A política de relações exteriores da Argentina sob o governo de Javier Milei tem se mostrado “amadora” e o alinhamento com os Estados Unidos (EUA) pode prejudicar as relações na região, segundo o último embaixador argentino em Caracas, Oscar Laborde. Em entrevista ao Brasil de Fato, ele disse não estar otimista sobre as relações entre os dois países por causa de ações que indicam “desequilíbrio mental” do presidente argentino.
“Acho que Milei está mostrando um amadorismo impressionante na sua gestão, sobretudo nas relações exteriores, uma obsessão de acenar aos EUA, a tudo que os EUA pedem, o que pode causar dificuldade.”
“Espero que não, mas sou muito pessimista com o que Milei pode apresentar, porque até agora está trabalhando com parâmetros pouco habituais, de desequilíbrio mental pelas ações que ele tem”, disse ele.
Avião
As relações entre Venezuela e Argentina estremeceram desde a posse de Milei, mas mesmo antes mesmo de assumir, o argentino já havia dito que cortaria relações diplomáticas com os venezuelanos e prometeu tirar o embaixador de Caracas. Três meses depois de assumir, Milei não tem um embaixador no país e foi pivô de uma crise com o governo de Nicolás Maduro.
O argentino enviou aos Estados Unidos o avião da estatal venezuelana Emtrasur que estava retido desde 2022 em Buenos Aires. Em resposta, o governo venezuelano fechou o espaço aéreo para aviões argentinos.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o último embaixador argentino em Caracas, Oscar Laborde, disse que esse foi o primeiro passo de uma relação que promete piorar nos próximos anos.
“O dano principal até agora é que o governo tenha sido cúmplice da extradição de um avião legal. Há essa provocação, esse alinhamento incondicional com os Estados Unidos desrespeitando o que havia dito a Justiça. Vão piorar as relações. E aí é de onde falo da ideologização. Prejudica as relações exteriores entre dois países autônomos, onde cada um, independente do presidente que está no comando, tem um sistema próprio para além da ideologia, sobretudo a ideologia de alinhamento incondicional com os Estados Unidos”, disse.
Acusações
A relação entre os países esquentou depois do episódio do avião. O chanceler venezuelano, Yván Gil, chamou o governo de Milei de neonazista nas redes sociais. O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, disse que a medida é roubo e classificou Milei como “louco”. O porta-voz da Casa Rosada rebateu e disse que estava tomando medidas diplomáticas contra o governo de Nicolás Maduro.
“A Argentina iniciou ações diplomáticas contra o Governo da Venezuela, chefiado pelo ditador Maduro, após a sua decisão de impedir a utilização do espaço aéreo do país por qualquer aeronave argentina, com os danos que isso acarreta para o nosso país”, disse Adorni.
Oscar Laborde havia assumido a embaixada em julho de 2022. Na Argentina, a lei de serviços exteriores determina que “embaixadores políticos” são os diplomatas que não são de carreira e só podem exercer sua função enquanto estão sob mandato do presidente responsável pela indicação. Esse foi o caso de Laborde, que não teve o mandato renovado por Milei depois de 10 de dezembro de 2023.
Buenos Aires estava sem embaixador desde 2015. A decisão de não ter um embaixador foi tomada pelo ex-presidente Mauricio Macri.
Alberto Fernández assumiu em 2019 e manteve o país vizinho sem embaixador em Caracas até a entrada de Laborde. Nesse período, a embaixada ficou sob comando de um encarregado de negócios, o diplomata de carreira Eduardo Porretti. Agora, com Milei, o cargo voltou a ser ocupado por um encarregado de negócios.
“A embaixada argentina em Caracas está funcionando, mas as relações entre os países mudou porque Milei tem uma posição ideológica para toda a América Latina, o que é um problema. O que está fazendo na Venezuela também, sobretudo por esse incidente do avião. Ficou um encarregado de negócios interino, uma figura que existe, assim como o Brasil também teve durante o ano passado em Caracas e agora tem uma nova embaixadora. Obviamente que, para as questões comerciais e diplomáticas, isso representa um rebaixamento no nível das relações”, disse.
O movimento de Milei vai na contramão das relações comerciais entre os países. Nos últimos anos, a balança comercial entre Venezuela e Argentina tem sido favorável aos argentinos. Em 2022, os argentinos exportaram cerca de US$ 172 milhões aos venezuelanos, a maioria em cereais (49%) e vegetais, raízes e tubérculos (31%). No mesmo período, os venezuelanos vendiam cerca de US$ 2,94 milhões, grande parte em fertilizantes (38,5%).
Para o embaixador, apesar da postura do presidente argentino, a perspectiva é de que os negócios se mantenham.
“Creio que não [mudam as relações comerciais]. Há uma associação de produtores argentinos na Venezuela que está trabalhando para que não mude as questões de comércio e vendas. Sempre um clima de época, sempre é melhor quando as coisas estão bem. Mas o que eu vejo até agora é que podemos manter o comércio entre os privados”, afirmou.
::O que está acontecendo na Venezuela?::
Os valores das trocas entre os países, no entanto, já foram muito maiores. Durante o governo da ex-presidente Cristina Kirchner, a venda de produtos argentinos aos venezuelanos alcançaram US$ 2,22 bilhões (R$ 11 bi) em 2012. A queda na balança comercial entre os países se deu muito
Segundo Laborde, os bloqueios e a consequente subserviência aos Estados Unidos do governo de Milei ajudam nessa redução
“Pragmaticamente acho que vai piorar, mas espero que não escale para uma coisa maior. Com decisões maiores de interromper relações, ou alguma medida mais extrema, comercialmente vão continuar e as relações entre povos vão continuar. Diplomaticamente temos que esperar as resoluções de um governo que tem em sua chanceler e seu presidente uma mescla de amadorismo, ignorância e uma condição de alinhamento incondicional com os Estados Unidos”, disse o ex-embaixador.
Laborde também falou sobre a necessidade da articulação entre países da América do Sul, mesmo com diferenças tão grandes entre os diferentes governos.
“Um bom exemplo é o da Unasul [União de Nações Sul-Americanas], quando haviam governos claramente identificados com posições de direita, como o Sebastian Piñera no Chile e o Juan Manuel Santos na Colômbia, que não eram progressistas ou de esquerda, mas conviviam muito bem e a Unasul funcionou. Sem isso, vai ser muito difícil para nós atuarmos em um mundo que tem tanta tensão entre China, Rússia, Estados Unidos e Europa e seus aliados”, disse.Para ele
Edição: Rodrigo Durão Coelho
Crédito: Link de origem
Comentários estão fechados.