De volta a Salvador, Irmã Anajar Fernandes conta como foi a missão no Haiti

Irmã Anajar Fernandes da Silva, religiosa da Sociedade das Filhas do Coração de Maria – Foto: Sara Gomes

O sorriso no rosto da Irmã Anajar Fernandes da Silva transparece a alegria de ser uma missionária, ainda que este trabalho seja desenvolvido em realidades completamente complexas. A religiosa da Sociedade das Filhas do Coração de Maria abraçou uma missão e passou três anos morando no Haiti. Agora, de volta a Salvador, onde chegou há pouco mais de um mês, Irmã Anajar falou sobre as belezas e as dificuldades de servir a Deus em terras distantes. Confira esse bate-papo com o Setor de Comunicação da Arquidiocese de São Salvador da Bahia:

Setor de Comunicação – Irmã Anajar, por qual motivo a senhora foi enviada como missionária ao Haiti? Como teve início essa missão?

Irmã Anajar – Eu pertenço à Sociedade das Filhas do Coração de Maria, presente no Brasil há mais de 80 anos e em Salvador há mais de 70 anos, onde atualmente possuímos uma obra social no Alto de Ondina, com escola, creche e apoio às famílias. Nossa Sociedade é uma Congregação de origem francesa, que nasceu na Revolução Francesa há mais de 200 anos. Portanto, por conta desse período no qual o governo exterminava as Congregações, nossa Congregação nasceu para suprir aquelas que estavam sendo extintas. Ela tem ampla possibilidade de missão na Igreja, porque, naquela época, atendia as congregações que estavam sendo banidas. A congregação é missionária e as Irmãs me perguntaram se eu poderia ir ajudar no Haiti, já que em outro momento eu ajudei, durante três anos, no Benin, pela facilidade de falar francês e saber como agregar as pessoas. Eu sou enfermeira, fiz pedagogia e teologia, então tudo isso é um pacote que me deixa com mais possibilidade de abraçar outras responsabilidades.

Setor de Comunicação – Como a senhora desenvolve a missão no Haiti?

Irmã Anajar – O Haiti é uma missão muito complexa. Todo mundo tem o conhecimento sobre o terremoto que foi um dado dramático, mas a situação era dramática antes do terremoto. Chegando lá, para minha surpresa, em menos de um mês já me chamaram para trabalhar no hospital, que é uma parceria da nossa Congregação com outra Congregação, porque temos que dar o suporte uma a outra. No hospital, fazemos tudo o que tem que fazer, até consertar máquinas; atendemos crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos. Lá é todo tipo de necessidade: alimentar, educacional, habitacional. É um complexo de necessidade e a gente ajuda como pode.

Com crianças, nós trabalhamos do ponto de vista educacional e pastoral. A religião predominante é o vodu. A religião católica lá tem poucas pessoas. Então, nós fazemos um trabalho com as crianças para atingir as famílias em preparação para a realidade cristão. No Haiti, o vodu além de ser forte, é muito sutil, ou seja, você não sabe quem pertence. Depois, trabalhamos também com as mulheres, no cuidado com elas, questão higiênica, da dignidade, porque para falar de cristianismo você tem que falar também da pessoa, a partir da criação de Deus. É um trabalho muito difícil.

Setor de Comunicação – Entre as dificuldades, a senhora pode citar uma?

Irmã Anajar – Eu me confundo muito com as mulheres de lá, porque eu me visto como elas. Só preciso falar pouco porque são muitas organizações não oficiais [gangues], muito envolvidas, e ficam tentando identificar os estrangeiros para sequestrá-los. Por isso, eu não posso dar sinal. As Congregações religiosas são todas estrangeiras e para fazer o trabalho missionário elas recebem doações financeiras. Então, as organizações não oficiais sabem disso e os estrangeiros, principalmente os religiosos, são alvos. O sequestro é o que sustenta as organizações não oficiais. Por exemplo, uma pessoa custa 100 mil dólares. Quando eles sequestram, ligam para a Congregação e informam que aquela pessoa sequestrada custa esse valor. Se não negociar, eles vão aumentando o preço, até 500 mil dólares, e vão tirando sinais das pessoas [pedaços do corpo humano]. Se não houver negociação, eles acabam com a pessoa.

É difícil a gente entender que, em pleno século XXI, ainda acontecem coisas como essas. Como eu sou estrangeira e religiosa, eu só converso com as pessoas que eu sei que posso conversar. É muito complexo. Muitos estrangeiros são sequestrados e as organizações não oficiais, para sua manutenção, cobram altos valores em dólar, chegando até mesmo uma mesma pessoa duas vezes sequestrar o mesmo padre.

Setor de Comunicação – A senhora voltará para o Haiti, onde continuará a missão. Qual a expectativa para este retorno?

Irmã Anajar – Diante de tudo isso, a República Dominicana dobrou a vigilância nas fronteiras e não está permitindo que estrangeiros entrem por uma questão de segurança. Quando eu conseguir retornar, eu sei que vou encontrar ainda o país bastante defasado, porque muitas pessoas estão querendo sair de lá por não suportarem mais. Lá está faltando alimento, porque os aeroportos estão fechados.

Setor de Comunicação – Como a senhora define essa missão?

Irmã Anajar – Às vezes, eu percebo que é Jesus falando comigo. No tempo de Jesus, era uma missão ampla, de tanta necessidade. Ele era muito solicitado porque a demanda era muito grande: criança, jovem, mulher, pecador… e, hoje, quando o Papa Francisco fala de uma Igreja a caminho, de portas abertas, eu vejo a proximidade com Jesus. O Papa Francisco anda com o coração, e eu nem chego aos pés dele, mas eu procuro nessa missão encarnar um pouco dessa realidade cristã, procuro estar lá à serviço. Por incrível que pareça, eu não falo crioulo, que é a língua do Haiti, eu falo francês, mas eu falo com todas as pessoas, sempre com muito cuidado. É necessária uma aproximação e eu tenho procurado fazer isso com as pessoas de lá. É isso o que a gente quer: ser irmã no mundo.

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