A Copa do Mundo de 2023 segue em pleno vapor na Austrália e Nova Zelândia, com a definição das oito seleções que seguem vivas na busca pelo título da maior edição da história. Para Espanha, Holanda, Japão, Suécia, Austrália, França, Inglaterra e Colômbia, o momento é de festa e foco no próximo objetivo. Já para o Brasil, a sensação de frustração e incredulidade pela precoce eliminação demora a se esvair. O país fez a sua pior competição desde o Mundial experimental de 88, encerrando sua participação num melancólico 18° lugar. E para acentuar o drama, viu a Colômbia, Vice-Campeã da Copa América, assumir o posto de maior protagonista do continente neste Mundial, com a inédita classificação às quartas de final.
Enquanto nas redes sociais proliferam os comentários emocionados das atletas brasileiras agradecendo o apoio do torcedor e buscando um pouco de paz diante de tantas críticas, o trabalho da sueca Pia Sundhage recebe forte oposição da maioria dos torcedores e especialistas. E também conta com inflamados defensores, que constantemente relembram o passado vitorioso da treinadora nos EUA.
O grande problema deste ciclo de derrotas para a Seleção Feminina, está exatamente na falta de cobranças e correção de rumo ao longo do trabalho. As mostras de instabilidade sempre rondaram as apresentações desta Seleção na era Pia. Derrotas absurdas em torneios amistosos contra o Chile e a China eram menosprezados por grande parte da mídia e seguidores, assim com campanhas bastante modestas nos principais Torneios preparatórios, disputados na França e EUA. A realidade, é que mesmo na vitoriosa campanha invicta da Copa América, o Brasil teve seus momentos de pouco brilho, como na fraca apresentação na final diante da Colômbia, que terminou com vitória brasileira por 1 X 0.
Vale lembrar que a participação brasileira nas Olimpíadas de Tóquio já escancararam os problemas nas apostas táticas comissão técnica do Brasil. A derrota para o Canadá na disputa por penalidades nas quartas de final foram um sinal claro de que ofensivamente o Brasil estava muito distante dos seus melhores dias. E muito pouco foi cobrado do grupo e da nossa treinadora desde então. A adoção de um padrão totalmente europeu à nossa Seleção é algo que contraria as raízes do futebol feminino brasileiro. Kerolin, uma atacante promissora nas seleções de base revelada pela treinadora Ana Lúcia Gonçalves na Ponte Preta, assim como Antônia, zagueira de ofício, jogaram em posições bastante diversas das habituais.
A falta de uma referência a altura de Cristiane também cobrou seu preço nas eliminações ocorridas. Talvez também a cobertura excessivamente focada na vida privada e opções de relacionamento das atletas, ainda que importante nos aspectos de cidadania e luta pela igualdade, tenha ajudado a tirar o foco da necessidade de trabalho e total concentração a cada etapa do Mundial. Copa do Mundo certamente não é colônia de férias para encontros e celebrações antes da hora… E assim ficou órfão o torcedor daquele futebol alegre e ofensivo, de total entrega das gerações passadas. Tempos saudosos de Sissi, Roseli, Kátia Cilene, Formiga, Daniela Alves, Pretinha, Cristiane e da própria Marta…
Pia Sundhage teria declarado em mensagem ao Presidente da CBF que quer continuar até as Olimpíadas. Mas uma lição que o futebol impõe há décadas no nosso País, diz que quando os resultados são ruins, a mudança precisa ser considerada. e não se pode creditar um fracasso deste tamanho apenas à nossa treinadora. Todos os envolvidos na gestão da seleção feminina, e também as lideranças no grupo de jogadoras, precisam sair do cercado das redes sociais e assumir novas posturas. Em uma situação de crise vivida em 95, após o Mundial da Suécia, alteramos toda a estrutura da gestão à parte técnica, e chegamos ao top 4 do Mundo nas Olímpiadas de Atlanta, criando as raízes de uma geração que manteria o protagonismo do país no Mundo, atravessando duas décadas.
O Brasil tem jogadoras muito talentosas subindo da base, como Aline Gomes e Dudinha, reveladas pela técnica Simone Jatobá na Seleção Sub-17, e fruto dos competentes trabalhos de base de Ferroviária e do São Paulo, respectivamente. Ambas podem mudar substancialmente a qualidade técnica da Seleção. Assim como é necessário que as atletas em melhor condição técnica tenham oportunidades, independentemente de serem ou não veteranas. O Brasil tem força e talento para superar esta crise e reconquistar o protagonismo perdido e o carinho da torcida. Mas precisa urgentemente redescobrir a própria identidade no futebol. Nunca venceremos, se quisermos apenas imitar as europeias.
Em 2024 teremos uma oportunidade única de apagar a tristeza deste Mundial, nas Olimpíadas de Paris. Existem treinadoras estrangeiras que compreendem bem as nossas características, como Corinne Diacre, que revolucionou a Seleção Francesa. Temos no Brasil a Simone Jatobá, medalhista Olímpica que tem formação europeia como treinadora, mas que carrega os ensinamentos de grandes mestres do nosso futebol, como o saudoso Zé Duarte, na sua forma de trabalho. Simone é a primeira mulher a conquistar como treinadora um Sul-americano Feminino de Seleções, e e tem na conexão com as jogadoras um ponto forte no seu trabalho. Temos também a Lindsay Camila, primeira mulher a conquistar a Libertadores Feminina, e que também tem dois títulos mineiros no currículo. Outro nome igualmente que merece menção é do treinador Marcelo Frigério, o Tchello, que tem uma longa experiência em clubes e no meio universitário, sendo um grande defensor do futsal nos processos de formação das atletas do futebol, tendo realizado trabalhos inovadores pela Guiné Equatorial e pelo Paraguai.
Nenhuma lista ficaria completa sem o nome de Arthur Elias, o treinador mais vitorioso entre clubes na atualidade, colecionando títulos no comando de um Corinthians que também se renova diante de obstáculos, como na eliminação da Libertadores de 2022. Arthur tem méritos importantes no trato com atletas veteranas sem prescindir da renovação de talentos, apresentando conhecimento e resiliência ao logo do seu histórico com a modalidade. Inconcebível, como uma das principais estudiosas do futebol no nosso continente, a experiente Ana Lúcia Gonçalves, não tenha tido a oportunidade de emplacar um novo projeto no futebol feminino do Brasil desde o acesso do Palmeiras para a Série A-1. Provavelmente seria um dos grandes nomes nesta relação. A bola está com a diretoria da CBF, que nas próximas semanas deve apresentar uma decisão.
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