Classes sociais: não é bem o que vocês pensam



Lidar com os problemas de vir de um contexto de classe operária não se trata de usar Nike, mas da imensa culpa, por exemplo, de não poder ajudar a nossa mãe idosa que está sem aquecimento há três anos. Classe não se trata de fazer compras na B&M [cadeia inglesa de produtos variados a preços económicos]. Classe é sobre a impotência de um pai que dorme no carro enquanto trabalha em full-time. Vir da classe operária não se resume apenas à música que se ouve, ou mesmo se temos a opção de refeições gratuitas na escola – para mim, trata-se do sentimento vitalício de que, à medida que se tenta e tem sucesso na vida, é preciso carregar aqueles que estão a lutar à sua volta, ou ignorá-los.

Este é um dilema que enfrentei durante toda a minha vida adulta. Querer “fazer algo de mim mesmo” mas tendo os meus diplomas e empregos pontuados pelo caos e crises que fazem parte da vida precária, pobre e da classe operária no País de Gales. É muito difícil concentrar na carreira quando se está constantemente preocupado com as vidas dos nossos entes queridos. Quando amigos e familiares estão a ter overdoses, a ir para a prisão, hospitais psiquiátricos, de uma situação de habitação precária para a próxima, de um emprego precário ou pedido de apoio para o próximo… A preocupação e o stress não têm fim à vista.

Como muitas pessoas reconhecem, a classe mudou no austero Reino Unido desde os anos Margaret Thatcher. O livro recentemente lançado de Dan Evans explora isto, afirmando como uma secção da pequena burguesia é economicamente de classe média, mas culturalmente de classe operária. No entanto, há uma necessidade urgente de reconhecimento e exploração do chamado “lumpen” no País de Gales – “lumpen” que significa “subclasse”. Este é um país onde uma em cada cinco crianças vive na pobreza, este estilo de vida é a realidade de muitas pessoas. Pessoas pobres e da classe operária não são raras, mas podemos pensar que são apenas criaturas infelizes de um conto de fadas se olharmos à volta da demografia quase exclusivamente de classe média que cria cultura e discurso no País de Gales.

Quando as pessoas da classe operária escrevem ou quando se escrevem ou filmam coisas sobre elas, há uma tendência para esperar que as suas vidas sejam expostas de maneira pornográfica. O fator de choque é tudo o que temos para oferecer e qualquer nuance ou dignidade é perdida.

A mobilidade social certamente tem acontecido nas últimas décadas, embora às vezes eu não tenha tanta certeza de que seja possível para a minha geração. Parece que teria que virar as costas para à minha família, à minha comunidade e a quem eu sou, para ter a energia que preciso para “conseguir” e melhorar a minha situação. A quantidade de vezes que me sentei na minha secretária depois de ouvir falar de uma overdose ou uma detenção, cheia de preocupação e a segurar as lágrimas, não combina com alguém que pode focar-se consistentemente no seu trabalho. Explicar este contexto aos meus empregadores enche-me de medo de julgamento. Quem é que se quer expor como sendo deste tipo de origem? A forma como as pessoas lidam com os seus ciclos de trauma e pobreza é severamente estigmatizada nesta sociedade. Realmente, não quero partilhar que o meu irmão voltou para a prisão ou que o meu amigo de muitos anos acabou de ter outra overdose. A vergonha permeia a vida da classe operária.

Estou contente por se estar a falar mais dela em websites como este, no entanto, acredito que o problema da classe não será resolvido pela mobilidade social das pessoas, mas está enraizado na política. As comunidades inteiras precisam de respeito, dignidade e recursos para ter o privilégio de viver com a segurança e tranquilidade de um “estilo de vida de classe média”. O neoliberalismo tem subornado indivíduos para a classe média com prestígio e segurança económica, querendo dar a impressão de que o sistema é realmente justo e que aqueles que são deixados para trás são apenas preguiçosos ou incompetentes.

Acredito que precisamos de escritores da classe operária “lumpen“, incluindo ex-presidiários, pessoas a lutar contra um vício, cuidadores, escritores migrantes do sul – para mudar o discurso classista que floresce mesmo nos meios de comunicação mais progressistas. Desde a repulsa total pelos presidiários e pelas comunidades de onde vêm, até ao paternalismo condescendente liberal – nas asas esquerda e direita do jornalismo – os escritores ainda não acertaram. Todos sabemos agora que as notícias que recebemos, como são escritas e quem as escreve é absolutamente político. A imparcialidade só existe para criar o mito de um “status quo“.

Espero que as pessoas da classe baixa, “lumpen”, operária e pobre tenham as suas vozes ouvidas nos seus próprios termos, apesar dos obstáculos estruturais, ou continuaremos a viver num mundo onde a nossa realidade cultural é vista através da lente de um filtro meritocrático que torna a nossa sociedade muito mais atraente do que realmente é.

Este texto foi publicado originalmente no site Inclusive Journalism Cymru. A escritora deste texto decidiu permanecer anónima e usar um pseudónimo. Pode segui-la no Instagram.


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