Crise no Haiti: Possível missão da ONU pouco ou nada conseguiria mudar, defende investigador português

Uma nova missão da ONU no Haiti, que é rejeitada por parte da população, teria pouco poder e alcance para resolver as constantes crises sociopolíticas, humanitárias e de segurança no país, disse hoje um investigador à Lusa.

“Ao contrário do que acreditam alguns líderes mundiais, como o presidente do Brasil, Lula da Silva, a presença de forças de segurança estrangeiras no Haiti, não será capaz de resolver a severa crise sociopolítica e humanitária, que é estrutural”, declarou Cristiano Pinheiro de Paula Couto, historiador e investigador no Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa.

O especialista afirmou que essas crises “se traduzem ora em ditaduras hereditárias e autocráticas, como aconteceu com a ‘dinastia’ Duvalier — com os presidentes François Duvalier (1957-1971) e Jean-Claude Duvalier (que sucedeu ao pai no período 1971-1986) -, ora em vacâncias forçadas de líderes exilados, como ocorreu com o presidente Jean-Bertrand Aristide (1991, 1994-1996 e 2001-2004), ou ainda com a morte de líderes, como a do presidente Jovenel Moïse” em 2021.

“O povo haitiano rejeita efusivamente a ingerência estrangeira. O futuro do país é incerto, mas dependerá, unicamente, da mobilização organizada do seu povo, o mesmo que, sob a liderança de Toussaint Louverture, um jacobino negro, libertou o país do jugo colonialista (de França, em 1804)”, sublinhou.

Entretanto, o Quénia — nação que lidera a missão da ONU – já suspendeu o envio de forças no âmbito da missão internacional aprovada pelas Nações Unidas para o Haiti, após uma reunião de emergência convocada pelo bloco regional da Comunidade do Caribe (CARICOM), que ocorreu na sequência da renúncia do primeiro-ministro haitiano Ariel Henry, em 11 de março, devido ao clima de violência e insegurança provocado por gangues no país.

Desde finais de fevereiro, gangues poderosos uniram-se para atacar a polícia, prisões (libertando cerca de 4.000 presos), o aeroporto e o porto marítimo, mergulhando o país no caos e forçando a renúncia de Henry, que estava fora do Haiti. Estima-se que os gangues controlem 80% de Port-au-Prince e mais de 17 mil pessoas já abandonaram a capital haitiana.

Ariel Henry assumiu o poder após o assassinato de Moïse em 2021, mas acabou por não convocar eleições gerais alegando razões de segurança, o que levou a protestos no país. Henry pediu à comunidade internacional o envio de uma “força armada especializada” em outubro de 2022.

O Haiti já recebeu outras missões da ONU, nomeadamente na década de 1990, e entre 2004 e 2017 acolheu a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH), que foi duramente criticada por organizações dos direitos humanos locais e internacionais.

Segundo Couto, a decisão de formar um governo de transição e o envio de tropas internacionais, aprovados pela CARICOM, ignora o acordo de Montana, um documento assinado em agosto de 2021 por diversos setores da sociedade civil haitiana para combater a crise e orientar um governo de transição sem interferência estrangeira.

Entretanto conselho presidencial de transição, oficializado em 12 de abril sob os auspícios da CARICOM e outros países -, deverá assumir o governo e convocar futuras eleições.

“A crise sociopolítica corrente não é um problema atual, mas histórico, perdura no tempo e por isso seria reducionista entendê-la considerando somente a escassez de combustíveis iniciada em 2018 e o assassinato do presidente Jovenel Moïse”, afirmou Couto.

O investigador referiu que, segundo a ONU e o Banco Mundial (BM), o Haiti é país mais pobre da América Latina, apesar dos seus consideráveis recursos naturais (bauxita, cobre, ouro e carbonato de cálcio).

Para o investigador existem, portanto, “fortes motivos geoeconómicos” para controlar militarmente o país e mantê-lo em permanente estado de desestabilização.

“No Haiti, a violência atroz encontra terreno propício para instalar-se e multiplicar-se, concitada, frequentemente, pelos mesmos atores transnacionais”, avaliou Couto, sublinhando ainda a forte atuação de grupos criminosos internacionais no país.

De acordo com a organização Crisis Group, as duas maiores coligações de gangues do Haiti uniram forças sob uma ampla frente conhecida como “Viv Ansanm”, lançando ataques coordenados para tomar o controlo de locais críticos na capital e impedir o envio da missão de segurança internacional da ONU.

As Nações Unidas alertaram em finais de março que a situação no Haiti é “catastrófica”, com mais de 1.550 mortos nos três primeiros meses do ano relacionadas à violência dos gangues (em 2023 foram registadas no total 4.451 mortes), além de “fronteiras fragilizadas” que facilitam o abastecimento de armas aos grupos criminosos do país, que também atuam fortemente no tráfico de drogas.

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