Defendendo o imperialismo a favor da Venezuela? • Diário Causa Operária

No dia 31 de janeiro, última quarta-feira, o portal do grupo esquerdista argentino Política Obrera publicou artigo de ataque virulento ao governo da Venezuela, intitulado “Maduro volta a proscrever a oposição, Estados Unidos reimpõem sanções contra Venezuela”. Segundo o agrupamento:

“A camarilha de Maduro recorreu mais uma vez ao método que conhece melhor para permanecer no governo indefinidamente: banir a oposição. Desta vez são, mais uma vez, María Corina Machado, a quem se mantém a inabilitação imposta em 2015 por omissão de dados em sua declaração juramentada quando era deputada, e Henrique Capriles. Machado foi escolhida como única candidata em eleição interna da oposição; embora não se defina como ‘libertária’, é parente do argentino Milei. Capriles seria, com as devidas ressalvas, uma espécie de Sergio Massa. Maduro representa uma camarilha auto-reprodutora que alcançou, pelo menos em grande parte, o que Milei deseja: a dolarização de facto da economia e a sua consequência: um crescimento brutal da desigualdade de rendimentos e da miséria social. Um confronto eleitoral entre Maduro e Machado seria inteiramente reacionário, e Machado venceria com folga.”

Ao que parece, o governo Maduro, para o agrupamento argentino, teria a intenção de se manter no poder a qualquer custo. A matéria não fala das tentativas de golpe e assassinato que enfrenta o presidente venezuelano, que conta com amplo apoio popular. Demonstração deste apoio popular é o fato de que, na Venezuela, não há uma convulsão social, apesar de os candidatos retirados da eleição contarem com o apoio direto do imperialismo, contra Maduro.

Em primeiro lugar, quem é María Corina Machado? Ex-deputada no parlamento venezuelano, Corina Machado foi cassada em 2014 por aceitar o cargo de embaixadora do Panamá na Organização dos Estados Americanos (OEA), que serviria, segundo ela, para “denunciar a violência do governo” contra os protestos golpistas movidos pelo imperialismo à época na Venezuela — a tal repressão violenta se mostrou mais tarde uma farsa completa. Pelo contrário, os “protestos” da oposição, as chamadas guarimbas, chegaram a queimar pessoas vivas por serem identificadas com o chavismo. A OEA, como é notório, se trata de uma sucursal do Departamento de Estado dos EUA e defende as posições do imperialismo a todo momento.

Machado ainda foi uma apoiadora do golpista auto-pronunciado presidente Juan Guaidó, e elogiada por este ao vencer as primárias da oposição em 2023. Maria Corina também foi a criadora, em 2002, da ONG golpista Súmate, na Venezuela, que organizou um referendo revogatório contra o então presidente Hugo Chávez, que saiu vencedor mesmo assim. Após a tentativa de golpe, os diretores da Súmate foram acusados de receber dinheiro do National Endowment for Democracy (NED), uma fachada da CIA. Ela ainda foi uma defensora do bloqueio imposto pelos EUA à Venezuela e de uma insurreição armada contra o governo nacionalista.

Machado é acusada pela Controladoria-Geral da República pela “existência de fundos administrados por justificar, o que representou uma porcentagem de 50% dos fundos administrados no período avaliado” por investigação patrimonial, o que parece uma acusação genérica de corrupção, mas que ganha concretude pelo seguinte trecho: “constituídos por depósitos e notas de crédito de origem não conhecida em bancos nacionais […] e operações de depósitos e notas de crédito de origem não conhecida em moeda estrangeira através da instituição financeira Venezolano de Crédito S.A., Banco Universal/Cayman Branch” (grifo nosso).

Henrique Capriles é outro da mesma estirpe golpista. Sobre a oposição venezuelana, o leitor pode conferir os seguintes artigos deste Diário:

https://causaoperaria.org.br/2023/venezuela-confrontando-o-imperialismo/

https://causaoperaria.org.br/2019/a-oposicao-venezuelana-e-fascista/

Frente a estes fatos, Política Obrera apresenta que Maduro seria um representante da política imperialista e um ditador (esta sendo a mesma acusação feita pelo imperialismo a ele e a Chávez), e que uma eleição com Machado e Maduro seria um pleito completamente reacionário. Pela simples oposição de Maduro ao imperialismo, o que é demonstrado pelo bloqueio norte-americano, e pelo fato de Machado ser uma agente do imperialismo, já vemos a farsa argumentada pelo portal esquerdista argentino.

Apesar de mencionar as sanções no título, quando fala da pobreza na Venezuela, Política Obrera curiosamente omite o bloqueio econômico enfrentado pelo país. Pior que isso, em nenhum momento do texto — apesar das sucessivas condenações de Nicolás Maduro e do governo venezuelano — Política Obrera encontra espaço para denunciar as sanções norte-americanas, apesar de mencioná-las em dez oportunidades. A única condenação delas se dá por uma citação do governo de Maduro, que as qualificou como “uma chantagem grosseira e indevida”. A afirmação de que a golpista Machado ganharia com folga as eleições, dando a entender que seria uma figura popular, é ainda outra aberração argumentativa, que não é demonstrada em momento algum pelo portal argentino. Vejamos como Política Obrera qualifica a retomada das sanções:

“A proscrição de candidatos da oposição implica na ruptura de um acordo entre Maduro e Biden, o Acordo de Barbados, em troca da eliminação de um número significativo de sanções econômicas e da libertação de um operador íntimo da camarilha de Maduro, pelo que os EUA chamam de ‘eleições livres’. Como resultado, Biden reimpôs sanções implementadas em 2019 sob a administração Trump.”

Ou seja, as sanções criminosas dos EUA foram retomadas por causa do presidente Nicolás Maduro, não dos EUA! Como ele ousou romper um acordo com o perfeito e incriticado governo de Joe Biden? O que apresenta Política Obrera é uma demonstração e continuação da campanha golpista movida pelo imperialismo contra o governo nacionalista da Venezuela. Uma farsa completa. Como demonstrado no artigo, Política Obrera defende exatamente a definição de “eleições livres” dos EUA, e no momento em que estes apontam tal pauta.

A matéria entra então numa longa descrição econômica das sanções, sem estabelecer qualquer caracterização política delas. E então:

“Maduro havia se comprometido, ademais, a cumprir com uma série de exigências políticas: libertação de presos da oposição, estabelecimento de um calendário eleitoral para 2024, habilitação de candidatos eleitorais e autorização para a participação de observadores internacionais nas eleições. Em dezembro, o governo libertou 20 venezuelanos e 10 americanos no marco deste acordo. Washington libertou Saab, um agente internacional muito comprometido com a camarilha oficial da Venezuela”

Ou seja, uma violação flagrante da soberania venezuelana é no que consistia o “acordo” para suspender as sanções criminosas do imperialismo. Nada disso é apontado ou contestado por Política Obrera, que retoma uma descrição econômica das sanções, até que:

“A reimposição das sanções coincide com o anúncio do Comando Sul dos Estados Unidos sobre a realização de exercícios militares com o Exército da Guiana, país vizinho da Venezuela.”

Um reconhecimento claro da aproximação de um possível confronto militar da Venezuela com o imperialismo. Que, no entanto, segue para uma condenação do governo da Venezuela, e não dos EUA!

“Em suma, a camarilha madurista prendeu o povo da Venezuela à alternativa de continuar sob a tutela política e a degradação social e, por outro lado, levar o governo a um Milei caribenho [como descrevem Corina Machado]. Esta extorsão é a expressão agravada do que aconteceu na Argentina. A maior diferença é, provavelmente, que grande parte do trabalho do Milei venezuelano foi feito pela camarilha cívico-militar do que foi outrora o regime bonapartista de Hugo Chávez.”

A conclusão se resume a uma aberração ao nível do resto do texto. Algo que seria melhor definido como uma comédia que como texto político, à exceção da iminente ameaça imperialista à Venezuela. A extorsão, a tentativa de tutela política e a “degradação social” seriam perpetradas por Maduro, não pelo imperialismo. Na questão venezuelana, Política Obrera está nos braços do imperialismo.

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