Armindo Laureano
27 de Julho 2023 às 12:52
Angola e São Tomé e Príncipe são dois povos amigos e irmãos. A sua relação tem traços distintos, tem uma identidade própria que resulta de um processo histórico que passou por diversas fases até atingir a expressão que temos hoje. Os angolanos olham e tratam os são-tomenses como irmãos e camaradas, e esse sentimento é recíproco. Existe um processo histórico e cultural entre os dois povos, que têm muitas ligações/relações, famílias que se cruzam, processos de luta e de libertação colonial feitos dentro de uma lógica de irmandade, espírito de liberdade e de união sólida e fraterna. Hugo Azancoth de Menezes, um dos seis fundadores do MPLA, era natural de São Tomé e Príncipe, juntou-se às causas de Angola e dos angolanos, terra que adoptou como sua, onde lutou pela sua libertação e independência, onde também se decidiu a viver, a exercer actividade profissional (era médico), a casar com uma cidadã angolana e onde criou a sua família, o que, por si, pode ser um sinal revelador de como as histórias dos dois povos estão ligadas e que estão condenados a estar juntos. Os políticos, muitas vezes, não percebem isso, não conhecem o caminho que a sabedoria nos ensina para encontrar a saída para o labirinto que a vida, às vezes, nos coloca.
Em Maio de 2018, Patrice Trovoada defendeu a resolução parlamentar que exonerou e reformou compulsivamente três juízes-conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça de São Tomé e Príncipe. Os magistrados exonerados foram aqueles que decidiram em acórdão sobre a devolução da cervejeira Rosema ao empresário angolano, Melo Xavier. Na altura, o primeiro-ministro disse aos jornalistas que “o Estado não deixará que se faça qualquer tipo de bandalha com a Rosema”. Os juízes do Supremo não acataram a decisão, e a situação foi instalada. Em Luanda, João Lourenço ia acompanhando o dossier e chegou a manifestar os seus descontentamentos por via de carta entregue a Patrice Trovoada, e esse último das duas uma: ou não percebeu o sentido e o alcance da mensagem de João Lourenço ou os desvalorizou completamente. No dia 11 de Julho, o Tribunal Constitucional de São Tomé e Príncipe, com quatro novos juízes há menos de um mês, decidiu-se a devolver a Rosema aos irmãos Monteiros, quatro anos após ter sido restituída ao empresário angolano Melo Xavier. Luanda reagiu, prontamente, por via do seu embaixador naquele país. O embaixador Fidelino Pelinganga “Menha” disse aos jornalistas locais que “Angola tudo iria fazer para defender os interesses dos angolanos em São Tomé e Príncipe”, deixando bem claro qual seria o posicionamento do nosso País em relação ao assunto. Agora temos, esta semana, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que decidiu “não dar cumprimento à decisão do Tribunal Constitucional, por não haver decisão”, acrescentando que o Tribunal Constitucional se recusou a receber o processo e a decisão.
Em finais de Agosto, Angola passará a presidência rotativa da CPLP para São Tomé e Príncipe, numa cimeira que irá juntar novamente João Lourenço e Patrice Trovoada. Sem esquecer que, face à difícil situação financeira do país anfitrião, Angola está a pagar grande parte das despesas do evento. Existe ainda a dívida de 300 milhões de USD que São Tomé e Príncipe tem com Angola, resultante do fornecimento de combustível. Ainda esta semana, Alberto Pereira, ministro dos Negócios Estrangeiros de São Tomé e Príncipe, falando para uma rádio local, teve uma atitude pouco diplomática e inamistosa, criticando o seu homólogo angolano Téte António por uma alegada inacção na cooperação com um outro país, neste caso, a Guiné Equatorial, e alegando que esse assumiu que Angola faz muitas promessas e que depois fica pelo “blá, blá, blá”. Tudo isso nos leva a aconselhar que o Governo de Patrice Trovoada devia fazer um trabalho de reflexão, a fim de se interrogar sobre as raízes históricas, políticas, económicas, sociais, humanas e culturais entre Angola e São Tomé e Príncipe. A este nível, não se pode estar a “brincar de maluco” e agir de forma inconsequente, criando um desnecessário e evitável “irritante” político e diplomático com Angola.
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