Como a AHK Brasil apoia as energias renováveis?

Redação

Por Redação em 01/04/2024 / Atualizado: 02/04/2024 às 17:37

O setor de energias renováveis está em plena ascensão, globalmente. No Brasil, a CNI divulgou o Balanço Energético Nacional (de 2021), que mostrou que as fontes renováveis representam mais de 84% da matriz elétrica. Neste cenário, a geração hidrelétrica é responsável por, pelo menos, 65% da fatia, sendo que as demais continuam crescendo. A energia eólica apresentou alta de 8,8%; a biomassa, 9,1%; e a energia solar, 1,66%.

Apesar dos números positivos, o Brasil tem um longo caminho a percorrer, por isso contar com expertise e o incentivo de outros países é essencial para o desenvolvimento do setor. Desde 1916, a Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha (AHK Brasil) atua em prol do fortalecimento e da diversificação dos negócios bilaterais. Como representante da economia alemã no Brasil, a AHK Brasil se tornou um importante elo entre os dois países, somando cerca de 1,2 mil empresas associadas no país.

Sobre o desempenho da AHK Brasil, conversamos com Loana Lima, Diretora Executiva Adjunta da Câmara Brasil-Alemanha no Rio de Janeiro, responsável pelo Departamento de Entrada no Mercado e Desenvolvimento de Negócios e representante do Estado de Baden-Württemberg no Brasil. Ela concedeu uma entrevista exclusiva para o Além da Energia, na qual revelou os projetos que estão em andamento na Câmara, além de falar sobre transição energética justa. Confira os detalhes.

Quais são as principais frentes de negócio entre Brasil e Alemanha neste momento?

Eu diria que, atualmente, uma das principais frentes de negócios entre o Brasil e a Alemanha é o setor de energia, incluindo o desenvolvimento do mercado para o hidrogênio renovável. De forma geral, a cooperação Brasil-Alemanha, nesse setor, se dá tanto na parte da geração quanto na questão do consumo energético mais eficiente.

Além disso, existem também fortes elos de cooperação e negócios em setores tradicionais. O Brasil possui um dos maiores parques industriais alemães fora da Alemanha. Então, a cadeia de suprimentos para os segmentos de máquinas e equipamentos, além do automotivo é muito forte. A indústria farmacêutica e de equipamentos médicos é outro mercado bastante relevante para as empresas alemãs. Podemos observar uma movimentação de importações e exportações muito expressiva nesse setor, para além da indústria química, que é bastante pujante e de longa data.

Como a AHK Brasil atua nessa interlocução?

Foto: Reprodução/ Loana Lima via LinkedIn

Diretamente. Nós somos a representação da economia alemã no Brasil, possuindo essa chancela e responsabilidade.

O nosso foco consiste em fomentar a relação comercial e bilateral entre os dois países. Para tanto oferecemos o suporte necessário para empresas alemãs que tenham, em sua estratégia, a entrada no mercado brasileiro, ou que desejam expandir as suas relações comerciais já estando presentes no Brasil. Fazemos isso de diversas formas, desde delimitar, por exemplo, a estratégia de entrada no mercado para um setor específico, buscando parceiros ou representantes comerciais adequados ou, até mesmo, apoiando em transferência de tecnologias. Em adendo analisamos os setores estratégicos para tais empresas, avaliando tendencias de mercado e benchmarking com análises específicas.

Existem várias formas para promover essa interlocução. As missões empresariais e delegações técnicas também são instrumentos muito importantes para geração de negócios. Além disso, parte de nossa equipe é responsável pela atuação em feiras, eventos e formação profissional, que se confirmam ano a ano instrumentos muito importantes para que a AHK Brasil possa, de fato, contribuir para as relações comerciais bilaterais nos principais setores.

Como está a questão dos incentivos para produção de hidrogênio verde no Brasil?

ahk brasil

Estamos atualmente no Brasil em uma fase de muito debate sobre os incentivos para esse mercado, a partir da aprovação de um marco regulatório. Por parte da Alemanha, o país realmente é a locomotiva da transição energética há bastante tempo e temos um histórico de parceria, inclusive em instância governamental, de longa data.

Indo um pouco além, existem alguns incentivos para a produção hidrogênio verde por parte da Alemanha no Brasil. Recentemente, a Alemanha foi o primeiro país que lançou um leilão para compra de derivados de hidrogênio. A partir da compra e equalização desses contratos de diferença e revenda para a indústria local, o país está promovendo o desenvolvimento do mercado de hidrogênio renovável.

Sabemos que é um desafio enorme quebrar esse ciclo vicioso de “o ovo ou a galinha”, ou seja, ainda existe pouca oferta de hidrogênio renovável por não existir uma demanda expressiva e vice-versa, e nesse sentido essa foi uma primeira iniciativa muito valiosa por parte da Alemanha. Paralelamente tivemos, durante dois anos e meio, uma atuação em diversas frentes do programa H2 Brasil para incentivar o desenvolvimento desse mercado no país. O H2Brasil integra a Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável e é implementado pela Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH e pelo Ministério de Minas e Energia (MME), com apoio do Ministério Federal da Cooperação Econômica e Desenvolvimento (BMZ) da Alemanha.

Falando agora especificamente em políticas de financiamento em andamento, o Programa Internacional de Incentivo ao Hidrogênio-H2Uppp alemão h2uppp é um programa de fomento para projetos e desenvolvimento do mercado de hidrogênio renovável atuante em países em desenvolvimento e emergentes selecionados como parte da Estratégia Nacional de Hidrogênio Alemã, incluindo o Brasil. Trata-se de um instrumento comissionado pelo Ministério de Assuntos Econômicos e Ação Climática (BMWK), que tem por objetivo identificar, preparar e acompanhar a implementação de projetos para a produção e uso de aplicações de hidrogênio verde e derivados, bem como aumentar a conscientização e transferir conhecimentos para o desenvolvimento de projetos. Atualmente, já existem dois projetos fomentados por essa iniciativa aqui no Brasil e as perspectivas para novas parcerias são muito boas. Enfim, estamos aqui na torcida para a confirmação de novos projetos dentro dessa iniciativa.

Existe também um fundo de desenvolvimento que está sendo comissionado pelo KFW (banco alemão de desenvolvimento) denominado PtX Development Fund. O fundo é financiado pelo Ministério Federal Alemão para Cooperação e Desenvolvimento e pretende investir 270 milhões de euros para apoiar mercados estratégicos no mundo. São garantias a fundo perdido para projetos em escala industrial, abrangendo toda a cadeia de suprimentos. O fundo visa investimentos em CAPEX a exemplo na construção de plantas, instalações, em modernização de ativos, trazendo excelentes incentivos para tais projetos no Brasil.

Quais os cronogramas de implementação possíveis para o H2V no Brasil, na avaliação da AHK Rio, e como isto pode potencializar a indústria nacional?

Gosto de perguntas que me façam refletir, mas para traçarmos uma linha do tempo de projetos e cronogramas de implementação precisamos ter algumas condições como base. O primeiro passo é a aprovação de um marco legal para o hidrogênio de baixas emissões. Esperamos que aconteça ainda no primeiro semestre de 2024, e que isso crie no Brasil um ambiente regulatório favorável ao desenvolvimento do mercado. A perspectiva é de que, a partir da aprovação do marco, novos investimentos sejam confirmados. Em continuidade podemos falar nos desenvolvimentos dos temas de certificação de origem e padronização, por exemplo. Qual a definição exata, e aplicável, às condições de mercado relativas ao hidrogênio verde? Quais são os critérios para tal? Existem várias discussões, inclusive nos projetos de lei, e isso precisa evoluir para uma consolidação.

Em minha perspectiva, se esse marco legal realmente sair nos próximos meses, acredito que teremos os primeiros projetos em escala industrial entre cinco e sete anos, mais ou menos. Mas, obviamente, isso vai depender do marco regulatório.

Vale ressaltar que muitos países têm, em maior ou menor grau, capacidade de produzir hidrogênio. A concorrência é grande, mas o Brasil apresenta condições muito favoráveis.

Como está a frente da AHK Brasil para o mercado de biomassa no Brasil?

AHK Rio promove Conferência Brasil-Alemanha: Hidrogênio Verde e derivados a partir da Biomassa (Foto: Reprodução/Newsletter da AHK Rio via LinkedIn)

Apoiamos o desenvolvimento dessa fonte com vários projetos. Ela já contribui com mais de 15% para a nossa matriz energética e temos um potencial enorme ainda a ser explorado. O Brasil oferece biomassa de diversas origens, seja da produção agrícola, do setor sucroenergético e de proteína animal, assim como do próprio saneamento. Existe uma disponibilidade muito grande de biomassa que, na minha opinião, não deveria ser de forma alguma menosprezada por parceiros internacionais. Relacionando esse tema com a pergunta anterior é preciso considerar diversas rotas tecnológicas para geração de hidrogênio renovável, até mesmo para evitar o trancamento tecnológico.

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Analisando o enorme potencial energético a partir da biomassa no Brasil, essa matéria-prima oferece muitas oportunidades, seja por exemplo para a geração de biogás e biometano, assim como para geração elétrica e de biocombustíveis.

Um item fundamental a ser cada vez mais aprimorado é a rastreabilidade da origem dessa biomassa, considerando questões sociais e a preservação do meio ambiente. Obviamente a biomassa não pode, em hipótese alguma, ter sua origem em áreas de proteção ambiental ou competir com a produção de alimentos, e essa rastreabilidade pode atestar o aproveitamento energético de resíduos biogênicos de forma sustentável, atraindo investimentos e desmistificando tais atividades econômicas perante parceiros internacionais.

No ano passado, fizemos um evento aqui no Brasil com um grupo de empresas alemãs fornecedoras de soluções integradas, ou seja, ofertando soluções de forma conjunta para a geração de hidrogênio renovável e derivados, em específico amônia verde a partir da biomassa para o setor de fertilizantes. Para 2024 iremos elaborar uma análise do setor para o mercado alemão e organizaremos ao final do ano uma missão de empresários que desejam conhecer as oportunidades para o setor de biogás e biometano, tanto de aterros sanitários quanto de estações de tratamento de esgoto e de resíduos industriais. Esse tema é com certeza prioritário para a AHK Rio.

Que outros setores/projetos de energia a AHK Brasil tem incentivado no Brasil e em que status estão?

No caso do mecanismo de financiamento, a AHK no Rio de Janeiro está trabalhando agora com os colegas do H2Uppp para a execução ainda em março de um Roadshow para a Alemanha. O objetivo dessa iniciativa é conectar produtores de hidrogênio do Brasil com empresas alemãs que possuam projetos concretos de offtaking de derivados de hidrogênio, a exemplo de siderúrgicas, refinarias e do setor de transportes, fomentando as oportunidades de cooperação e de desenvolvimento do mercado.

No ano passado realizamos vários eventos de networking, missões empresariais e uma pesquisa de mercado, além de concluirmos a condução dos pilares de disseminação e inovação no contexto do programa H2 Brasil, mencionado nas perguntas anteriores. Tudo isso faz parte de uma cooperação muito bem-sucedida entre diversas instituições alemãs. Há ações que estão prestes a serem iniciadas e outras concluídas com sucesso, essa é a razão de ser uma de uma AHK.

Qual é a contribuição da Alemanha no desenvolvimento de energias solar e eólica no Brasil?

A Alemanha, geralmente, não possui tradição de participar como grande investidora em projetos greenfield de energia. Pela AHK o que mais acompanhamos no dia a dia são movimentos para a transferência de tecnologia e o fornecimento de soluções em parceria com empresas locais. A Alemanha tem uma excelente reputação e tradição em fornecer soluções que são o estado da arte. Especificamente no setor de energia solar e eólica (além do biogás), o país é pioneiro na utilização dessas duas fontes. Muito antes de alguns países começarem a falar em transição energética, a Alemanha já tinha uma cadeia de suprimentos muito bem desenvolvida para esse setor. Com isso, acompanhamos ciclos de progressos paulatinos, iniciando as parcerias para P&D, depois os projetos-piloto, seguidos por projetos maiores.

Outra questão importante é a troca de experiências em relação às políticas energéticas. A Parceria Energética Brasil-Alemanha promove o diálogo em esfera governamental sobre desafios e oportunidades advindos da transição energética.

Como a AHK Brasil avalia o parque hidrelétrico brasileiro? Ela tem atuado nesse setor?

De todos os setores que estamos tratando nesta conversa, a geração hidrelétrica é o que tem atualmente a menor participação da AHK Brasil, eu justifico: esse é um setor que já está consolidado no Brasil e exemplo para o mundo, tratando-se da principal participação na nossa matriz elétrica, com mais de 65%. Atuamos muito mais sob a ótica da modernização do setor, visando, por exemplo, o desenvolvimento futuro de instalações hidrelétricas com eventualmente um menor impacto socioambiental, como as pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) ou analisando a eficiência nessa produção, incluindo por meio de usinas reversíveis. A Alemanha esteve presente na construção de Itaipu, uma vez que as turbinas tinham a tecnologia alemã. Hoje olhamos para o parque hidrelétrico brasileiro, que é muito representativo para a oferta de energia no país, mas podemos também constatar a evolução de outras fontes de renováveis ou de baixo carbono, promovendo a necessária diversificação da matriz elétrica.

O Brasil já passou alguns apuros no setor energético, e isso ainda é um risco iminente, uma vez que temos períodos de escassez hídrica. Por este motivo, é muito importante promover a diversificação de fontes renováveis, sem esquecer a infraestrutura da rede. Então, é válido observar as tecnologias que podem trazer uma maior robustez para o setor. É necessário pensar um pouco fora da caixa, considerar as redes inteligentes, os sistemas híbridos, entre outros.

Qual a visão da AHK Brasil sobre a transição energética justa?

Nossa visão de transição justa é a de promoção de uma mudança para fontes mais limpas e sustentáveis sem se abster dos potenciais impactos às comunidades, ao meio ambiente e aos diversos setores, o que significa mitigar esses impactos de maneira eficaz. Eu costumo exemplificar que a transição energética pode ocasionar impactos em todos os lados: ela pode reduzir as atividades extrativistas do setor de petróleo e gás, impactando uma cadeia de suprimentos bastante consolidada com potencial de afetar milhares de empresas nesse elo da cadeia. Então é preciso considerar medidas para promover essa transição energética justa, para que essas pessoas também tenham oportunidades diante de uma nova realidade. Da mesma forma, acontece com comunidades que sofrem até hoje com as primeiras instalações eólicas no Brasil. Na época, era tudo muito menos desenvolvido, por isso, existem ainda parques eólicos ao lado de casas, gerando sombra e barulho 24 horas por dia. Esses exemplos servem para atestar os impactos positivos e negativos da transição energética, é preciso olhar para todos os lados.

Outro ponto crucial é a atenção para a acessibilidade da transição energética. O tema da pobreza energética é algo muito latente e que precisa ser tratado com seriedade. Nesse sentido podemos afirmar que não só os países em desenvolvimento possuem desafios. Vimos isso no início do conflito entre Ucrânia e Rússia e algumas famílias na Europa tiveram que voltar a utilizar lenha para aquecer suas casas. Uma pesquisa da ABRACE (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres) aponta para o fato de que o Brasil, dentre 34 países da OCDE, possui o maior custo de energia elétrica residencial em relação à renda per capita.

Dentro desse contexto, promover uma transição energética justa é também assumir responsabilidade para com as próximas gerações. Quais são as medidas que estamos adotando hoje para proteger o meio ambiente e poupar os recursos naturais para as próximas gerações? Isso também faz parte desse debate, então é preciso olhar para frente e pensar em como cada um pode fazer a sua parte. A sociedade precisa se conscientizar e assumir maior responsabilidade coletiva, não podemos atuar no modo “o último a sair apaga a luz”. A transição justa não funciona assim.

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