A Guiné-Bissau está a importar cerca de 150 mil toneladas de arroz por ano e a enfrentar sucessivas crises, quando tem condições para suprir as necessidades internas e vender, defenderam especialistas ligados ao setor em entrevista à Lusa.
O arroz é a base da alimentação da população guineense, que viu o preço disparar nas últimas semanas, com a decisão do Governo de acabar com as subvenções às empresas importadoras.
O preço ao consumidor do saco de 50 quilos do arroz mais procurado passou de 17.500 francos cfa (26 euros) para 21.500 francos cfa (32 euros).
“A Guiné está a comprar fora e tem possibilidade de produzir duas vezes por ano sem problema nenhum e isto dá para alimentar a Guiné-Bissau”, disse à Lusa o agrónomo Tomani Camará.
Como referiu, o país tem quatro subsistemas de produção, nomeadamente tem no sul a maior bacia para bolanhas (terrenos com arrozais) de água salgada, ter águas de lagoas (bas-fond), água doce e planalto para cultivar arroz.
Tomani Camará destaca “a grande potencialidade que a Guiné tem nas bolanhas de água doce, por exemplo na bacia do rio Geba”.
“Infelizmente, até agora, não há nenhuma barragem, nenhuma albufeira para retenção de água porque se nós conseguirmos reter a água, podemos fazer facilmente duas culturas de arroz por ano nesse sistema e melhorar a produtividade”, considera.
A Guiné-Bissau, como refere, sempre foi um produtor de arroz, mas “a partir de meados dos anos 80, começou a comercialização da castanha de caju e começou a haver muito êxodo rural para as grandes cidades, principalmente para Bissau”.
Foi aí, continua, “que começou a troca de saco de arroz por saco de caju e, como o arroz exige muita mão-de-obra, as pessoas abandonaram a bolanha e começaram a cultivar caju”.
“De 89 para cá, a Guiné-Bissau transformou-se numa mata de caju de uma forma desorganizada”, observa Tomani Camará.
Com a incerteza que tem marcado as campanhas de caju, as pessoas começaram a regressar às bolanhas de água salgada com a ajuda de projetos financiados por parceiros internacionais, conta.
O agrónomo considera que a agricultura, responsável por “mais de 80% do emprego” nacional “devia estar no centro da política económica”, mas não há investimentos.
“Nós temos que inverter essa situação mesmo a nível do Orçamento do Estado. O que é destinado ao Ministério da Agricultura anda à volta de 1,5%, 2%, que dá só para pagar salários”, ilustra.
“Na década de 1980, os jovens queriam fazer agronomia, agora não querem porque o Ministério da Agricultura é o que tem o salário mais baixo a nível da Administração Pública”, acrescenta.
Para desenvolver a agricultura, o agrónomo, que é professor na universidade Amílcar Cabral, defende que é também preciso apostar na formação dos jovens, criar linhas de crédito para os agricultores, desenvolver as zonas rurais, sobretudo com infraestruturas, com destaque para as estradas que faltam em todo o país.
No país, não há, também, “indústrias agrícolas, a energia é cara, nas zonas rurais só chega através de geradores, [o que] limita o desenvolvimento da atividade”.
Outro investimento que aponta como necessário é na edução alimentar, já que ao contrário do que acontecia antigamente, em que a população comia uma multiplicidade de alimentos, agora já só consome arroz.
“Pequeno-almoço, almoço e jantar é arroz, isto inflaciona a necessidade de arroz. Temos de diversificar para diminuir a balança comercial, mas também a nível de saúde”, defende.
Diversidade é o que não falta no país onde as pessoas se fixaram no caju “e deixaram de pensar nas outras plantas”, como diz à Lusa o agrónomo Camilo Baldé.
O técnico dá como exemplo a manga, “que podia haver todo o ano”, que a Guiné-Bissau podia colocar na Europa, mas que está subaproveitada.
O mesmo acontece com a banana “a apodrecer nas matas”, o ananás ou a cola porque “não há estradas, nem como transportar” estes produtos.
“A Guiné-Bissau é um país rico, só a chuva dá para comer. É dar mão-de-obra às pessoas que estão cá, transformar as produções locais”, afirma.
Para Camilo Baldé, o problema só se resolve quando, como lhe dizia há uns anos um diplomata, a Guiné-Bissau conseguir acabar com a “bolanha de Pidjiguiti”, no porto de Bissau.
A “bolanha” de barcos das importações de Bissau, incluindo arroz, que só pararão de chegar quando o país começar a produzir.
Crédito: Link de origem
Comentários estão fechados.