Há 35 anos, ‘Caracazo’ era ponto de virada na política

Em 27 de fevereiro de 1989, atos de rua deixaram marcas profundas que transformaram a política venezuelana. O chamado “Caracazo” foi tão expressivo para a Venezuela que moldou a forma como a população via os movimentos de rua e gerou lideranças que, mais tarde, se tornaram importantes agentes políticos do país.

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Em 1989 chegava ao fim a chamada década perdida para os países latino-americanos. Dívidas públicas altas e uma recessão econômica marcaram a última etapa dos anos 1980 para a América do Sul. Neste contexto, a Venezuela elegeu Carlos Andrés Pérez como um nem tão novo presidente. Ele já tinha comandado o país de 1974 a 1979 em uma época de forte crescimento econômico a partir da economia petroleira e prometeu retomar o período que ficou marcado como “Venezuela saudita”. No entanto, Perez implementa uma liberalização na economia a partir de um memorando assinado com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

No dia 25 de fevereiro de 1989, o governo assina o documento com o Fundo para a liberação de US$ 4,5 bilhões (R$ 22 bilhões) em empréstimo. Em contrapartida, promoveria um pacote que incluía a desvalorização da moeda venezuelana, o bolívar, redução do gasto público e do crédito, aumento nos itens de primeira necessidade e um reajuste que dobraria o preço da gasolina. O problema é que nada disso havia sido mencionado para a população durante a campanha eleitoral.

::O que está acontecendo na Venezuela?::

Dois dias depois, em 27 de fevereiro, as manifestações começaram bem cedo, antes das 6h da manhã dispersas por Caracas e cidades vizinhas como La Guaira, Catia La Mar e Guarenas. O que, à princípio, se caracterizava como uma revolta contra o aumento dos preços das passagens ganhou proporção nacional e passou a ser um protesto contundente contra a política de Perez.

A polícia reprimiu e os atos foram ganhando proporções cada vez maiores. No dia seguinte, o presidente anunciou em cadeia de televisão nacional, toque de recolher e a suspensão das garantias constitucionais. Com isso, a repressão aumentou violentamente. 

Segundo o professor de história da Universidade Central da Venezuela Lionel Muñoz Paz, mesmo que o governo de Perez tenha ficado no poder até 1993, o Caracazo foi um “ponto de inflexão” na história do país. “Pode se falar de uma Venezuela antes e uma Venezuela depois do Caracazo. Foi uma convulsão social resultante da confluência de vários fatores críticos. Estou falando da descrença das pessoas comuns nas instituições políticas”, disse ao Brasil de Fato.

O nome “Caracazo” veio do nome da capital, Caracas, e foi inspirado em grandes protestos que haviam acontecido na capital colombiana, Bogotá, conhecidos como “Bogotazo”. Ao todo, organizações sociais e familiares de vítimas contabilizaram 396 mortes a partir dos confrontos daqueles dias.

A maneira como se desenvolveu o “Caracazo” mudou a percepção da população sobre a forma de fazer política e colocou em xeque o sistema democrático representativo. Segundo o historiador Carlos Franco Gil, passam a surgir novos atores políticos e novos grupos políticos, tanto à esquerda como à direita.

“O ‘Caracazo’ foi um movimento exponencial. Surgiram outras formas de fazer política a partir das organizações sociais populares. Há um esgotamento do que é capacidade da cidadania de incidir no sistema político. O ‘Caracazo’ também é uma forma que a sociedade se mostrou para estar presente em um sistema que dava poucas oportunidades de participação. Havia poucas formas de exercer a democracia de forma direta e participativa”, disse. 

Além da crítica para o sistema que estava vigente, o “Caracazo” expôs uma cobertura midiática que tinha interesses políticos e também sedimentou as bases para o surgimento de novas lideranças, especialmente o ex-presidente Hugo Chávez.

“Foi uma convulsão social que abriu caminho para o surgimento de uma nova Venezuela com líderes que depois souberam expressar as aspirações daquele país que convulsionou em 27 de fevereiro de 1989. E essa decepção de o povo encontrará expressão numa liderança que emergiu do coração dos quartéis em 4 de fevereiro de 1992. Estou falando do presidente Chávez”, afirmou Lionel Muñoz Paz.

Os 35 anos do movimento foram celebrados pelo presidente Nicolás Maduro. Em seu perfil na rede social X, o chefe do Executivo disse que o movimento foi uma “rebelião popular sem precedentes”. “[A manifestação foi] levada a cabo pelo corajoso povo venezuelano que se levantou aos milhares em protesto contra a falsa democracia que os mergulhou em miséria e desesperança”, disse. 

Edição: Rodrigo Durão Coelho


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