pareciam muito entre si. Hoje há um panorama muito rico e sedutor, uma grande variedade de estilos e de interpretações de terroirs, a busca de sabores específicos de cada lugar. Produtores e enólogos entendem melhor a diversidade climática e de solos e isso se expressa em novidade”, diz o jornalista chileno Patricio Tapia, criador do Guia Descorchados, que pontua alguns dos melhores vinhos sul-americanos.

Está mais divertido e um tanto mais complicado também. Gualtallary, Limarí, Osorno, Baía de Maldonado, San Pablo e a explosão da produção brasileira pelo Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. O que esses nomes dizem a você? Não dá para pensar mais em vinho na América do Sul em termos de países, mas buscar entender o que cada região e cada microrregião têm a oferecer, se essa for sua intenção. O garimpo de novos sabores leva tempo, mas revela grandes surpresas. 

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“Passamos o século passado perseguindo a qualidade industrial. Hoje perseguimos a identidade de cada lugar. Deixamos de pensar no macro e passamos a subdividir as regiões, definindo microrregiões e estudando as variedades de uvas que melhor se adaptam a elas. Hoje os melhores vinhos da América do Sul falam menos do enólogo e mais dos lugares onde nasceram”, diz o enólogo argentino Juan Pablo Murgia, gerente técnico do grupo Avinea.

Juan Pablo acredita que o Guia Descorchados tenha sido um dos responsáveis por impulsionar a revolução sul-americana, apontando novos caminhos ao premiar vinhos de estilos pouco comuns, de produtores arrojados, muitas vezes identificados como esquisitões pelos bebedores tradicionalistas. Patricio Tapia é conhecido por não gostar de vinhos pesados, muito extraídos, alcoólicos, tânicos e com trabalho intenso em madeira nova (aquela bebida com aroma igual ao da gaveta que o marceneiro acabou de entregar).

Os tais “vinhos que se pareciam entre si” ainda são a imagem que muita gente tem do fermentado de uva na América do Sul, mesmo porque a oferta de rótulos desse estilo ainda é farta e barata nos supermercados. Há também vinhos caríssimos feitos desse jeitão em todas as partes do mundo. Nada contra eles – cada um bebe o que quer, o que gosta e o que pode. Mas o trabalho de Patricio, em 25 anos de Descorchados, foi o de revelar a face mais elegante do continente: bebidas com personalidade, que privilegiam fruta, frescor e outras nuances.

Depois de um punhado de degustações e conversas com enólogos, produtores e sommeliers, fizemos uma seleção de vinhos sul-americanos que não pretende ser completa (aliás, está bem longe disso), mas indica alguns caminhos a quem se dispõe a sair do lugar comum e provar novos sabores. Nem todos os vinhos indicados aqui estão presentes no Guia Descorchados 2024. Tampouco nos preocupamos com as pontuações – para isso, afinal, o guia está disponível, com mais de 4 mil vinhos degustados.

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Vinho chileno

O Chile, mesmo com território tão estreito, expandiu seu mapa vinícola para além do Vale Central, de onde vêm seus vinhos mais conhecidos. A oeste, chegou perto do mar. A leste, conquistou as altitudes de terroirs nas encostas da Cordilheira dos Andes. Ao norte, domou o Deserto do Atacama. Ao sul, descobriu a Patagônia como terroir para vinhos finíssimos. 

Você pode começar banhando-se de leveza com os vinhos do Vale do Itata, região desbravada há relativamente pouco tempo. Pequenos produtores resgataram variedadas esquecidas, trazidas pelos primeiros colonizadores do país e para as quais ninguém andava dando muita bola. Algumas dessas uvas patrimonais, como eles chamam, são as tintas Cinsault, Carignan e País, muitas delas redescobertas em vinhedos bem antigos, alguns com mais de 100 anos.

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La Causa Gran Reserva.
Foto: Divulgação

Itata é frescor, muito frescor! La Causa, da vinícola Miguel Torres, é um projeto que representa bem a região. La Causa Gran Reserva (Decanter) é uma bela fotografia do pedaço, mesclando Cinsault, Carignan e País. Tem um ataque inebriante de frutas vermelhas frescas no nariz, acidez deliciosa e muita maciez. Há várias outras delícias de Itata: o fresquitcho e bom de preço Tenaz Héroes del Vino Cinsault (Vinho BR), o da descolada linha Glup, da Longaví (World Wine). o chique Montgras Handcrafted Cinsault (Empório Horti Sabor).

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Bouchon Vigno Carignan: bem pontuado.
Foto: Divulgação

Para provar o bom da Carignan, vale subir um pouco no mapa, para a região do Vale do Maule, ao norte de Itata. Ali são produzidos alguns dos melhores exemplares de Cariñena (como a uva é chamada em espanhol), que costuma trazer notas de especiarias doces e um toque mentolado. Um grupo de produtores criou a marca coletiva Vigno, em que são permitidos rótulos com pelo meno 85% de Carignan. Dois exemplos pontuados pelo Descorchados são o Morandé Adventure Vigno (DiVinho), cortado com Syrah, e Bouchon Vigno Carignan (World Wine). Na linha precinho bom, a Miguel Torres elabora o Vigno Cordillera Carignan (Empório Frei Caneca).

Outra região chilena que tem feito a alegria de quem gosta de novidade é o Vale do Limarí, às portas do Deserto de Atacama. Muita exposição solar durante o dia e brisas marinhas que resfrescam os vinhedos à noite permitem o amadurecimento lento das uvas, o que leva a vinhos bem estruturados. Os solos calcários e de sedimentos marinhos emprestam mineralidade e salinidade às uvas. Tudo isso, mais uma vez, quer dizer frescor.

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De Martino Gran Reserva Pinot Noir.
Foto: Divulgação

A branca Chardonnay foi uma variedade que se deu especialmente bem na região e rende vinhos de acidez espetacular (nível escândalo), comparados a alguns críticos aos Chardonnays da nobre sub-região borgonhesa de Chablis. A gigante Concha y Toro transferiu o plantio da cepa francesa de Casablanca para Limarí a fim de vinificar uma de suas linhas mais nobres, a Amelia.

Tabali Talinay Chardonnay (Casa Lisboa) é uma boa opção de entrada, enquanto não chega por aqui o Talinay Caliza, pontuado como um dos melhores Chardonnay chilenos no Descorchados. Reta Chardonnay Quebrada Seca (Decanter) e Amelia Chardonnay (Evino) são duas opções de luxo para quem está podendo.

Limarí ainda é famosa pela Pinot Noir, uva tinta que também pede terroirs que lhes garantam leveza e elegância. Procure provar o De Martino Gran Reserva Pinot Noir (Wine Brands), Tabali Pedregoso Gran Reserva Pinot Noir (Vinhos Web) ou Maycas del Limarí Pinot Noir (World Wine).

Terminando o roteiro chileno, vamos para o extremo vinícola do país, a região patagônica do Vale de Osorno, ao sul. Pinot Noir também é uma das especialidades e, de novo, alguns de seus rótulos são comparados aos da Borgonha. Trapi del Bueno Hand Made Pinot Noir (Famiglia Valduga) é um belo exemplo do delicado poder de Osorno, com seu punhado de frutas silvestres frescas no nariz e na boca e sua acidez pulsante.

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Miguel Torres Cordillera Sauvignon Blanc.
Foto: Divulgação

Sauvignon Blanc é mais uma cepa que se deu bem na região e ali revela a riqueza de especiarias e de aromas cítricos típicos, além de um agradável frescor. Miguel Torres Cordillera Sauvignon Blanc (VinGardeValise) tem bom preço para quem quer conhecer esse borogodó. Casa Silva Lago Ranco Sauvignon Blanc (Vino Verace) é outra opção de respeito.

Vinho argentino

Cerca de 70% do vinho Argentino é produzido na grande região de Mendoza e a uva predominante ainda é a Malbec, que costuma gerar vinhos potentes e parrudos. Só que existem diversas Mendozas. Hoje há um entendimento melhor de cada nesga da macrorregião, e Gualtallary, ao norte do Vale do Uco, surge como uma das mais celebradas, situada numa encosta íngreme que começa nos 1.100 e alcança 1.600 metros de altitude. De modo geral, uvas cultivadas nas alturas, em climas mais frios, geram vinhos mais leves e de boa acidez. Naturalmente elegantes.

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Gran Enemigo Single Vineyard Gualtallary 2019: vinho de respeito.
Foto: Divulgação

De Gualtallary vem um dos dois vinhos que ganharam 100 pontos na edição 2024 do Descorchados, fato inédito na história do guia. Da vinícola Catena Zapata, vem o Adrianna Vineyard Mundus Bacillus Terrae 2021, 100% Malbec (deve chegar em 2025 à importadora Mistral). A Catena foi uma das responsáveis pelo estudo minucioso dos terroirs de altitude de Mendoza e mostrou que a parruda Malbec podia originar vinhos mais sutis. Mundus Bacillus é uma de suas melhores expressões e o preço, por volta dos 3 mil reais, acompanha o prestígio e as boas pontuações do rótulo em diversas safras, não apenas no Descorchados, mas em diversos rankings globais. Gran Enemigo Single Vineyard Gualtallary 2019 (Mistral) é outro vinhão disputado, com predominância de Cabernet Franc e uma pequena parcela de Malbec no corte.

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Em breve no Brasil.
Foto: Divulgação

Outras microrregiões do Vale de Uco, como Altamira, vêm se destacando ano a ano. É de Altamira mais um Malbec 100 pontos do Descorchados 2024, Zuccardi Finca Piedra Infinita Supercal 2021 (chega em breve no Brasil, pela Grand Cru). Terrazas de Los Andes Single Parcel Los Castaños (Casa da Bebida) é outro Malbecão bem pontuado.

Patricio Tapia chama a atenção para mais um pedacinho de terra argentina que deve dar o que falar, San Pablo, do ladinho de Gualtallary. A produtora superstar Susana Balbo atualmente trabalha num projeto dedicado a vinhos brancos em San Pablo (falamos de seus Torrontés aqui). Enquanto eles não chegam, você pode provar rótulos de outras vinícolas que já conquistaram o pedaço. Norton Altura White Blend (Casa Flora) mescla Sauvignon Blanc, Sémillon e Grüner Veltliner.

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Otronia 45 Rugientes Cortes Blancas: preço mais acessível.
Foto: Divulgação

Nosso giro argentino termina numa que talvez seja a vinícola mais ao sul do planeta, dirigida pelo enólogo Juan Pablo Murgia, na Patagônia. Num ambiente inóspito, de muito frio e muito vento, foram atingidos resultados deslumbrantes com as uvas Chardonnay e Pinot Noir. Os rótulos de parcelas selecionadas, como Otronia Blocks 3&6 Chardonnay e Otronia Block 1 Pinot Noir são de uma delicadeza sideral. A linha 45 Rugientes tem preço mais acessível e vale provar o Otronia 45 Rugientes Cortes Blancas (World Wine), com Chardonnay, Gewürztraminer e Pinot Gris.

Vinho uruguaio

Há muito o vinho uruguaio não é reconhecido apenas pela uva tinta Tannat, embora ela ainda seja a mais popular do país. Jovens vinícolas – e as tradicionais entraram na onda – provaram que o Uruguai é bamba em outras castas, especialmente brancas, ainda mais quando estão próximas ao mar. A Baía de Maldonado, banhada pelo Oceano Altântico, é o melhor exemplo. O terreno de suaves colinas, que permite diferentes exposições ao sol, e a brisa marinha que refresca os vinhedos à noite fazem a magia acontecer.

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Familia Deicas Atlántico Sur Reserve Albariño.
Foto: Divulgação

A Bodega Garzón foi uma das responsáveis por essa revolução, esquadrinhando seu solo e descobrindo que variedades se dão melhor em cada pedacinho mínimo de terra. A uva portuguesa/espanhola Alvarinho/Albariño foi uma revelação, originando brancos muito agradáveis, cheios de fruta e boa acidez. Os exemplos são muitos: Garzón Albariño Petit Clos 27 (World Wine), Familia Deicas Atlántico Sur Reserve Albariño (Duarte Vinhos), Cerro del Toro Albariño Atlántico (Famiglia Valduga).

Chardonnay, Sauvignon Blanc, Viognier e outras brancas também entraram na onda de diversidade uruguaia, em Maldonado ou na região vizinha de Canelones. Preludio Barrel Select Blanco (Woods Wine), corte de Chardonnay com Viognier, foi considerado o melhor da casta no Descorchados 2024. Garzón Reserva Sauvignon Blanc (World Wine) traz as notas florais, cítricas e herbáceas típicas da uva. Braccobosca Ombú Moscatel (Fracaro Wine) é uma boa surpresa, por ser de caráter bem seco e fresco, muito diferente da maioria dos moscatéis que conhecemos, com uma dose alta de açúcar residual.

Quanto aos tintos, os Tannat de Maldonado, em geral, trazem mais fruta e frescor, como era de se esperar. A safra 2021 de Bouza Tannat Viñedo Pan de Azúcar (Decanter) teve a melhor nota para a uva no guia deste ano. Garzón Reserva Cabernet Franc (World Wine) é outro rótulo bom de boca. Braccobosca Ombú Reserva Petit Verdot (Vinhos Mundi) é perfeito para quem gosta de vinhos maduros e estruturados, com taninos mais densos.

Vinho brasileiro

O Brasil explode colorido, como dizia Caetano Veloso naquela velha canção. Nosso mapa vinícola hoje se alastra do extremo sul ao Nordeste, permitindo várias interpretações e estilos. É um processo em andamento e, no Sudeste e no Centro-Oeste do país, foi possível pela técnica de dupla poda. As plantas são “enganadas” com duas podas por ano e a colheita acontece no inverno, quando naturalmente aconteceria no verão. Isso permitiu a produção de vinhos finos em estados como Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Rio de Janeiro e Espírito Santo.

Sacramentos Vinifer Sabina (World Wine), monovarietal de Syrah produzido na Serra da Canastra, Minas Gerais, foi considerado o melhor tinto brasileiro do Descorchados (dividindo a posição com outro rótulo da Campanha Gaúcha). A escolha coincide com o perfil de Patricio Tapia, pois é um vinho cheio de fruta vermelha, acidez firme e álcool moderado, fresco e saboroso. 

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Baron Assemblage: da Campanha.
Foto: Divulgação

A Campanha Gaúcha firmou-se nos últimos anos como uma das melhores regiões vitivinícolas do país. O extremo sul do Brasil, na fronteira com o Uruguai, tem clima mais seco do que a tradicional Serra Gaúcha e pouca chuva, o que garante saúde às uvas. As tintas Tannat, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Merlot e Pinot Noir, e as brancas Chardonnay, Sauvignon Blanc, Gewürztraminer encontraram bom terroir por lá. Da Campanha vem Baron Assemblage (Adolfo Lona), blend de Cabernet Sauvignon, Merlot e Tannat que dividiu o prêmio de melhor tinto brasileiro. 

A Vinícola Guatambu é uma das potências da Campanha e ganhou colocação de melhor vinho da região (dividida com Adolfo Lona) com o espumante Blanc de Blancs Nature N/V (Guatambu), elaborado com Chardonnay. O branco tranquilo Audace Vosges Gewürztraminer (Audace) é outra boa surpresa para quem curte os aromas intensos dessa variedade.

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Miolo Wild: leveduras selvagens.
Foto: Divulgação

Uvas pouco comuns no Brasil, como as italianas Teroldego e Trebbiano e as portuguesas Touriga Nacional, Tinta Roriz e Alvarinho, também gostam de estar na Campanha. Uma dica é o tinto Tom Água de Beber Gran Reserva (Sanabria Vinhos), feito com Teroldego, e o delicado branco Miolo Wild Trebbiano (Miolo), fermentado com leveduras selvagens.

Por fim, vale prestar atenção à Serra do Sudeste, colada à Campanha, que também está dando um banho. A linha de espumantes Premivm, da Casa Valduga, é produzida ali e o Valduga Premivm Brut Rosé (Famiglia Valduga) é um encanto que deve ser provado. O refrescante e cheio de fruta Hermann Alvarinho Jovem (Decanter) é outra estrela do pedaço. 

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