Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenta encontrar lisura nas eleições da Venezuela, o cenário de instabilidade no país tem levantado dúvidas na comunidade internacional. Para o petista, que já pediu presunção de inocência ao ditador Nicolás Maduro e deseja “reconhecimento internacional” das eleições, os resultados do dia 28 podem acabar se tornando um novo constrangimento. Após diversas manobras do autocrata, o receio é de que Maduro não aceite os resultados ou fique comprovada sua interferência nas eleições.
Lula tem insistido nas eleições venezuelanas como uma porta para a reintegração do país vizinho, hoje visto como um Estado párea, no cenário internacional. Nesta semana, o petista afirmou que espera que a Venezuela possa voltar a fazer parte do Mercosul após as eleições – o país foi suspenso do bloco em 2016 por, entre as diversas razões, ruptura da ordem democrática.
“Esperamos poder receber muito rapidamente de volta a Venezuela. A normalização da vida política venezuelana significa estabilidade para toda a América do Sul”, disse Lula durante viagem que fez à Bolívia. “Por isso, fazemos voto de que as eleições transcorram de forma tranquila e que os resultados sejam reconhecidos por todos”, continuou.
Nesse contexto, Lula e sua equipe atuaram junto à Venezuela para viabilizar eleições no país que tivessem reconhecimento internacional. Mas os esforços não têm surtido o efeito desejado. Após inabilitar concorrentes e impedir que a União Europeia acompanhasse o pleito, o cenário eleitoral no país tem gerado um clima de preocupação. A integridade do processo tem sido colocada em xeque, já que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela, responsável pelas eleições, é controlado por aliados de Maduro.
“O apoio cego de Lula ao processo eleitoral venezuelano é resultado direto do alinhamento automático da atual política externa com as ditaduras, somado com a “camaradagem” entre os membros do Foro de São Paulo [bloco de integração de partidos de esquerda]”, avalia Cezar Roedel, especialista em relações internacionais.
Ele pontua ainda que as manobras já realizadas pelo regime de Maduro são suficientes para questionar a lisura do pleito – a exemplo do impedimento de duas das principais candidatas da oposição para concorrer nas eleições deste mês.
“Por mais que possamos manter algum otimismo de que a oposição possa vencer o pleito, Maduro fará o que estiver ao seu alcance para esculhambar o processo. A eleição de 2018 recebeu inúmeras denúncias de fraude e operou com ampla desconfiança internacional”, pontua Roedel.
O discurso que Lula tem adotado, contudo, é o de esperar o processo ocorrer, sem fazer questionamentos antecipados. O petista acredita que, após o processo e com a vitória de um candidato, a Venezuela possa se chancelar como um “regime democrático” e retornar à normalidade.
Porém, apenas a convocação de um pleito e seu desdobramento não garantem um processo íntegro e democrático. Para que eleições presidenciais sejam reconhecidas internacionalmente é preciso seguir alguns critérios, dos quais: o voto secreto, a liberdade de expressão, liberdade de agremiação, liberdade de protesto e a liberdade de votar e ser eleito. A transparência e a possibilidade de observadores internacionais isentos também são consideradas. Características que, segundo especialistas, não são observadas na Venezuela.
“É óbvio que Maduro tem uma forte influência em toda cadeia pública venezuelana. E essa influência se dá em todos os níveis, seja na força militar que ele controla, em parte da população que ainda o apoia, ou ainda pelo tempo de poder que ele tem e com isso consegue entrar nas instituições e colocar suas perspectivas para alcançar seus objetivos”, detalhou Vito Villar, consultor de política internacional da BMJ Consultores Associados, à Gazeta do Povo.
TSE não vai acompanhar as eleições na Venezuela; MST enviará delegação
Conforme pontuado por Villar, um dos requisitos para considerar eleições presidenciais válidas é o reconhecimento da comunidade internacional. Em busca desse respaldo, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela convidou organizações de alguns países, incluindo o Brasil, para acompanhar as eleições do dia 28.
A reportagem apurou que uma carta-convite foi enviada ao Itamaraty em maio, que a redirecionou para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O órgão, contudo, declinou do convite sob a justificativa de estar com o foco voltado para as eleições municipais de outubro deste ano. O Itamaraty também não vai enviar representantes para o encontro.
Além de entidades governamentais, o CNE enviou convites para organismos sociais brasileiros, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Cebrapaz (Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz), conforme revelou a Folha de S. Paulo.
À Gazeta do Povo, o MST confirmou que enviará observadores para o pleito. Vale pontuar, contudo, que as duas associações são aliadas do regime do ditador Nicolás Maduro.
Em abril deste ano, as entidades estavam entre os 19 movimentos e partidos de esquerda que assinaram e enviaram uma carta de apoio a Maduro. No documento, os grupos defendem o processo eleitoral venezuelano e a sua integridade, afirmando que “o poder eleitoral é independente e está ao mesmo nível do que o Judiciário, o Legislativo e o Executivo”.
No documento, afirmaram ainda que a “Venezuela tem um sistema eleitoral democrático, que usa urnas eletrônicas e que tem também voto impresso, para checagem. Realizou mais de 30 eleições nesse período. Todas auditadas por autoridades judiciais internacionais, inclusive do Brasil”.
Justificativa parecida já foi adotada por Lula, ao defender que o conceito de democracia seria “relativo”. Vale ressaltar, contudo, que as últimas eleições realizadas no país, em 2019, não foram reconhecidas pela comunidade internacional.
Um Painel de Especialistas Eleitorais das Nações Unidas (ONU), formado por quatro pessoas, também foi convidado pelo CNE e já está na Venezuela para acompanhar as eleições e fazer um relatório interno sobre a disputa. A equipe, porém, não é uma missão de observação eleitoral da ONU, que requer mandato específico do Conselho de Segurança ou da Assembleia Geral.
Presidente Lula tentou atuar, sem sucesso, para eleições democráticas na Venezuela
No ano passado, o governo Lula atuou para que a Venezuela fechasse um acordo em prol das eleições no país. Diversos países, membros do atual governo e partidos da oposição venezuelana fecharam o Acordo de Barbados. No documento, Maduro se comprometeu a realizar um processo eleitoral democrático e seguro no país, além de seguir uma série de determinações para garantir a lisura do pleito.
Como incentivo, os Estados Unidos concordaram em aliviar os embargos impostos à Venezuela com a condição de o governo se comprometer com o tratado. O Brasil foi parte ativa no acordo e Lula enviou seu assessor para assuntos especiais, Celso Amorim, para atuar nas negociações. O regime de Maduro, contudo, não tem operado conforme havia se comprometido. Apesar das constatações, Lula tem demonstrado expectativas com o pleito.
Além do Acordo de Barbados, Lula apoiou uma intermediação proposta pela Colômbia nos últimos meses. O presidente colombiano, Gustavo Petro, procurou o brasileiro para intermediarem junto a Maduro e Edmundo González Urrutia, o candidato da oposição, a assinatura de uma espécie de anistia política. Apesar da tentativa, nem Maduro e nem González concordaram com o documento.
Lula também tentou negociar um acordo entre o regime de Maduro e a União Europeia. A ideia era que o órgão enviasse observadores para as eleições na Venezuela, o que daria mais legitimidade ao pleito. Como condição, Maduro solicitou que a União Europeia suspendesse os embargos impostos ao país.
O bloco, contudo, afirmou que a decisão não poderia ser tomada em tempo hábil e sem passar por votações entre os países. Após a negativa, Maduro retirou o convite para que a UE enviasse observadores para as eleições.
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