Os Jogos Olímpicos de 1976 que decorram em Montreal, no Canada, ficaram para a história do desporto como o “Ano Negro de Montreal”. Após os incidentes do México e a tragédia de Munique, o comité olímpico tinha a ambição que estes jogos decorressem sem incidentes políticos. Uma esperança que cai rapidamente por terra com o boicote de 22 nações que denunciavam a presença da Nova Zelândia na competição.
Liderado pela Tanzânia, Guiana e pelo Iraque, o boicote africano denunciava a presença da selecção da Nova Zelândia no evento desportivo. A Nova Zelândia tinha enviado a equipa de râguebi fazer uma digressão na África do Sul, país que estava suspenso da Comunidade Internacional por causa da política racista do Apartheid.
O Mali e a Suazilândia ainda participam na cerimónia de abertura, presidida pela rainha Elisabeth II e pela família britânica, acabando depois por desistir dos Jogos. Os Camarões, Egipto, Marrocos e Tunísia ainda chegam a competir nos primeiros dias de provas, acabando depois por retirar as delegações.
Esta decisão leva à saída de cerca de trinta países e de 700 atletas. Entre eles, os atletas Filbert Bayi e John Akii-Bua (Tanzânia e Uganda) que estavam entre os favoritos. Taiwan, que viu negado o direito de usar o nome República da China, acabou por boicotar o evento desportivo. Apenas a Costa do Marfim e o Senegal marcaram presença, alegando querer participar em todas as provas para as quais se tinham classificado e viver a experiência olímpica.
Angola: O sacrifício de uma geração
Em 1976, Angola vivia um conjunto de experiências difíceis, do ponto de vista desportivo. O país tinha alcançado a independência em 1975, motivando o êxodo da população que vivia aqui no país e a um défice desportivo. O actual presidente do Comité Olímpico Angolano e antigo basquetebolista, Gustavo da Conceição, recorda que, apesar de em 1976 Angola não ter Comité Olímpico, os atletas estavam “politicamente solidários” com o boicote.
“Tinha uma ideia do que estava a acontecer, estávamos politicamente solidários. O nosso continente vivia um conjunto de situações desumanas, com relações ainda coloniais, separação de raças. Este boicote resultou da politização de uma competição que tinha havido entre a Nova Zelândia e a África do Sul, na altura banida do desporto por praticar o Apartheid”, explica.
Ainda assim, Gustavo da Conceição admite que desportivamente existia, igualmente, a consciência de que era um preço demasiado alto para os atletas que ficaram privados da experiência olímpica.
“Tínhamos consciência que poderíamos estar na presença do sacrifício de uma geração e de muitos anos de trabalho. Os Jogos Olímpicos são competições estratégicas e a preparação resulta de um planeamento que é feito a longo prazo. Muitas vezes esta é a única oportunidade que se tem para participar, porque quatro anos depois já se tem outra idade”, nota.
O Comité Olímpico de Angola viria a ser formado em 1979 e reconhecido em 1980, ano em que o país participa nos Jogos Olímpicos de Moscovo, sem obter qualquer medalha.
Provavelmente Moçambique “teria aderido ao boicote”
Em entrevista à RFI, Alexandre Zandamela, profundo conhecedor da história desportiva moçambicana, sublinha que se o seu país tivesse participado nos Jogos Olímpicos de Montreal, provavelmente “teria aderido a esse boicote”.
Lembra o antigo jornalista que “Moçambique se tornou independente a 25 de Junho de 1975. Um período que ficou marcado pela saída massiva de pessoas, que foram sobretudo para Portugal. Pessoas que estavam ligadas ao desporto, tanto ao nível de dirigentes como ao nível de atletas. Facto que contribui para que o começo de Moçambique independente do ponto vista desportivo carecesse de quadro formados.”
O boicote africano aos Jogos Olímpicos de Montreal, “passou completamente ao lado de Moçambique”. O país não fazia parte da “família olímpica”. O primeiro Comité Olímpico foi criado no país em 1979 e foi em Moscovo em 1980 que este país participou pela primeira vez nos Jogos Olímpicos.
“O boicote de 1976 foi organizado pela Tanzânia, país-berço do apoio à luta armada em Moçambique.” Tendo em conta a proximidade entre estes dois países vizinhos e o contexto político da altura, “acredito que Moçambique teria aderido a esse boicote. Vivíamos um momento muito tenso com a África do Sul”.
Portugal: 1974 trouxe liberdade,1976 medalhas olímpicas
Dois anos antes da realização dos Jogos Olímpicos de Montreal, em 1974, em Portugal, caiu o regime ditatorial. A 25 de Abril desse ano aconteceu a Revolução dos Cravos que derrubou o regime de Marcelo Caetano, ele que foi o último presidente do Conselho do Estado Novo. Em Setembro de 1968, Marcelo Caetano substituiu António de Oliveira Salazar, na chefia do regime autoritário.
A participação portuguesa nos Jogos Olímpicos de Montreal ocorreu num momento em que o país enfrentava grandes desafios económicos e políticos. Uma economia marcada por elevadas taxas de inflação e desemprego e um panorama político acabado de sair de um regime autoritário que durou mais de 40 anos.
Além disso, com a queda da ditadura, dá-se igualmente a independência das cinco colónias africanas: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Uma guerra colonial que deixou marcas profundas.
Para Portugal, o ano de 1974 trouxe liberdade, o de 75 ficou marcado por eleições e o de 76 pela Constituição democrática e por medalhas olímpicas.
Com 25 de Abril de 74, Mário Moniz Pereira, “Senhor Atletismo”, um dos maiores impulsionadores do atletismo português, conseguiu convencer os políticos a apostar na modalidade. Em 1975, os melhores atletas passaram a treinar duas vezes por dia e eram dispensados dos empregos na parte da manhã. Os resultados apareceram logo no ano seguinte.
Foi das mãos do “Senhor Atletismo” que saiu Carlos Lopes, o primeiro campeão olímpico português.
Em Montreal, no atletismo, Carlos Lopes foi um dos grandes destaques, ao conquistar a medalha de prata na prova de 10.000 metros.
A 26 de Julho de 1976, Carlos Lopes agarrou a corrida a partir da oitava volta. Correu tudo bem, até que a pouco mais de uma volta do fim, Lasse Viren, “O Finlandês Voador”, passou para a frente e ganhou. Um triunfo que deixou dúvidas quanto ao eventual uso de substâncias ilícitas. Carlos Lopes foi medalha de prata e a primeira medalha olímpica de sempre do atletismo português.
No Canadá, Carlos Lopes acaba também por fazer história em relação ao doping. Depois da medalha de ouro Lasse Viren, conhecido pelas supostas transfusões de sangue, não ter sido escolhido para fazer o controlo anti-doping, o atleta português, em protesto, recusou realizar o teste. A partir daí, passou a vigorar o sistema actual: todos os medalhados são testados.
Ao pódio, nos Jogos Olímpicos de 1976, também subiu Armando Marques. 20 de Julho de 1976, o dia em que conquistou a medalha de prata no Fosso Olímpico nos Jogos Olímpicos de Montreal. A única medalha olímpica no Tiro conquistada por um atleta português. Ficou a apenas um ponto do ouro, o americano Donald Haldeman. Perdeu a prova por apenas um prato.
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