o Lusitânia, o hidroavião da Travessia Aérea do Atlântico Sul


Há 100 anos, precisamente no dia 6 de abril de 1922, o geógrafo Gago Coutinho e o piloto Sacadura Cabral eram recebidos na Câmara Municipal de São Vicente, em Cabo Verde, para lhes ser prestada homenagem. No final do dia anterior, a população da ilha recebera-os com grande entusiasmo, chegados num hidroavião Fairey F IIID MkII, o “Lusitânia”.

Foi motivo de festa para a população. É que aquele não só era o primeiríssimo avião a aterrar na ilha. Era o hidroavião que fazia a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, a partir de Lisboa e com um destino ambicioso: o Rio de Janeiro. A segunda paragem desta longa travessia foi ali mesmo, na ilha de São Vicente.

O hidroavião Lusitânia. Foto: Arquivo Municipal de Lisboa

A chegada à ilha levou 10 horas e 43 minutos desde as Canárias, a primeira paragem depois da partida de Belém a 30 de março, com os aviadores a percorrer 1572 quilómetros no ar, até finalmente fazerem uma paragem na ilha de São Vicente. A chegada foi tranquila, mas houve um pequeno contratempo: o posto de telegrafia sem fios da ilha dificultou a comunicação entre o “Lusitânia” e o navio de apoio, o “República”.

O problema seria resolvido e a paragem seria motivo de grandes festejos: a Câmara não só homenagearia os dois aviadores, como pagaria todos os telegramas enviados e as refeições na ilha de São Vicente. Para recordar, promoveu ainda a criação de uma medalha única, de ouro, com a inscrição “Cabo Verde 1922”, da qual nunca mais se ouviu falar, como conta o escritor cabo-verdiano Germano Almeida num artigo do Público, e mandou construir um padrão na baía, o Padrão da Pontinha, que seria removido anos mais tarde.

Mas algumas das memórias desse dia permaneceriam, como é o caso de um obelisco, também conhecido por “O Pássaro”, por retratar a imagem desse ser voador, que foi mandado erigir numa esplanada. A esplanada nunca chegou a existir, mas o monumento sim – e ainda hoje se encontra nessa praça que passou a ser conhecida como “praça Gago Coutinho”. Entretanto, em 1994, a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses ofereceu à cidade uma escultura de João Cutileiro, que foi colocada no local de amaragem do “Lusitânia”.

A escultura de João Cutileiro.

Contrariamente aos planos, os aviadores viram-se obrigados a permanecer mais tempo em São Vicente, o que na verdade foi motivo de celebração para a população. Para Gago Coutinho e Sacadura Cabral, a celebração não terá sido tão grande, visto que entrara água num dos flutuadores do hidroavião, mas também eles se deixaram contagiar pela emoção das notícias que corriam os jornais do mundo.

Finalmente, no dia 8 de abril, deixaram Cabo Verde, partindo da Praia, ilha de Santiago, sobrevoando os céus até aos penedos de São Pedro e São Paulo, a leste da ilha de Fernando de Noronha. Ao chegarem, o “Lusitânia” perdeu um dos flutuadores – e foi nos penedos que o avião ficaria para sempre sepultado.

Entretanto, um segundo hidroavião acabaria por substituí-lo, o Fairey nº16 “Pátria”, mas esse também não sobreviveria, obrigando a uma aterragem de emergência. Seria o Fairey nº17 “Santa Cruz” que os conduziria ao destino final a 17 de junho de 1922: o muito sonhado Rio de Janeiro.

Dessa paragem em Cabo Verde, permanece a memória, celebrada este ano através do projeto “Travessia 100” de Cabo Verde. Mas a cidade ainda vive com as recordações: hoje a zona da baía do Mindelo é conhecida como a “avenida” ou “a esplanada” dos aviadores.


Ana da Cunha

Nasceu no Porto, há 24 anos, mas desde 2019 que faz do Alfa Pendular a sua casa. Em Lisboa, descobriu o amor às histórias, ouvindo-as e contando-as na Avenida de Berna, na Universidade Nova de Lisboa.

Crédito: Link de origem

- Advertisement -

Comentários estão fechados.