Jogadora sueca obrigada a mostrar genital em “teste de gênero” não é exceção

Eliminada da Copa do Mundo Feminina, a Suécia tem um retrospecto de luta por igualdade de gênero e fortalecimento do futebol feminino. Dono de um currículo de peso, o país escandinavo abriga uma das ligas mais fortes do planeta. Em 2003, as suecas foram vice-campeãs mundiais e ficaram em terceiro lugar nas campanhas de 1991 e 2011. 

No entanto, o histórico de elite da potência se mescla a um episódio assustador e humilhante. Nilla Fischer, um dos maiores nomes do futebol feminino, revelou que foi submetida a um “teste de gênero” há 12 anos. A denúncia de Fischer, feita em sua autobiografia, descreve como as atletas foram obrigadas a mostrar o órgão genital para comprovar que eram mulheres antes da Copa de 2011.

– Fomos informadas de que não deveríamos raspar lá embaixo nos próximos dias e que mostraríamos nossa genitália ao médico. Pensamos: “Por que somos forçadas a fazer isso agora? Deve ter outras maneiras de provar o gênero? Devemos recusar?”. Mas, ao mesmo tempo, ninguém queria arriscar a oportunidade de jogar uma Copa do Mundo. Tem que fazer, não importa o quão doente e humilhante pareça – afirmou no livro. 

Por mais absurdo que pareça, o fato não surpreende. Isso porque historicamente as mulheres são submetidas a humilhações no esporte. 

A Trivela conta a seguir por que essa cultura de desrespeito existe e a importância da denúncia realizada pela ex-jogadora da seleção sueca. 

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“Teste de gênero” na Copa Feminina de 2011

Nilla Fischer defendeu a Suécia nos Mundiais de 2007, 2011, 2015 e 2019, edições que marcaram o “boom” do futebol feminino. Aliás, as duas últimas foram responsáveis por popularizar o tema no Brasil, com recordes de audiência na mídia. 

Enquanto a modalidade ganhava as páginas de jornais, a Fifa decidiu implementar uma medida de verificação da edição disputada na Alemanha, depois uma polêmica com atletas da seleção da Guiné Equatorial. 

Antes do início da competição, a federação da Nigéria fez uma denúncia, afirmando que as irmãs Simpore, Salimata e Bilguisa, além da meio-campista Anonman, eram, na realidade, homens. O caso foi investigado e as atletas denunciadas foram afastadas. 

O caso fica ainda pior quando a ex-zagueira sueca relata como o “exame” foi realizado. Além do momento humilhante, foi o um fisioterapeuta homem.

– Quando soube da exigência chocante, fiquei furiosa. Em meio a uma Copa do Mundo, a Fifa quer que mostremos nossa genitália. O fisioterapeuta acena com a cabeça e diz: ‘Sim’, e então olha para o médico, que está de costas para a minha porta. Quando todas em nossa equipe são examinadas, ou seja, têm suas vaginas expostas, nosso médico da equipe pode assinar que a seleção sueca de futebol feminino é composta apenas por mulheres. 

A repercussão negativa fez com que a Fifa mudasse suas políticas de reconhecimento de gênero depois deste episódio, em 2011. Atualmente, as seleções são obrigadas a assinar um documento atestando que as atletas são do gênero feminino.

Mais um caso envolvendo a Fifa

A situação constrangedora vivida por Nilla Fischer, entretanto, não se apresenta como uma novidade dentro do esporte feminino. No futebol houve um caso mais recente, com uma atleta que esteve na Copa do Mundo Feminina de 2023. 

Principal atacante da seleção de Zâmbia, Barbra Banda ficou fora da Copa Africana de Nações depois de ser “reprovada” em teste de gênero promovido pela confederação do continente. 

A Fifa não reconheceu os exames, considerados ofensivos por entidades de direitos humanos. 

O posicionamento da entidade máxima do futebol mundial evitou novo constrangimento para Banda na Copa do Mundo Feminina. A atacante atuou normalmente e anotou um gol na vitória por 3 a 1 sobre a Costa Rica, na despedida do time africano  ainda na etapa de grupos. 

Batalhas no atletismo

Antes de chegar ao futebol, os testes de gênero se tornaram parte do esporte no atletismo. Em 1966, a IAAF (Federação Internacional de Atletismo) submeteu atletas ao procedimento, atualmente discutido pela invasão pessoal aos atletas.. 

– Fui obrigada a deitar no sofá e levantar os joelhos. Os médicos realizaram um exame que equivalia a uma palpação desprezível, procurando testículos ocultos. Foi a experiência mais cruel e degradante que passei na minha vida – recordou Mary Peters, atleta britânica do pentatlo moderno na década de 1970. 

Caster Semenya, da África do Sul, em ação durante a corrida feminina de 5000m (Foto: Iconsport)

Mais recentemente, o caso de Caster Semenya movimentou o esporte mundial de maneira polêmica. Bicampeã olímpica e tri mundial nos 800m, a competidora passa por testes de gênero desde o início da carreira, ainda aos 18 anos. 

Adversárias questionaram a aparência de Semenya, que fez análises sanguíneas, cromossômicas, ressonância magnética e até exames genitais invasivos. 

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Entre proibições e liberações, a sul-africana tornou-se um dos nomes mais comentados, mas por questões além da competência na pista. Dentro das raias, Semenya, hoje aos 32 anos, tenta voltar à carreira e luta na Justiça para ter o direito a competir.

Semenya é uma mulher intersexo, com não possui ovários, apesar de na aparência externa apresentar órgão sexual feminino, e tem testículos internos “escondidos”, que produzem grande quantidade de testosterona.

Nesta batalha por justiça, Semenya conquistou uma vitória importante na Corte Europeia de Direitos Humanos, que vê discriminação sobre a sul-africana, fora das competições desde 2019, quando a Federação Internacional implementou regras para mulheres com diferenças no desenvolvimento sexual reduzirem os níveis de testosterona com medicamentos.

A Federação Internacional chegou a declarar a sul-africana como “biologicamente masculina”, o que obrigou Semenya a procurar a Justiça. Com a vitória na corte europeia, a sul-africana pode voltar a questionar as regras que a obrigam a tomar medicamentos para reduzir o nível de testosterona.


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