É explícita a interferência do governo de Nicolás Maduro nas eleições presidenciais venezuelanas para garantir a “vitória” do governante. A própria escolha da data – 28 de julho, aniversário do ex-presidente Hugo Chávez, morto em 2013 – revela a intenção de transformar o pleito em uma celebração chavista para formalizar a permanência de Maduro no poder até 2030. Tanto Maria Corina Machado, a líder da oposição, quanto Corina Yoris, sua substituta, foram barradas pela Justiça Eleitoral, controlada pelo presidente. Opositores têm sido ameaçados, atacados e presos, inviabilizando um debate público democrático.
A estratégia do governo venezuelano (e de muitos outros governos autoritários que organizam “eleições”) baseia-se no disfarce: apesar de o pleito não ser nem justo nem livre, existe uma chance teórica – na prática, mínima – de uma vitória opositora. Confere-se, dessa forma, um verniz de legitimidade ao próximo mandato presidencial. Daí o termo “eleições” ser inadequado e muitas vezes vir entre aspas.
Não por acaso, vários jornais alemães usaram a palavra Scheinwahl (“eleição simulada”) para descrever o recente pleito na Rússia. A revista alemã Der Spiegel, por exemplo,optou pelo termo Pseudobestätitung (“pseudo-confirmação”), e diversas outras publicações colocaram aspas tanto em vocábulos como “eleições” quanto “resultado” quando o assunto era a recondução de Vladimir Putin ao poder. O político grego Theodoros Rousopoulos optou, em recente comunicado, pela expressão so-called elections (“as chamadas eleições”) para descrever a votação russa. O jornal americano The New York Times referiu-se ao pleito russo como “Eleições Potemkin”, em alusão às falsas aldeias portáteis construídas exclusivamente para impressionar a Imperatriz Catarina, a Grande (1729-1796), durante sua viagem à Crimeia. Da mesma forma, por falta de termos mais adequados, o uso de aspas na hora de se referir às “eleições” venezuelanas pode ser uma forma de lembrar os leitores de que o pleito no país vizinho não tem significado literal.
Além de conferir algum verniz de legitimidade ao mandatário autoritário, as “eleições” venezuelanas produzem vários outros benefícios para Maduro, que explicam por que o regime se dê ao trabalho de organizá-las.
Em primeiro lugar, facilitam o processo de monitorar a oposição, parte da qual costuma se dispor a participar de pleitos fraudulentos, mesmo sabendo que a probabilidade de ganhar é ínfima. Em segundo, eleições não livres geralmente ajudam a dividir a oposição, como Maduro demonstrou magistralmente nas últimas semanas: ao longo do processo eleitoral, barrou um número crescente de candidatos (geralmente os mais populares) enquanto permitiu a participação de opositores menos conhecidos, corroendo assim a união entre seus adversários políticos. Embora o governo tenha impedido a participação de Maria Corina Machado – que venceria Maduro com facilidade se as eleições fossem inteiramente livres –, deu luz verde à participação de Manuel Rosales, visto com desconfiança por vários rivais do mandatário venezuelano por ser uma espécie de “opositor Potemkin”, que não tem intenções reais de confrontar o chavismo. O resultado é uma oposição fragmentada, cujas chances de vencer Maduro caem de forma dramática.
Em terceiro lugar, uma eleição claramente fraudulenta pode ajudar a desmotivar alguns adversários e eleitores críticos ao governo: para que distribuir panfletos, convencer amigos e fazer fila por horas no dia da “eleição” se ela não é livre nem justa? Diante das dificuldades econômicas que muitos venezuelanos enfrentam, até o opositor mais ferrenho pode optar por descansar ou mesmo trabalhar no dia da eleição, haja vista as poucas chances de o pleito ter impacto real em sua vida.
Por último, uma eleição fraudulenta é uma demonstração de poder para críticos tanto dentro quanto fora do país. No caso da Venezuela, é como se o atual presidente afirmasse: “Posso organizar eleições farsescas, e não haverá nada que meus rivais possam fazer a respeito”. Afinal, Maduro já mostrou que consegue se manter no poder a despeito das sanções econômicas dos EUA e do afastamento diplomático brasileiro, como foi o caso durante o governo Bolsonaro.
O ditador já se sente tão à vontade que avançou a proposta de formalmente anexar à Venezuela a região de Essequibo, pertencente à vizinha Guiana. A estratégia venezuelana dificilmente levará o país a um conflito militar, mas busca, por meio do populismo nacionalista, unificar a população antes das falsas eleições. De quebra, expõe a incapacidade do governo brasileiro de moderar a retórica agressiva de Maduro, o qual parece ainda mais forte aos olhos de seus “eleitores”. É a típica vitória no grito. Sem aspas.
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