Francisco Cipriano, o barbudo que se tornou um ícone de moda aos 40 anos – NiT

Aos 40 anos, Francisco Cipriano tinha os interesses bem definidos. A rotina dividia-se entre dezenas de viagens, muitas horas a praticar surf e alguns projetos na área da administração pública. Pelo meio, até lançou um livro sobre a modalidade que, numa altura de cansaço, o libertou do “peso institucional” que sentia.

Em 2009, quando menos esperava, deu-se uma reviravolta. Num dia, estava a comprar sapatos na rua Augusta, em Lisboa, e foi abordado por uma estranha. “Já pensou em fazer campanhas ou publicidade?”, perguntou-lhe. O “não” foi imediato, mas a verdade é que o tópico estava guardado numa gaveta na sua cabeça.

“Deu-me um cartão, guardei-o e isso despertou-me a atenção para as pessoas à minha volta, que apareciam nos anúncios”, recorda à NiT. “Percebi que podia ser uma dessas pessoas, então, decidi bater à porta de algumas agências. De repente, tinha imensas oportunidades na área.”

Desde então, Francisco, atualmente com 55 anos, surgiu em passarelas, revistas de moda e campanhas publicitárias. Com um cabelo grisalho e uma barba farta, tornou-se um dos poucos rostos séniores no mundo da moda. Porém, há muito que deixou para trás o título de modelo — prefere ser visto como “uma personalidade”.

Nascido no Bombarral, em Leiria, veio estudar para Lisboa nos anos 80 e formou-se em Geografia e Planeamento Regional e Local. Na pausa dos estudos, inscreveu-se numa agência de moda onde fez o seus primeiros trabalhos. “Tinha parceiros como o Paulo Pires ou o Ricardo Carriço, que estavam a começar”, conta.

Francisco para a marca YChrome.

Quando concluiu a licenciatura, as responsabilidades levaram-no a priorizar a carreira na administração pública, onde continua a trabalhar a tempo inteiro. Abandonou o mundo das campanhas até que, duas décadas mais tarde, aquela anónima que o abordou despertou novamente o bichinho. Mesmo tendo um perfil diferente, encontrou o seu lugar.

“As agências disseram-me que precisavam de alguém para este segmento. Queriam pessoas com mais de 40 anos, mas com bom aspeto e uma postura cuidada. Por que não tentar?”

Seguiram-se anúncios para carros, bancos ou seguradoras. O rosto de Francisco ainda não estava adornado com os pelos que o caracterizam e foi aproveitando as oportunidades que surgiam até que, explica, “aquilo esgotou-se”.

Quando disse que queria entrar no mundo da moda, houve alguma resistência. Francisco ouviu que queriam pessoas jovens, mas mantinha-se atento ao que se fazia lá fora — onde se organizavam desfiles só com modelos séniores. Apesar da falta de confiança das agências, mantinha um lema. “Só paro quando me estatelar no chão.”

Muita água pela barba

A ideia da barba surgiu quando viu a fotografia de um australiano, pela lente de um fotógrafo inglês, com o rosto coberto de pelos. E não recuou: entrou em contacto com Brock Elbank, o responsável pelo retrato, e disse-lhe que queria que o fotografasse. O único critério? “Só me conseguia avaliar com barba”, diz Francisco.

Pragmático, o português fez uma longa viagem pelo sudeste asiático. Durante três meses, não pegou em lâminas e, para terror da agência, chegou irreconhecível a Lisboa. Disseram-lhe que seria o fim dos trabalhos em publicidade, mas havia um novo percurso a começar.

O retrato de Brock Elbank.

Francisco apanhou um avião para Londres para se reunir com o britânico, que o recebeu num estúdio improvisado na sala de estar. Só tinha uma questão na cabeça — “onde é que me vim meter?” —, mas deixou-se levar pela espontaneidade do artista.

As imagens foram usadas no projeto #Project60, que se tornou uma campanha de sensibilização para o cancro da pele. Assim que chegou a casa, abriu a página de Instagram e tinha ganho milhares de seguidores graças a uma publicação com o resultado, incluindo o da exposição em Londres, em 2014. “A partir daí, [a carreira] estourou.”

Dos primeiros desfiles ao êxito internacional

Após o sucesso, Francisco mudou de agência e bateu à porta do designer Nuno Gama. O criativo adorou o que tinha à sua frente e convidou-o para abrir o desfile, que acontecia em menos de uma semana.

“Recordo-me que era a única pessoa com um barbão e um fato inteiro clássico, então criou impacto”, diz. “Mas aquilo é efémero. Temos menos de um minuto para passar uma boa imagem, quase nem dá para respirar.”

Seguiram-se oportunidades lá fora, como uma campanha para a Mercedes-Benz e mais uns quantos desfiles. O destaque vai para a apresentação da insígnia Billionaire, do designer Phillip Plein, na semana da moda de Milão.

“Foi diferente de todos os outros, porque quem desfilava eram os visitantes. Havia um modelo a ser tatuado ao vivo, pessoas com máscaras venezianas e uma sala de orgia, com modelos nus, a beber champagne As pessoas passavam, em pequenos grupos, por um caminho marcado por luzes.”

Fora das passarelas ou dos editoriais, manteve sempre o estilo camaleónico que, ainda hoje, o define. “Vou à praia de manhã com um ar de surfista, mas se precisar de fazer uma palestra numa embaixada, por exemplo, transformo-me e apareço de fato.”

“[A moda] perdeu o sentido”

Se quando começou se assumia como manequim, a verdade é que o mercado mudou. Francisco afirma-se como um pioneiro que bateu o pé, mas sublinha que, atualmente, há centenas de pessoas com a mesma imagem, disponíveis para um anúncio ou a fazerem fila à porta dos designers nacionais.

“A moda, para mim, perdeu o sentido. Quero apostar em marcas que me vejam não só como pela imagem, mas como uma personalidade ou um representante do meu estilo de vida”, refere. “Já não me chamam para a ModaLisboa e, se chamassem, não estaria interessado.”

A importância da parceria com a Mercedes-Benz, em 2019, deve-se a essa oportunidade de mostrar quem era. Por trás da campanha, havia um storytelling sobre alguém capaz de mudar de vida, que faz surf e mistura vários interesses, desde eventos culturais à missão de subir Kilimanjaro, tal como fez.

Adora surf e montanhas.

“Já não me sinto confortável se me meterem de fato de banho, na praia, ou num universo com muitos jovens. Sinto-me completamente deslocado entre pessoas de 19 anos e, apesar de não fazer má figura, não quero ser criticado. Gosto de me sentir confortável.”

Hoje em dia, está associado a uma marca norte-americana, a YChroma, que se atreve a agarrar na personalidade carismática de Francisco — e tudo o que o seu estilo de vida representa.

E, se ainda recebe comentários desagradáveis, são mais os que o aplaudem ou agradecem por abrir caminho. Alguns afirmam que o seu exemplo as ajudou a serem mais arrojadas visualmente, outras que deixaram de ter medo de praticar alguma modalidade desportiva.

Esta resposta foi importante para Francisco se libertar de muitas amarras. “No trabalho, passava pela senhora da cantina e ficava aterrorizado quando me chamava modelo”, confessa. “Passava na portaria, um colega dizia que me viu na farmácia e não queria que ninguém o ouvisse.”

Agora, o seu projeto de vida é precisamente conseguir orgulhosamente fazer tudo ao mesmo tempo — trabalhar outro livro — como “Portugal Surf Guide” —, escrever guiões para documentários ou continuar com projetos de cooperação internacional. “A minha missão é não ter receios de fazer essa mistura.”

Se no mundo da moda pouco lhe falta concretizar, fora dela ainda há muitas viagens que quer fazer. “Há uns quantos montes que gostava de subir”, conclui. “Esta coisa da moda terá um fim natural, em que vou começar a deixar de ser visto como um modelo e tornar-me numa personalidade.

Carregue na galeria para ver mais algumas imagens de Francisco Cipriano.

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Maritz Leisen

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