Mais de um milhão de venezuelanos voltam ao país com

Oniel Reinaldo tinha 22 anos quando deixou sua casa na capital venezuelana, Caracas, para tentar a vida em Bogotá, na vizinha Colômbia. Ele saiu do país no momento mais duro da crise, em 2019. Foi com a esposa para trabalhar como motorista do aplicativo e, quando saiu, não esperava voltar tão cedo: “Eu disse pra mim mesmo que voltaria quando saísse esse governo e a situação melhorasse”.

Naquela altura, o presidente Nicolás Maduro tinha acabado de ser reeleito para o segundo mandato e teria 6 anos pela frente para tentar suportar a pressão externa que vinha em forma de sanções dos Estados Unidos e da União Europeia, intensificadas a partir de 2015. Sem poder vender petróleo –o principal produto exportado pela Venezuela– a crise se agravou em 2017 e, a partir desse momento, muitos venezuelanos deixaram o país. 

Reinaldo ficou 3 anos na Colômbia e voltou em 2022. “Voltei porque a situação melhorou. A segurança é muito maior, a economia está melhor. Desse jeito, se é pra trabalhar em aplicativo lá, eu prefiro trabalhar aqui”, afirmou ao Brasil de Fato. Ele trabalha como motorista para dois aplicativos.

Pagar aluguel fora do país, estar longe da família e não se adaptar à uma sociedade de cultura diferente da sua. Esses são alguns dos desafios para quem saiu da Venezuela nos últimos anos. “O colombiano é diferente do venezuelano, é mais frio e se acha bastante. Deu saudade de casa”, destacou Reinaldo.

Milhões de venezuelanos que deixaram o país não viam perspectivas de melhora na economia e na condição de vida a partir das sanções. A entrada de dólares despencou, o que dificultou investimentos públicos do governo, desvalorizou a moeda local –o bolívar– e fez a inflação disparar. Os indicadores econômicos agora apresentam uma estabilização da situação venezuelana. A inflação baixou, o câmbio estabilizou e o governo espera ter um crescimento de ao menos 8% do PIB em 2024.

O número de migrantes não é motivo de discórdia. Organismos internacionais estimam que cerca de 7 milhões de venezuelanos deixaram o país em uma diáspora que começou com a crise promovida pelo bloqueio, mas o dado é contestado por institutos que pesquisam o tema.

A ONG venezuelana Sures, pro exemplo, estima que esse número é bem menor e gira em torno dos 4,5 milhões. “O dado continua sendo relevante, é uma saída importante de venezuelanos, nós não questionamos isso. A questão é o rigor metodológico para essa contagem”, afirma Luis Ernesto Navas, pesquisador do Sures, ao Brasil de Fato.

A falta de critério neste levantamento diz respeito à forma como foi feita essa contagem. O grupo indica que foram contabilizadas todas as saídas do país em um período de 3 a 5 anos. De acordo com Navas, essa forma não representa o que os especialistas consideram “saldo migratório”. Esse conceito calcula não só a saída, mas a diferença entre a população que deixou um país e a população que entrou naquele território. 

Ou seja, é preciso calcular o número de pessoas que saíram menos o número de pessoas que entrou. De acordo com Navas, o primeiro ponto é que os cálculos dos organismos internacionais não medem essa relação. Dessa forma, foi contabilizado como saída o movimento de trabalhadores venezuelanos que vivem na fronteira e vão trabalhar no Brasil, mas retornam para suas casas no final da tarde ou nos finais de semana.  

Os dados também apresentam buracos nos critérios para definir essas saídas. O grupo Sures indica que foram consideradas saídas, por exemplo, as renovações de vistos em passaportes de pessoas que já estavam em outros países.

Retorno gradual

Peru e Venezuela são países culturalmente bem diferentes. Há ainda um agravante para o venezuelano que vai para território peruano: o preconceito. Kelvin Martinez deixou Caracas em 2017 e desembarcou em Lima. Hoje com 32 anos, ele foi trabalhar também como motorista de Uber. A diferença foi o tratamento que recebeu lá.

“Muitos peruanos acham que o venezuelano que saiu do seu país vai te roubar, que é malandro. Isso muito pela fama que foi construída dos venezuelanos que saíram daqui e foram pra lá, mas também tem uma parte que é o preconceito. Todos os venezuelanos que estavam lá sentiam muito isso”, afirmou. 

O discurso sobre o tratamento que recebeu em Lima não fica só na percepção de Martinez. De acordo com um levantamento do Programa Mundial de Alimentos da Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 26% dos venezuelanos que vivem no Peru indicam que sua maior preocupação é em relação a discriminação ou exploração por sua origem. 

Kelvin Martinez voltou em 2023 para Caracas também com a percepção de que a economia e a segurança estão melhores. “Nem se compara agora com 2017, por exemplo. Antes tinham muitos assaltos aqui na capital, você praticamente não podia andar com o vidro do carro aberto. Agora você pode sair à noite tranquilamente, a pé. Claro que é preciso ficar atento, mas o país está muito mais tranquilo”, disse enquanto dirigia seu palio no centro da capital venezuelana.

A migração de retorno também tem uma contabilização imprecisa. De acordo com Nicolás Maduro, mais de 1 milhão de pessoas já voltaram ao país no último ano. Apesar disso, o governo não divulga os dados de forma precisa. Um dos países que faz a contagem de venezuelanos em seu território é a Colômbia. Em março, 2.839.150 de venezuelanos viviam em território colombiano segundo o Ministério de Relações Exteriores da Colômbia, sendo 21,03% na capital Bogotá. 

O dado representa uma redução de 6.556 vivendo no país em relação ao mês anterior. Apesar de parecer pequeno, esse foi o 15º mês seguido de queda no dado. Em relação ao pico histórico, a queda é mais acentuada. Em dezembro de 2022, haviam 2.896.748 venezuelanos vivendo na Colômbia. De lá para cá, quase 60 mil pessoas deixaram o país segundo o ministério, uma queda de 2%. O governo estima que esse número vai continuar caindo até 2026.

Segundo a Sures, o retorno de venezuelanos já é perceptível, apesar de ser difícil de mensurar. “É notável o número de pessoas que voltaram para o país. Principalmente para Caracas, pela estrutura que a cidade tem. As outras regiões ainda têm deficiências no abastecimento de água e no fornecimento de luz. Além de ter uma concentração maior de riqueza em relação ao resto do país, o que dispõe de mais emprego”, afirmou Luis Ernesto Navas.

De acordo com ele, há uma dificuldade de mensurar os dados tanto de saída quanto de retorno por uma defasagem na contabilização feita pelos países. Além de não ter um registro migratório público, os governos usam métodos diferentes e, muitas vezes, não levam em consideração aspectos geográficos e políticos para essa análise.

O principal exemplo para ele é o da passagem da Colômbia para o Panamá. A floresta de Darién está na fronteira dos dois países e é um trajeto conhecido pelo intenso fluxo migratório para sul americanos que querem chegar à América Central. O trecho tem 160 km de mata fechada e também é famoso por não ter controle de entrada e saída, além de ter a presença de grupos que traficam pessoas. 

O pesquisador da Sures alerta que é difícil ter uma fotografia exata porque muitos venezuelanos que entraram na Colômbia saíram por Darién sem se estabelecer antes no país durante esse período, o que pode inflar os dados dessa contagem.

Assédio externo

Para o governo venezuelano, a migração é uma ferramenta também de outros países para atacar a Venezuela. Durante o Seminário Internacional de Desenvolvimento Econômico, realizado em junho de 2024, a vice-presidente Delcy Rodriguez afirmou que uma crise migratória foi proporcionada, além da crise econômica, como uma forma de criar um cenário de “caos” para justificar intervenções estrangeiras.

Ela argumentou que foram criadas agências para fazer essa saída, levando uma mão de obra especializada em setores estratégicos do país.

“A primeira fase deste plano era tirar talentos humanos da indústria petroleira. A segunda fase significava talentos humanos dos serviços públicos e a terceira fase era o setor elétrico. Quando atacaram a questão elétrica, a nossa empresa não tinha pessoal treinado suficiente para atender para a emergência”, destacou.

Jesus Navas já tinha amigos que foram para Quito e, em 2018, se mudou para a capital equatoriana para buscar melhores condições. Ele foi trabalhar em um restaurante e saiu com um passaporte válido, que conseguiu agilizar tirar no que ele chamou de “agência de viagens”. Com a saída de muitos venezuelanos naquele período, começou um forte esquema de venda de passaportes por fora do sistema legal. 

Hoje, esse esquema não existe mais e os venezuelanos conseguem ter acesso ao passaporte no sistema convencional do Serviço Administrativo de Identificação para Migração e Estrangeiros (Saime).

Ele ficou 5 anos fora do país e voltou em 2023 depois que sua mãe teve câncer. Para ajudar a família, Navas voltou e trabalha também com sua moto no aplicativo Yummy. Ele diz que não se arrepende dessa decisão.

“Foi melhor. Eu já estava na dúvida de voltar ou não. Com o país melhor, não tem porque eu ficar fora. Tinha amigos venezuelanos lá, o que me ajudou bastante. Mas é diferente de você estar na sua própria terra. 

Programa de retorno

No mês passado, o governo lançou a Missão Volta à Pátria, que planeja dar assistência para os venezuelanos que quiserem voltar ao país. Para isso, o Ministério das Relações Exteriores determinou quatro vertentes: 

  • assistência jurídica e identidade para garantia de direitos; 
  • atenção em educação, cultura e esporte;
  • proteção socioeconômica;
  • plano de comunicação.

De acordo com o presidente Nicolás Maduro, “só a Revolução Bolivariana pode proporcionar um programa com garantias como essas para os seus cidadãos”. O diplomata Pedro Sazone será o responsável por esse programa e foi nomeado vice-ministro de Atenção à Migração Venezuelana.

“Eu respeito vocês, mas quero que vocês voltem para a Venezuela, construam sua terra, onde sejamos iguais e compartilhemos como uma família nesta terra de alegria”, afirmou Maduro no lançamento do programa. Ele também afirmou que os venezuelanos “terão o apoio total do governo nacional”, com voos gratuitos para quem quiser voltar.

*Os nomes dos venezuelanos que saíram do país são ficticios

Edição: Rodrigo Durão Coelho


Crédito: Link de origem

- Advertisement -

Comentários estão fechados.