Busca por alergistas subiu 42% em três anos; saiba por que doenças alérgicas estão em alta

A procura por consultas médicas ambulatoriais com alergistas e imunologistas cresceu 42,1% no Brasil entre 2019 e 2022, aponta levantamento do IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar), feito com base no Mapa Assistencial da Saúde Suplementar, um relatório anual divulgado pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), e divulgado com exclusividade ao Estadão.

Em números absolutos, a busca por profissionais da área saltou de 2,1 milhões de consultas realizadas em 2019 – antes da pandemia – para 3 milhões de consultas médicas em 2022.

Na avaliação do superintendente executivo do IESS, José Cechin, a própria pandemia de covid-19 é um fator que pode ajudar a explicar a maior procura por alergistas e imunologistas: a infecção pelo coronavírus debilita o sistema imunológico das pessoas e, em muitos casos, os efeitos são duradouros – é a chamada covid longa –, o que faz as pessoas procurarem por atendimento com especialista.

Além disso, na avaliação de Cechin, o registro de alta nesse tipo de consulta também pode estar relacionado ao aumento de casos de alergias no mundo e a uma maior conscientização sobre o problema.

“O isolamento social durante a pandemia fez com que a maioria das pessoas deixasse de realizar as consultas de rotina. E o isolamento também criou um ambiente propício às alergias, inclusive pelo uso exagerado de produtos de limpeza na tentativa de evitar contato com o vírus”, avalia Cechin.

O executivo ressalta, no entanto, que o acesso à informações e uma maior quantidade de profissionais da área também ajudam a explicar o aumento nas consultas. “É evidente que as pessoas estão cada vez mais bem informadas em relação aos tipos de alergias, sejam elas alimentares, respiratórias, sazonais, e às questões autoimunes. Outro ponto importante que devemos considerar é o fato de maior prevalência por conta de fatores ambientais ou mudanças nos padrões alimentares”, diz.

Metade da população terá alguma alergia até 2050

Mas especialistas afirmam que não é somente a pandemia de covid-19 a responsável pelo aumento de consultas com médicos alergistas e imunologistas.

A rinite, marcada por sequência de espirros, é um do tipos de alergia mais prevalentes no Brasil. Foto: Yuri Arcurs/peopleimages.com/Adobe Stock

Há alguns anos pesquisadores têm observado um crescimento na incidência de doenças alérgicas e estimam que até 2050 pelo menos metade da população mundial terá algum tipo de alergia. Essa estimativa foi divulgada no Atlas Global de Alergia da EAACI (Academia Europeia de Alergia e Imunologia) em 2022 e mostra, entre outros fatores, que as alterações climáticas, além da poluição, podem afetar negativamente a saúde de indivíduos suscetíveis a alergias.

Não é de hoje que os estudos apontam que a poluição atmosférica, as alterações climáticas e a redução da biodiversidade como consequência da urbanização estão relacionadas com o aumento de casos de doenças respiratórias no mundo todo. Isso acontece porque a população está exposta a uma enorme carga de poluentes externos e internos, incluindo poluentes domésticos, como tabaco.

De acordo com Fátima Rodrigues Fernandes, pediatra e alergista, vice-presidente da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai) e diretora do Instituto Pensi (Pesquisa e Ensino em Saúde Infantil), a falta de contato com a biodiversidade parece levar a uma resposta imunitária deficiente na população urbana em comparação com a população rural.

Fátima conta que diferentes estudos apontam que esse aumento da incidência de alergias tem relação com a mudança do estilo de vida na evolução da humanidade: nos tornamos mais urbanos, migrando da área rural para as cidades; com a globalização, ampliamos o contato com proteínas diversas e incluímos frutas exóticas e alimentos chamados “novos alérgenos” à nossa alimentação (e eles foram recebidos com surpresa do ponto de vista de tolerância imunológica); mudamos de uma dieta absolutamente natural para uma alimentação cada vez mais industrializada, com itens ultraprocessados, que recebem diversos aditivos para mudar aspectos como cor, sabor, palatabilidade, etc.

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“Fomos tendo contato cada vez mais intenso com a poluição e com toxinas do ambiente, fomos ficando cada vez mais confinados e morando em locais mais fechados, sem espaços ao ar livre para convívio com a natureza. Acredita-se que, como consequência, nosso sistema imunológico acaba não sendo treinado para uma resposta mais fisiológica e, por isso, tem respostas mais intensas às alergias”, explica a especialista, que lembra ainda da “teoria da higiene”, que associa o aumento das alergias ao uso excessivo de antibióticos e à falta de contato com “sujeiras” – pé no chão, convivência com animais, entre outras coisas.

“Até hoje essa teoria tem sua importância, mas precisamos tomar cuidado porque não estamos dizendo que viver com o lixo ou com a sujeira é o ideal. Afinal, podemos cair no outro extremo, que é a contaminação por doenças infecto-contagiosas. O que queremos difundir é a teoria da diversidade, onde através do contato com a natureza e os animais, criamos uma microbiota [a antiga flora intestinal] mais preparada para ser ‘amiga’ e protetora do nosso organismo, ajudando a combater agentes invasores que causam doenças”, acrescenta Fátima.

Alergia alimentar também é um problema

A alergista pediátrica Renata Rodrigues Cocco, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, atua principalmente com alergias alimentares há cerca de 30 anos, e diz que ano a ano observa o aumento de atendimentos no consultório. Ela ressalta, inclusive, que por aqui as alergias alimentares são as que mais estão crescendo – embora os casos asma e rinite continuem sendo os mais prevalentes.

“O número de casos novos de rinite e asma continuam altos, mas se mantém estável. Por outro lado, as alergias alimentares estão crescendo exponencialmente e, nitidamente, reconheço isso no meu dia a dia. O número de casos quintuplicou nos últimos cinco anos”, afirma. Ela ainda esclarece: “E não é apenas o aumento de casos novos, mas também o número de alimentos relacionados com essas alergias; o tempo para remissão do problema; casos relacionados a alimentos que não eram tão prevalentes no nosso meio. Todos os dias pego pelo menos um caso novo, de crianças cada vez mais novas, com quadros cada vez mais graves”.

Segundo médica, alergias alimentares estão crescendo exponencialmente no País. Foto: pitipat/Adobe Stock

Para Renata, uma das principais explicações para o aumento da incidência de alergias em geral no mundo recai sobre a epigenética, ou seja, a modificação das funções genéticas que são transmitidas de uma geração para outra.

“O aumento expressivo de casos está dentro de um guarda-chuva, com várias hipóteses, mas talvez a epigenética é a que melhor justifica tudo. Temos modificações climáticas, muito mais poluição, um conjunto de doenças da vida moderna que são associadas ao sistema imunológico. E temos cada vez mais pais não alérgicos que têm filhos alérgicos. Talvez esteja ocorrendo uma alteração do gene em vida”, defende.

E o que isso significa? Renata explica: “Que o DNA daquela mãe que se alimenta mal, às custas de dietas ultraprocessadas, com poucos micronutrientes, que não faz atividade física, que vive sob estresse, pode levar a uma alteração de DNA em vida, mudando os cromossomos que ela vai transmitir para a próxima geração”, sugere a especialista.

Mas o que é exatamente a alergia?

De acordo com Fátima, as alergias são uma resposta do nosso sistema imunológico a substâncias que entram em contato com o nosso organismo e, ao invés de serem reconhecidas como não nocivas, elas são encaradas como substâncias estranhas e perigosas, provocando uma reação exagerada, que é a reação alérgica.

É muito importante identificar corretamente uma alergia porque cada doença específica da alergia pode estar relacionada a algum fator diferente. “Quando a pessoa tem uma propensão a alergias, o sistema imunológico dela desenvolve uma reação exacerbada, uma explosão, uma espécie de guerra envolvendo várias proteínas no organismo, causando a reação inflamatória do tipo alérgica”, diz a médica.

O diagnóstico correto envolve a realização de exames cutâneos – o mais clássico deles feito no braço ou nas costas da pessoa – para evidenciar se ocorre aquela mesma reação alérgica e outra forma de diagnosticar uma alergia é dosando a presença de anticorpos (imunoglobulinas) no sangue.

Outro detalhe importante no diagnóstico preciso da alergia é a recorrência dos eventos – e isso é fundamental para diferenciá-la de uma intolerância, por exemplo. Quando a pessoa é alérgica, toda vez que entrar em contato com a substância considerada estranha pelo organismo, o corpo vai ter uma reação, que pode ser mais ou menos intensa.

“Numa alergia alimentar a leite, ovos, ou amendoim, por exemplo, sempre que a pessoa ingerir aquele alimento terá uma coceira, uma vermelhidão, ou até uma reação que pode ser mais grave comprometendo outros órgãos. Não é todo mundo terá reação mais grave e não temos como antecipar que isso possa acontecer, mas se a pessoa toma leite e às vezes tem reação e outras vezes não, de acordo com a quantidade ingerida, provavelmente não é uma alergia e pode ser uma intolerância”, explica Fátima.

No Brasil, as alergias mais frequentes são a alimentar, a dermatite atópica, a rinite e a asma.

Não há estatísticas oficiais sobre a prevalência de cada tipo de alergia, mas, segundo a Asbai, os números no país parecem se assemelhar com a literatura internacional: cerca de 8% das crianças, com até dois anos de idade, e 2% dos adultos sofrem com algum tipo de alergia alimentar.

No caso da asma, estima-se que 10% a 25% da população brasileira sofra com o problema e, além disso, 80% das pessoas com asma também têm rinite. A Asbai informa ainda que 20% crianças e 30% adolescentes têm rinite alérgica e cerca de 20% das crianças e 3% dos adultos sofrem com dermatite atópica.

Seguindo essa linha do tempo, estamos diante de uma doença que está aumentando, que pode ser potencialmente grave e que não pode ser curada, somente controlada.

Em termos de prevenção, Renata diz que não há nada a ser feito, nem mesmo na durante a gestação. “Apesar de não ter o que fazer para prevenir, tem muita coisa que podemos fazer para não atrapalhar. Muita gente ainda faz dieta restritiva da dieta das gestantes como forma de prevenir, mas isso é um tiro no pé. Se a criança não entrar em contato via placenta com aquela proteína, ela não vai conseguir produzir anticorpos de defesa. Não devemos tirar nada da dieta da gestante como forma de prevenção, mas ela deve ter uma dieta saudável para evitar outras doenças que possam piorar o estado inflamatório e facilitar alergias”, frisa Renata.

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