Eça de Queiroz, do universo da comida à experiência em Portugal

Em um debate recente na Universidade Nova de Lisboa, onde realizo minha pesquisa de pós-doc na área de jornalismo e gastronomia, uma das pautas foi o lugar da comida e dos hábitos alimentares na cultura. Algo que, aqui entre nós, defendo com veemência.

Para além da questão teórica, a conversa me remeteu a uma visita recente ao hotel MS Collection, em Aveiro, ao norte de Portugal. O hotel, o primeiro cinco estrelas da cidade famosa por seu canal que liga as águas doces às salgadas, é uma homenagem ao escritor português Eça de Queiroz (1845-1900).

O restaurante Prosa tem vistas para o painel de Vhils, que homenageia Eça de Queiroz. Foto: Gisele Rech

De quebra, tem carta de seu restaurante, não à toa batizado de Prosa, assinada pelo chef duas estrelas Michelin, Rui Paula.

Mas, antes de entrarmos no mérito do menu e das experiências gastronômicas do Prosa e do hotel, peço para um breve adendo para o diálogo do célebre escritor português, autor de obras como Os Maias e O Primo Basílio, com a gastronomia. Lá e cá, nos textos do escritor, a comida aparece como pano de fundo, especialmente em reuniões de personagens ou como objeto de status social, especialmente na fase realista do escritor.

Nessa confluência, encontro o livro assinado pela saudosa Maria Lourdes Modesto, uma das principais referências da gastronomia portuguesa, com introdução da investigadora brasileira Beatriz Berrini, falecida em 2015.

Em “Comer e beber com Eça de Queiroz”, há referências a receitas citadas pelo escritor em suas obras. É o caso dos Ovos com Chouriço ou a Cabidela. Sim, o prato feito com o sangue da galinha, com produção limitada no Brasil, é de origem lusa.

Confesso que não tive tempo hábil de me debruçar sobre a obra, o que a vida cotidiana nem sempre nos permite. Mas, o livro já está na minha lista de leituras.

Prosa “poética” em Aveiro

“É o comer que faz a fome”, dizia Eça de Queiroz. É com essa frase emblemática que o Prosa, o coração do MS Collection Aveiro, nos convida para uma viagem gastronômica, com carta assinada pelo chef Rui Paula (Casa de Chá da Boa Nova, DOC e DOP) e muito bem executada pela equipe super bem treinada e gentil.

Há pratos à la carte e três opções de menu degustação: exploramos os “IV momentos”, com quatro pratos, seleção de pães, amuse-bouche e snack (60 euros) e pedimos a opção com harmonização.

No menu, de trás para frente, tem Pão-de-ló tostado com creme de ovos, avelã e limão e o punch do sorvete de canela.

Páo-de-ló tostado com creme de ovos, avelã, limão e sorvete de canela. Foto: Gisele Rech

Como principais, Barriga de Leitão da Bairrada com pele super crocante – a nossa pururuca. Também tem Salada de Bacalhau com Grão-de-Bico e Azeitona.

 

Para abrir o apetite, tem croquete de alheira trasmontana com maionese de alho e gel de pimentão e o amuse-bouche, um corneto de bacalhau com massa brick de tinta de choco e pó de azeitonas.

No acompanhamento da refeição, tem Pão de Azeitona, servido quentinho, com azeite Vila Flor, tapenade de tomate e manteiga de anchovas.

Para beber, fomos de Tormes – uma homenagem ao personagem de A Cidade e as Serras), rótulo de vinho verde de Arinto e Avesso, encomendado da Fundação Eça de Queiroz à Lima & Smith. Teve ainda o Vadio, tinto de bagas da Bairrada e o Ribeiro Santo, colheita tardia do Dão, 100% Encruzado, para a sobremesa.

A seleção de vinhos inclui Tormes, da Funcação Eça de Queiroz. Foto: Gisele Rech

No café da manhã – ou pequeno-almoço, como se diz cá, em Portugal – não poderiam faltar os doces típicos de Aveiro, em especial os ovos moles, com recheio de gemas e massa que parece hóstia, que levam o selo de Indicação Geográfica. Aliás, na cidade, há uma oficina que ensina todos os segredos da iguaria, sobre a qual, prometo, falarei em outra ocasião.

Doces típicos de Aveiro, ao Norte de Portugal. Foto; Gisele Rech 

Quem quiser também pode aproveitar o bar do restaurante prosa, que tem coquetéis também inspirados na obra de Eça: desta vez, em lugares emblemáticos onde se passam as cenas dos personagens do autor.

Coquetel do Prosa. Foto: Gisele Rech

Experiência imersiva

O MS Collection, perto do centrinho de Aveiro, foi construído em um palacete onde o pai do escritor viveu quando jovem. Já na entrada, há uma imponente escada com tapete vermelho e uma sala com uma estante forrada com obras de Eça.

Na entrada do hotel, há uma sala com obras de Eça de Queiroz. Foto: Gisele Rech

Na vitrine, há uma exposição de objetos que pertenceram a ele, que muda de tempos em tempos e faz parte do acervo da Fundação Eça de Queiroz.

Os quartos são uma atração à parte, com destaque para as exclusivas suítes Carlos da Maia e Maria Eduarda (cujas diárias giram em torno de 330 euros, a depender da época) , que remetem aos personagens centrais de Os Maias, que, inclusive, virou minissérie da Rede Globo.

A mim, dos 39 cuidadosamente personalizados, coube o batizado de Jacinto Tormes, o personagem principal de um dos últimos livros de Eça, A Cidade e as Serras (neste quarto, a diária ronda os 270 euros). Na obra, o escritor faz um contraponto entre a cidade grande – Paris – e a vida no campo – a região do Douro. Qualquer semelhança com a vida do autor não é mera coincidência. Para decoração, o ponto alto são os móveis em forma de baús de transportes, narrados em um capítulo inteiro da obra.

Os móveis dos quartos, que levam nomes de personagens, fazem referência à obra de Eça. Foto: Gisele Rech

Para deixar o hotel ainda mais afeito a Eça de Queiroz, a direção contratou o artista Vhils para projetar um painel esculpido em concreto, que fica na área da piscina externa e pode ser visto de dentro do restaurante Prosa.

E, por falar em piscina, o hotel também tem uma versão aquecida, que fica na área do spa. Um puro convite ao descanso e ao relaxamento.

Mais informações: @mscollection.aveiro


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