Loulé | ‘MED XX’ Fados do futuro, de Marrocos a Cabo Verde – dia 3

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Já se sabe que Cabo Verde será o país convidado para ser o destaque da próxima edição do MED, apontada ao verão de 2025. Tal facto terá certamente profundos reflexos no programa, com o país que elevou a morna a património imaterial da humanidade a ter riquezas musicais consideráveis para partilhar com o dedicado e atento público que anualmente acorre a Loulé para dias de intensa celebração. Mas ontem, foi com Marrocos no coração que chegou ao fim a edição que assinalou o XX aniversário desta festa das músicas que por todo o globo traduzem a alma dos povos.

Em jeito de balanço é possível dizer que o centro histórico de Loulé, as suas hospitaleiras gentes, e a vibração particular que por estes dias anima as ruas são as verdadeiras cabeças de cartaz deste evento. As diferentes músicas que se apresentam em todos os palcos são, claro, o que atrai milhares a Loulé, mas as pessoas chegam sempre com uma genuína sede de descoberta e não vêm necessariamente atraídas por algum “grande” nome. João Paulo e Ana José, jovem casal de Santarém, em animada conversa numa das esplanadas que servem de ponto de encontro de pessoas e de espaços de partilha de experiências, confessam que vêm sempre que possível e que é a possibilidade de exposição a novas culturas que os traz ao MED, não necessariamente algum nome particular: “boa parte das coisas nem conhecemos, mas isso não nos demove”, explicam.

E realmente, comentários como “não estava à espera disto” ou “fiquei fã” são comuns no final de muitos concertos. E tal voltou a ser verdade logo no arranque da terceira jornada quando Eneida Marta e Huca protagonizaram no Palco Chafariz um belíssimo diálogo musical entre as culturas guineense e moçambicana. De balanço cuidado, este primeiro concerto do dia teve vários momentos de arrebatamento, como quando as duas vozes se cruzaram numa recriação de “Mãe Negra” de Paulo de Carvalho, conquistando com facilidade as emoções mais fundas da plateia.

Emoções ao rubro, aliás, foi algo que não faltou na encosta relvada que se estende de frente do Palco Chafariz: LINA_ levou o seu Fado Camões profundamente estilizado até ao âmago da noite e dos corações presentes, numa requintada performance que a firma como uma das mais originais vozes do género. O fado, aliás, foi sina constante deste derradeiro dia, espalhando-se pelos diferentes palcos do recinto. Da fundacional poesia camoniana de LINA_ no Chafariz à evocação e celebração de Zeca Afonso e do meio centenário da Revolução de Abril por Cristina Branco que,  ladeada por um grupo de luxo vindo dos terrenos do jazz – com André Sousa Machado na bateria, Bernardo Moreira no contrabaixo, Ricardo Dias no piano, João Moreira no trompete e Mário Delgado na guitarra -, encantou quem esgotou a plateia do Palco Cerca, passando pela vertigem de futuro que se sente bem na entrega de Rita Vian, que fez uma belíssima e intimista apresentação no Palco Castelo, foram muitas as nuances desta canção que também é património imaterial distinguido pela Unesco que por aqui ressoaram.

No palco do Castelo apresentou-se ainda Mazgani, cantautor indie que há muito inspira um dedicado culto no nosso país, agora retribuído com uma exploração das palavras em português, bem recebidas pela atenta plateia.

Esta última etapa do MED XX não se fez só de matéria de arrepiar, no entanto. Anthony B, um desejo antigo de Paulo Silva, director artístico do festival, assinou no palco Matriz uma enérgica e carismática performance que o confirmou como um dos grandes nomes globais da maior exportação musical da Jamaica, o reggae: todo ele nervo e energia em estado puro, Anthony B elevou a temperatura da vastíssima audiência que se dispôs em frente do Palco Matriz. Este amplo espaço, aliás, esteve sempre concorrido, com as prestações dos Tabanka Djaz, verdadeira instituição cultural guineense, e do impressionante Transe Gnawa Express guiado por Samifati, a inspirarem dança, aplauso e entrega incondicional por parte dos milhares que disseram “presente”.

A noite teve outros argumentos de peso, claro, como a lição de afrobeat com colorações tropicalistas dos brasileiros Bixiga 70, referência incontornável do riquíssimo mundo musical que existe em São Paulo; a viagem afro-futurista dos incansáveis Afrotronix que cruzam ecos dos blues do Sahara com uma original e ultra-dançante visão da electrónica; e a electrónica de apelo pop dos sul-coreanos Idiotape – uma das agradáveis surpresas no cartaz deste ano. Em todos os casos, as cadências pronunciadas e os apelos constantes à movimentação foram amplamente correspondidos por um público disposto à festa. Foi de celebração, afinal de contas, que se fez este MED XX.

Com a noite já bem avançada, um fugaz encontro com o já citado casal de Santarém confirmava a ideia anteriormente apresentada: “estamos a ouvir coisas fantásticas, já nos fartámos de dançar e podemos garantir que ano que vem não faltaremos”. Olhando para os rostos de quem circula pelas coloridas e aromatizadas ruas históricas de Loulé, é seguro afiançar que a promessa de João Paulo e Ana José vai ser repetida por muitas mais pessoas.

Até 2025!

“Diário de Bordo, 20 anos Festival MED”, por Rui Miguel Abreu, crítico e radialista

CM Loulé

Loulé | MEDXX – Dia 3


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