Maior produtor do Brasil, Pará cultiva cacau nativo oriundo de árvores seculares e se torna o novo terroir de chocolates finos do país | Pará

Delícia selvagem: o cacau tem origem amazônica – e não centro-americana – e já era consumido há 5,5 mil anos. — Foto: Agência Pará

Nasce na Amazônia a matéria-prima do chocolate, uma das iguarias mais populares do mundo: o Pará é o maior produtor de cacau do Brasil responsável por 51,80% da produção nacional. Aqui é produzido o cacau selvagem da floresta com um sabor inigualável, oriundo de árvores seculares. Neste Dia Mundial do Chocolate (7), o g1 mostra o mercado de amêndoas e chocolates que desponta partir do cacau nativo do Pará, mantido e cultivado por famílias ribeirinhas, comunidades indígenas e quilombolas, e que tem atraído prêmios internacionais e a atenção de especialistas em gastronomia de diversos países, fazendo da região o novo terroir de chocolates finos do Brasil.

Atualmente, o Pará concentra mais de 31 mil produtores de cacau atuando em diversos municípios, em diferentes regiões, responsáveis por 149.396 toneladas de amêndoas produzidas em 2023. No estado, o cacau nasce às margens da Bacia Amazônica, local de maior variabilidade genética do fruto, o que resulta na diversidade do cacau e mesmo na possibilidade de existência de variedades ainda desconhecidas ou pouco exploradas, capazes de produzir sabores exclusivos.

Chocolate feito com cacau nativo da Amazônia é enrolado na folha de bananeira — Foto: De Mendes/Divulgação

“Ainda pode-se, na Amazônia, encontrar cacau nativo ou selvagem, ou seja, árvores de cacau naturalmente perpetuadas pela natureza”, destaca Luciana Centeno, doutora em engenheira de alimentos.

Além da singularidade do sabor, há outros aspectos que envolvem a cadeia produtiva do chocolate na Amazônia, que conta com a participação de comunidades tradicionais, quilombolas e indígenas, e busca de inovações para preservar o meio ambiente e valorizar a identidade cultural e gastronômica da região.

César de Mendes (direita) um dos pioneiros no setor de chocolate artesanal, e descobridor de uma variação de cacau selvagem no Rio Jari — Foto: Arquivo Pessoal/ César de Mendes

“Essas singularidades tornam o Pará o novo terroir de chocolates do país. O mercado de especialidades alimentícias valoriza muito os aspectos de raridade, exclusividade, pureza, e qualidade de manejo e beneficiamento de matérias-primas, sobretudo quando capazes de promover desenvolvimento regional sustentável”, diz Centeno.

Todos esses fatores colocaram o estado em destaque no cenário global. Além de ser o maior produtor do país, o Pará também é reconhecido por estar entre as melhores amêndoas do planeta. Este ano, os produtores Miriam Federicci e Robson Brogni levaram o primeiro e segundo lugar, respectivamente, entre as melhores amêndoas da América do Sul, na premiação Cocoa of Excellence, realizada em Amsterdã, na Holanda. Ambos produtores são de Medicilândia, município localizado na Região de Integração do Xingu, conhecida como Transamazônica.

Miriam Federicci e os produtores Miriam Federicci e Robson Brogni levaram o primeiro e segundo lugar, respectivamente, entre as melhores amêndoas da América do Sul, na premiação Cocoa of ExcellenceBrogni — Foto: Agência Pará

Essa não foi a primeira vez que o cacau paraense ficou entre os melhores do mundo. Em 2021, o produtor de Novo Repartimento, município da Região de Integração Lago Tucuruí, no sudeste paraense, João Evangelista, também foi agraciado com a medalha de prata, figurando na lista das melhores amêndoas de origem do mundo.

Em 2021, a amêndoa de cacau híbrida produzida no sítio JE do produtor João Evangelista, do assentamento Tuerê, localizado no município de Novo Repartimento, também foi classificada entre as 50 melhores do planeta.

Também em 2021, a Chocolates De Mendes, empresa paraense, foi eleita a startup do ano pelo Fórum Mundial de Bioeconomia. O título deriva de uma longa trajetória.

No ramo há 20 anos, César de Mendes é um dos mais antigos nomes no setor de chocolates artesanais do Pará e já expôs, como convidado, em salões de chocolate em Milão e foi premiado em Paris.

“O Pará tem muita qualidade na fabricação de chocolate e amêndoa e nós temos hoje a possibilidade de apresentar ao mundo”, comenta o secretário de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap), João Carlos Gomes.

Há também uma extensa variedade de barras de chocolates, cada uma delas com um sabor singular que varia de acordo com sua área de cultivo; além de bombons com café Apuí, colhido no Amazonas, castanha-do-Pará com flor de sal e puxuri, que é uma noz-moscada de origem amazônica.

Acho que o que mais impacta e me dá satisfação é agregar valor na Amazônia, contribuir para que a gente deixe de ser apenas exportadores de matéria-prima, e para que possamos desenvolver produtos de alta qualidade sensorial, de acabamento, e de grande riqueza cultural”

O sabor do cacau varia de acordo com seu local de cultivo, o que permite uma ampla variedades de sabores do chocolate produzido na Amazônia — Foto: De Mendes/Divulgação

Filho de mãe quilombola e pai ribeirinho, César de Mendes é pesquisador e professor na área de química, em Belém. “O meu envolvimento com os sabores da Amazônia surgiu por causa da minha ancestralidade. Minha mãe fazia chocolate no quintal de casa”, conta.

Mendes relata que descobriu uma espécie de cacau selvagem no Rio Jari, em uma de suas expedições entre o Pará e o Amapá, sua terra natal. Ele, então, muda-se para o sul, para estudar chocolateria gourmet em Canela (RS).

Hoje, ele exporta para países da Europa, Estados Unidos e vende seus produtos a diversos estados do Brasil. Mas esse caminho começa dentro da floresta. As amêndoas de cacau são fornecidas por comunidades indígenas, quilombolas, caboclos, ribeirinhos e agricultores familiares.

Cacau cultivado por indígenas se trna chocolate fino da Amazônia — Foto: De Mendes/Divulgação

“São ao menos cinco etnias indígenas: Yanomamis, Sanoma, Yekwana, Surui e Ashaninka; além de grande quantidade de ribeirinhos no Baixo Tocantins, do Acará, Araguaia, Moju”, conta César, que atualmente produz cerca de 300 quilos de chocolate em barra por mês.

Atualmente, 5 mil pessoas de comunidades tradicionais são impactadas diretamente pelo trabalho, que também ajuda a manter em pé 1,2 milhão de hectares de floresta.

Chocolate com cupuaçu que foi premiado em Londres. — Foto: Reprodução

Primeiro chocolate vegano do Brasil

O chocolate Gaudens Cupuaçu, criado pelo chocolatier Fábio Sicília, ganhou a medalha de bronze no concurso mundial da Academy of Chocolate de Londres, em 2023. Na busca de unir a exclusividade da biodiversidade paraense com o alto padrão do cacau, Sicília criou a Gaudens em 2007. Para ele, o ato de verticalizar a produção local, desde a seleção dos ingredientes, permite acompanhar os produtores responsáveis, gerando equidade econômica e social.

“Se trata de uma produção artesanal com critérios rigorosos de qualidade. Fomos a primeira empresa brasileira a ter um certificado vegano por análise de DNA”, diz.

Chocolatier Fábio Sicília criou produto premiado internacionalmente. — Foto: Arquivo pessoal

Com a ideia de valorizar o que é do Pará, Fábio agrega frutas e amêndoas paraenses aos chocolates, que evidenciam a regionalidade em todo o processo de fabricação e nos sabores, que aliam o cacau com a farinha de tapioca, o cumaru — conhecido como a “baunilha da Amazônia”, a castanha-do-pará, bacuri e até mesmo o açaí.

Fábio revelou ainda que os sabores paraenses da Gaudens conquistaram o público em diversos lugares do Brasil, mostrando que o mercado para além do Pará também aprecia os ingredientes regionais da Amazônia.

“Criamos o creme de castanha-do-Pará com cacau: a Castella, produto vendido nas lojas mais sofisticadas do país, também incorporamos o cupuaçu desidratado ao chocolate em forma de barra”, explicou.

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